Revisitando o secular: secularidades múltiplas e trajetórias para a modernidade

AutorMonika Wohlrab Sahr - Marian Burchardt
CargoProfessora de Sociologia Cultural da Universidade de Leipzig, Alemanha - Investigador pós-doutorado no Max Planck Institute para o Estudo da Diversidade Religiosa e Étnica
Páginas143-173
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n36p143
143143 – 173
Revisitando o secular:
secularidades múltiplas e
trajetórias para a modernidade1
Monika Wohlrab-Sahr2
Marian Burchardt3
Resumo
Os debates acadêmicos sobre a secularização e o secularismo atingiram um impasse infecundo.
Os teóricos ortodoxos ou neo-ortodoxos da secularização insistem na universalidade epistemo-
lógica e na aplicabilidade universal de conceitos mais ou menos uniformes de secularização. Por
contraste, as críticas pós-coloniais procuraram provincianizar a noção de secular, enfatizando
sua origem ocidental e sua coimplicação com o Estado-nação, a violência e o colonialismo.
Neste artigo, ocupamo-nos criticamente dessas abordagens e sugerimos, como perspectiva alter-
nativa, o conceito de “secularidades múltiplas”. Se, por um lado, as abordagens universalista e
pós-colonial tendem a dar forma e essência ao secular, nós pretendemos, por outro lado, historici-
zar e culturalizar a secularidade. Fazemo-lo argumentando que a secularidade se sustenta cultural
e simbolicamente em formas de distinção entre as esferas e as práticas sociais religiosas e não
religiosas e que as institucionalizações dessas distinções serviram como modo de lidar com dife-
rentes problemas. Não obstante reconheça as historicidades particulares da secularidade, nossa
conceptualização liberta-a, de forma signif‌icativa, de suas associações singulares ao Ocidente e
à modernidade.
Palavras-chave: Religião. Secularidade. Secularização. Secularismo. Modernidades múltiplas.
Introdução
Nas últimas décadas, os debates sociológicos sobre religião e secularização
têm sido caracterizados por um enfrentamento entre os críticos (geralmente
estadunidenses) e os defensores (majoritariamente europeus) das teorias da
1 Tradução de Jorge Botelho Moniz.
2 Professora de Sociologia Cultural da Universidade de Leipzig (Alemanha). Diretora do Centro de Humanida-
des para Estudos Avançados sobre “Secularidades Múltiplas: Além do Ocidente, Além das Modernidades”.
3 Investigador pós-doutorado no Max Planck Institute para o Estudo da Diversidade Religiosa e Étnica.
Revisitando o secular: secularidades múltiplas e trajetórias para a modernidade | Monika Wohlrab-Sahr e Marian Burchardt
144 143 – 173
secularização. Ao mesmo tempo, houve um crescimento notável nos debates
público e acadêmico a respeito do papel do secularismo nos regimes políticos
e nas estruturas nacionais e civilizacionais. O lugar incerto do Ocidente na
política mundial, o terror islâmico e a guerra ao terrorismo, a luta das mino-
rias religiosas por reconhecimento e inuência e as concomitantes negociações
quanto ao lugar da religião na esfera pública, bem como a emergência da
cidadania pós-nacional, desempenham um papel nessas dinâmicas. As ree-
xões que, neste contexto, brotaram da teoria política, antropologia social e
dos estudos religiosos enriqueceram o debate, mas também contribuíram para
a fragmentação das teorias existentes sobre a relação religião-modernidade.
Enquanto as tentativas anteriores ainda visavam desenvolver teorias gerais da
secularização, incluindo os desvios ao modelo geral, as novas abordagens ten-
dem a destacar a especicidade, e até mesmo a incomparabilidade, dos desen-
volvimentos da Europa Ocidental relativamente aos do resto do mundo.
Entretanto, as abordagens críticas ao estudo do secularismo que seguem
a metodologia genealógica foucaultiana, em particular a promovida por Talal
Asad (2003) e seus seguidores, tornaram-se a sua nova corrente de pesquisa
principal. Essas abordagens parecem permitir o estudo das distinções secular-
-religioso, incluindo os conceitos teóricos acessórios, apenas como o resultado
das imposições coloniais europeias a respeito dessa divisão. Para elas, parece
coerente concluir que as distinções entre secular e religioso são estranhas aos
contextos não europeus e apoiar noções holísticas do islamismo ou hinduísmo
como modos de vida.
Em muitos aspectos, consideramos que essa consequência – talvez aci-
dental – de abordagens que começaram como críticas, é um beco sem saída
para o estudo sociocientíco da religião. A premissa básica implícita aos es-
tudos da secularização, nomeadamente a busca dos limites da religião e sua
origem, bem como as distinções e diferenciações entre religião e seus concor-
rentes conceituais e institucionais4, arrisca-se a ser jogada fora com a água do
banho da teoria clássica da secularização.
Neste contexto, nosso artigo apresenta o quadro conceitual das secula-
ridades múltiplas, com o intuito de reajustar a pesquisa sociológica sobre a
4 Neste artigo diferenciamos – graças a uma sugestão de Philip Clart – as distinções conceituais (entre, por
exemplo, o secular e o religioso) das práticas, especialmente as institucionalizadas. A terminologia e o tipo de
formas que podem encerrar e o modo como se relacionam são questões empíricas.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT