Responsabilidade Social das Empresas, Trabalho Decente e Acordos Marco Internacionais: um estudo de caso do setor têxtil

AutorCaroline da Graça Jacques - Maria João Nicolau dos Santos - Maria Soledad Etcheverry Orchard
CargoPós-doutoranda na modalidade CAPES-PNPD em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - Doutora em Sociologia Economica pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa - Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia Universidade Federal do Rio de Janeiro
Páginas160-192
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n33p160
160 160 – 193
Responsabilidade Social das
Empresas, Trabalho Decente e
Acordos Marco Internacionais: um
estudo de caso do setor têxtil
Caroline da Graça Jacques1
Maria João Nicolau dos Santos2
Maria Soledad Etcheverry Orchard3
Resumo
O artigo debate como a noção de “Trabalho Decente” proposta pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) está presente nos programas de Responsabilidade Social das Empresas (RSE),
a partir do desenvolvimento das cadeias produtivas globais. Com base em autores da Sociologia
Econômica, discute-se a formação dos Acordos Marco Internacionais (AMIs) que associam o
protagonismo sindical e as empresas para a geração de trabalho decente nas redes de forneci-
mento. O foco empírico da pesquisa foi a multinacional Inditex, do ramo têxtil e de confecções
do vestuário. Realizaram-se entrevistas com atores sociais e econômicos da cadeia produtiva da
empresa em Portugal e no Brasil. Como conclusão, destaca-se que as novas ferramentas de RSE,
como os AMIs, privilegiam as diretrizes do trabalho decente. Contudo, a pesquisa revelou que
sem alterações no modelo de gestão da cadeia produtiva fast fashion, os AMIs têm pouca ef‌icácia
para a redução das sweatshops e da precarização do trabalho.
Palavras-chave: Trabalho decente. Responsabilidade Social das Empresas. Acordo Marco Inter-
nacional. Cadeias Produtivas Globais.
1 Gostaríamos de agradecer aos pareceristas da Revista Política & Sociedade pelos valiosos comentários e
sugestões que contribuíram para a versão f‌inal deste artigo. Pós-doutoranda na modalidade C APES-PNPD
em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Doutora em
Sociologia Política (UFSC). Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento
Socioeconômico (UNESC). E-mail: carolinejacques@unesc.net
2 Doutora em Sociologia Economica pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
(ISEG-UL). Professora da Universidade de Lisboa. E-mail: mjsantos@iseg.ulisboa.pt
3 Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professora Associada da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).E-mail: maria.soledad@ufsc.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Nº 33 - Maio./Ago. de 2016
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1 Introdução
As relações de trabalho passaram por signicativas transformações a partir
da emergência das cadeias produtivas globais nas últimas duas décadas. De
um lado, a nanceirização da economia, a precarização dos postos de tra-
balho, a exibilização e a presença de estrangeiros e imigrantes na disputa
por vagas de emprego. Por outro, os avanços tecnológicos, o acirramento da
competitividade nas empresas e a formação de extensas redes de fornecimen-
to. Desde essa mesma época, vislumbra-se um intenso debate sobre quais são
as efetivas responsabilidades das instituições econômicas em relação aos(às)
trabalhadores(as) e às vagas de emprego, às comunidades e ao meio ambiente.
Na Europa e nos Estados Unidos, sobretudo, discute-se a importância de re-
gras socioambientais para orientar as estratégias empresariais em um contexto
econômico marcado pela interdependência. O presente artigo discute a emer-
gência de diretrizes do “trabalho decente” nos programas de responsabilidade
social das empresas para a regulação social das cadeias produtivas globais.
O debate sobre a chamada responsabilidade social das empresas (dora-
vante, apenas RSE) emerge concomitantemente às denúncias realizadas pela
mídia impressa e televisiva de ações de desrespeito às legislações trabalhista e
ambiental por parte de grandes corporações4. Organizações multinacionais
criam departamentos internos de RSE associados ao gerenciamento da repu-
tação das marcas e monitoramento de riscos sociais e ambientais relacionados
aos efeitos não previstos da deslocalização produtiva e formação das cadeias
produtivas globais (CPGs).
A empresa que durante boa parte do século XX, no período identi-
cado por alguns autores como sociedade salarial fordista (CASTEL, 1999;
BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999), possuiu papel central na formação de
identidades individuais e coletivas passa, agora, a ser vista principalmente
como a vilã que se isenta de qualquer responsabilidade com o destino de in-
divíduos e sociedades.
4 O caso mais emblemático ocorreu na década de 1990 com o envolvimento da Nike – empresa de produtos
esportivos com sede principal nos Estados Unidos – na exploração do trabalho infantil e o não pagamento de
tributos trabalhistas de suas empresas terceirizadas na região da Ásia. O caso foi bem documentado no f‌ilme
The Big One (1998), do cineasta norte-americano Michael Moore. Nessa produção há uma entrevista com o
presidente da companhia, Phill Knigth, na qual o diretor convida-o para conhecer as fábricas terceirizadas da
Nike na Indonésia e ele se nega.
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Caroline da Graça Jacques, Maria João Nicolau dos Santos e Maria Soledad Etcheverry Orchard
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Do ponto de vista das ciências de gestão, a RSE compõe programas e
ações que ultrapassam as diretrizes legais às quais as organizações precisam
se adequar para operar nos mercados. Os autores defendem que a RSE é um
modelo de gestão organizacional (FREEMAN, 1984). De fato, entende-se
aqui que o marcante da concepção de RSE é sua amplitude, característica que
contribui também para a imprecisão do conceito e o jogo de lutas conceituais
acerca do fenômeno.
Contudo, na década de 2000, a Comunidade Europeia apresentou um
posicionamento sobre o tema, assim como denições mínimas e estratégias
para o campo empresarial promover a RSE no continente. O Livro Verde
Promover um quadro europeu para a Responsabilidade Social das Empresas
(2001) destaca a importância das práticas de RSE para o crescimento econô-
mico sustentável, a geração de melhores empregos e a coesão social.
Estudos nacionais demonstram que uma das dimensões presentes na RSE
refere-se às ações sociais para a comunidade no bojo de um processo mais
amplo, sob a emergência de um “terceiro setor”5. Com efeito, uma empresa
socialmente responsável direciona à sociedade recursos nanceiros, produtos,
serviços e conhecimentos para contribuir na resolução de alguma questão so-
cial como parte de uma nova proposta de governança corporativa no quadro
das políticas públicas neoliberais (JACQUES, 2010).
No entanto, o engajamento da empresa em ações sociais para a comuni-
dade reete apenas uma faceta da RSE. Formalmente e nas discussões teóricas,
o conceito é associado às múltiplas interações institucionais, como: o monito-
ramento dos impactos ambientais; as relações das empresas com o poder pú-
blico, bem como com as agências de nanciamento, os trabalhadores e sindi-
catos; cadeias de fornecedores e subcontratados; acionistas; consumidores e a
própria transparência de informações da organização. O debate mais atual no
quadro da RSE destaca os avanços e os desaos da implementação e monito-
ramento das cláusulas de RSE na cadeia produtiva global das multinacionais.
De fato, o contínuo desenvolvimento das práticas de RSE, ao longo da
última década, contraria a posição ortodoxa em relação ao tema de alguns
5 A ideia de terceiro setor não se assemelha com o conceito de sociedade civil, conceito tão caro às ciências
sociais. Trata-se, antes, de uma noção associada à emergência das organizações não governamentais (ONGs),
cujo papel frente às resoluções das questões públicas tem sido crescente diante de políticas neoliberais.

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