A responsabilidade patrimonial do sócio retirante na Reforma Trabalhista entre outras questões

AutorLeticia Aidar/Rogério Renzetti/Guilherme de Luca
Páginas41-54

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Ver Nota1

1. Introdução

Ao longo da história tem-se percebido que alguns temas mexem mais com os sentimentos das pessoas do que outros. Isso é natural. Esta é uma observação óbvia. Vivemos um momento em que a sociedade vem passando por inúmeras mudanças de paradigmas, mormente a sociedade brasileira. Até aí, nenhuma novidade. Todavia, de um modo geral, o que nos tem diferenciado com relação às outras sociedades é que no Brasil, não raro, as mudanças são casuísticas, além de representarem a vontade de um momentâneo grupo que se encontra, de plantão, no poder, faltando-lhes, assim, a devida legitimação social material (e não formal). Esse modelo de imposição de vontade é que tem nos deixado apopléticos.

Isso é o que se tem visto com algumas das mais recentes propostas ou efetivas reformas. Temas como a Reforma da Previdência, Fim do Foro Privilegiado ou a própria Reforma Trabalhista têm gerado inúmeras manifestações, ao menos do ponto de vista jornalístico e acadêmico. A sociedade, por diversas razões que não pretendo analisar neste domínio, de um modo geral, tem-se mantido distante dos debates, principalmente destes temas que aqui mencionei.2

Não obstante, quando os temas sensíveis à sociedade são levados à discussão, as ideias são propaladas considerando-se as posições mais extremas dos especialistas. Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Souto Severo em recente artigo criticaram a Reforma Trabalhista, tal qual apresentada.3 De outro lado, José Pastore, que integrou a Comissão Especial que analisou o PL, em artigo publicado, defendeu a sua necessidade.4 Como se vê, independentemente do ponto de vista de cada um, o que se quer demonstrar é que temas como o que ora estamos a debater sempre materializam posições muito díspares e necessitam de um debate maior e de

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uma reflexão mais aprofundada, o que, infelizmente, é difícil de acontecer.

Mas há outros tantos problemas. Não é possível se levantar todos, mormente numa obra em que se busca apenas tecer alguns breves comentários sobre uma nova lei, ainda que importantíssima, qual a que trata da reforma trabalhista.

Não posso deixar de lembrar de outra questão da mais alta relevância e que vem sendo negligenciada por boa parte da doutrina nacional, que precisa, urgente, ser refletida, mormente diante dos novos paradigmas que se avultam em nosso sistema normativo.

Refiro-me ao modelo decisional. A forma interpretacional. Ora, se o direito brasileiro se fixa sobre uma construção positivista, não deveria ser muito difícil apresentar soluções judiciais para os problemas judicializados. Ocorre que não é isso que acontece. Casos fáceis ou casos difíceis são resolvidos de modo complexo.

Chegamos a uma quadra da história em que as decisões judiciais são capazes de interferir e provocar impactos nas mais variadas esferas da sociedade, afetando corporações, instituições públicas ou diretamente todos nós.

De outro lado, a complexidade da vida contemporânea e a dificuldade de se fazer leis com boa densidade normativa acabam, diante desse contexto, levando a decisões judiciais díspares, para casos idênticos, gerando uma verdadeira crise interpretativa.

A ideia de unificação da jurisprudência, agora tratada em recentes reformas processuais, também não se tem mostrado suficiente para impor um modelo de superação da crise a que me refiro. Os juízes têm como função acomodar a legislação ao contexto existente dentro do sistema político e social. A dificuldade avulta-se quando pensamos que não existe uma teoria da decisão judicial.

O problema não deixa de ser relevante para o tema deste opúsculo. Tratar de uma reforma legislativa tão profunda, como é a trabalhista, pelos aspectos materiais e processuais, não é uma tarefa simples. A começar pela desconstrução de diversos institutos consagrados pela história brasileira. Mexeu-se com o coração do trabalhador, com os seus sentimentos, com a sua afetividade, com o seu bolso, com a sua vida social, enfim. E o que é o pior: com uma legislação que é fruto de diversos casuísmos, não raro mostrando-se atécnica e irrefletida. Desconsiderando-se o verdadeiro cenário da sociedade brasileira.

Mudar é preciso. Aliás, a vida, em pouquíssimo espaço de tempo, mudou completamente. Mas o processo de evolução, de boa parte das mudanças sociais que se operam no mundo, anda dentro daquilo o que é aceito – e até em certa medida esperado pela sociedade mun-dial. Todavia, mudar por meio de uma irrefletida análise das consequências que podem advir dessas mudanças é mais complicado. A tarefa afigura-se mais árdua quando se tenta escrever sobre parte dessas mudanças, ainda mais tendo sido realizadas por algumas passagens legislativas quase incompreensíveis.

Mas não é só. Ao julgar, o magistrado deve levar em consideração o impacto de sua decisão, assim considerando-se questões sociais, econômicas e até mesmo de governabilidade. O compromisso com as consequências de suas decisões não pode mais ser olvidado pelos juízes.

Não estou querendo dizer, com as observações que fiz até agora, que sou contra a existência de uma reforma

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trabalhista, nem tampouco que sou a favor da completa adoção do pragmatismo jurídico, adotado pela concepção pós-virada de que nos dá notícia o seu maior arauto, Richard Posner.5

Se, por um lado, as decisões judiciais devem ser orientadas por parâmetros legais, por outro, não se pode olvidar que as mesmas devam ser compromissadas com as consequências sociais. E aí, nasce o problema: como equacionar este antagonismo diante de uma legislação reformista, não raro, com passagens inconsequentes, atécnicas ou inconsistentes?

Não será fácil, ao menos nos momentos iniciais, a construção de uma lógica filosófica que possa compatibilizar o sistema.

Por mais que o legislador reformista tenha tentado, não se pode perder de vista que o Direito, como qualquer outro domínio do saber, é visto como conceito essencialmente aberto, testado e revisado continuamente.

E o que é pior: dentro de uma lógica em que se busca construir o direito com ênfase na coerência pautada em decisões anteriores, com elevado respeito pelo precedente, não será fácil a sua adoção, na medida em que o juiz não tem esse subs-trato pretérito fundante, considerando-se um cenário completamente novo. Portanto, suas decisões deverão ser pautadas com olhar para as implicações futuras.

Não me causaria estranheza, diante dessas premissas, que o juiz inclua, em seu processo decisório, ferramentas metodológicas de outras áreas do conhecimento, de modo que se possa alcançar, com bases seguras, a solução mais equilibrada.

Quais seriam os critérios então? Será que o juiz levará em consideração a maior quantidade de consequência de suas decisões para se chegar a uma solução mais satisfatória para o problema que tem em suas mãos, ou levará em consideração critérios como razoabilidade, proporcionalidade, entre outros?

O dissenso que se estabelecerá num primeiro momento servirá para demons-trar a indeterminabilidade do direito sob análise judicial e, consequentemente, se colocará em dúvida a possibilidade de obtenção de uma resposta correta, o que nos leva a dizer que as respostas serão apenas razoáveis. Enfim, são problemas de que não podemos nos esquivar e, por via de consequência, busco a análise da parte processual da reforma levando em consideração boa parte das premissas mencionadas.

Mas a história não terminou. Na exposição de motivos, tratada por meio do voto do relator inicial da Reforma, na Comissão Especial destinada a proferir Parecer ao Projeto de Lei n. 6.787, de 2016, do Poder Executivo, qual

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o Deputado Rogério Marinho, lê-se, expressamente que:

O Brasil de 1943 não é o Brasil de 2017. Há 74 anos éramos um país rural, com mais de 60% da população no campo. Iniciando um processo de industrialização, vivíamos na ditadura do Estado Novo, apesar disso, o governo outorgou uma legislação trabalhista que preparava o país para o futuro. Uma legislação que regulamentava as necessidades do seu tempo, de forma a garantir os patamares mínimos de dignidade e respeito ao trabalhador.

E continua:

Hoje, estamos no século XXI, na época das tecnologias da informação, na época em que nossos telefones celulares carregam mais capacidade de processamento do que toda a NASA quando enviou o homem à lua. As dinâmicas sociais foram alteradas, as formas de se relacionar, de produzir, de trabalhar mudaram diametralmente.

No entanto, ignorou o Projeto quase por completo o fenômeno da virtualidade do mundo contemporâneo. Estranhamente o Projeto se preocupa com o processamento de dados e da capaci-dade de armazenamento dos telefones celulares, chegando mesmo a compará-lo com a capacidade de processamento da NASA, quando enviou, pela primeira vez o homem à lua, mas não foi capaz de regular o Processo Judicial Eletrônico – PJe. Não é estranho?

O referido Parecer se mostra muito preocupado com alguns dados estatísticos tirados do sítio do Tribunal Superior do Trabalho, a saber:

De acordo com dados colocados à disposição pelo próprio TST, somente no ano de 2016, as Varas do Trabalho receberam, nas fase de conhecimento, 2.756.159 processos, um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior. Desses, 2.686.711 forma processados e julgados. A soma da diferença dos processos não julgados no ano com o resíduo já existente nos tribunais totalizou 1.843.336 de processos pendentes de julgamento, em 31 de dezembro de 2016. Se forem acrescidas as execuções das sentenças proferidas, foram iniciadas 743.410 execuções e encerradas 660.860 em 2016, estando pendentes, em 31 de dezembro de 2016, o expressivo número de 2.501.722 execuções. Somando todos esses números, chegamos ao expressivo...

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