A Responsabilidade do Estado no Exercício da Função Regulatória e a Crise do Setor Elétrico Brasileiro
Autor | Natália de Almeida Moreno |
Ocupação do Autor | Doutoranda em Direito Público |
Páginas | 680-727 |
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1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil do Estado em todas as suas facetas Estado
Administrador EstadoLegislador e EstadoJuiz é a imposição da Ordem
Democrática de Direito que visa conformar as condutas estatais à lei
e garantir que do desempenho das funções p’blicas não só não sejam
violados direitos e garantias fundamentais dos cidadãos como também
sejam ativamente perseguidos as inalidades e os objetivos arrolados na
Carta Constitucional em especial e nos diversos diplomas normativos que
integram o ordenamento estatal e em caso de descumprimento desses
misteres ou de especial oneração de particulares especíicos que eles sejam
devidamente ressarcidos eou compensados
Como entidades p’blicas exercentes de funções típicas de Estado as
entidades reguladoras não escapam ao regime de responsabilidade do art
parágrafo da Constituição Federal de
Não obstante em virtude das características especiais do exercício da
função regulatória a responsabilização civil extracontratual de tais enti
dades complexiicase encontrando diiculdades adicionais
À vista disso e considerando que o desempenho desta função tem o
condão de gerar danos graves e extensos não só aos agentes regulados e
usuários mas à economia como um todo denotando a relevância e impor
tância da matéria propusemonos a discorrer sobre o tema no presente
trabalho objetivando a uma sistematizar ainda que sucintamente dado
o escopo focado típico de um artigo cientíico o regime de responsabili
zação civil no âmbito da função regulatória mediante o estudo das princi
pais hipóteses e dos fundamentos que ensejam o dever de indenizar
CANOT)L(O J J Gomes e MORE)RA Vital elucidam que o Princípio geral da reparação dos danos
causados a outrem é corolário do princípio fundamental do Estado Democrático de Direito
Constituição da República Portuguesa Anotada ed Coimbra Almedina p
Em sentido amplo
ale desde logo assinalar que não limitamos o escopo das entidades reguladoras às agências
independentes Empregamos antes como icará mais claro à frente um conceito substan
tivo de regulação não formal função exercida pelas agências reguladoras independentes
Com base nesse conceito substantivo entidade reguladora é toda aquela que realize a gestão
de custos sociais decorrentes de atividades econômicas independentemente de estar inte
gralmente dedicada a isto
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Com estes ins em mente exporemos em primeiro plano a ratio e as
peculiaridades da função regulatória de modo a perquirir se justiicam um
regime de responsabilização civil diferenciado
Em seguida passaremos à análise dos tipos de responsabilidade que
são passíveis de ser conigurados dividindoos entre um regime geral cuja
ratio lastreia a responsabilidade civil de todos os entes p’blicos exercentes
de funções administrativas e um regime que denominamos especial o qual
reputamos peculiar em razão das missões e atividades que são como regra
coniadas às entidades reguladoras
Após apresentaremos sucintamente o contexto em que se situa a crise
do setor elétrico brasileiro e a título de estudo de caso os fundamentos
que nos permitem suscitar a responsabilidade do Estado nesta hipótese
2. AGÊNCIAS REGULADORAS – EVOLUÇÃO,
FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E PECULIARIDADES
A transição do Estado Social para o Estado Regulador
caracterizasepela
passagem da intervenção do Estado no domínio econômico de uma vertente
eminentemente direta para uma atuação sobretudo indireta via ordenação
heterônoma das atividades privadas
A devolução ao mercado privatizaçãoe a permeabilização à concor
rência liberalização de importantes setores econômicos sobretudo os de
infraestrutura que outrora compunham o elenco dos denominados serviços
p’blicos industriais que tomou lugar a partir dos ins da década de
fezse acompanhar da ordenação e do monitoramento constantes por parte
do Estado do ambiente econômico e das condições comportais dos agentes
privados para que o exercício daquelas atividades não se norteasse unica
Utilizaremos aqui a expressão Estado Regulador para identiicar de forma genérica a forma
tação institucional que sucedeu à retração da intervenção direta do Estado na economia Não
ignoramos porém as distinções e peculiaridades que existem entre as expressões Estado
Regulador Estado Orientador )ncentivador e Garantidor as quais não teremos oportunidade
de explicitar e aprofundar no presente trabalho em razão de seu escopo reduzido Reme
temos então o leitor para S)LVA Suzana Tavares da O Sector Eléctrico perante o Estado
Incentivador, Orientador e Garantidor Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra p e GONÇALVES Pedro António Pimenta
da Costa Regulação, Electricidade e Telecomunicações. Estudos de Direito Administrativo da
Regulação Coimbra Coimbra Editora p
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mente por interesses meramente privatísticos e pelo livre jogo do mercado
mas ao revés voltassese igualmente à persecução e resguarde dos inte
resses coletivos
À tradicional regulamentação e supervisão do sistema inanceiro que
há muito tem lugar para a proteção dos consumidores e do valor jurídico
da coniança nos setores bancário de valores mobiliários e de seguros e
resseguros somouse assim a regulação de setores infraestruturais libe
ralizados e privatizados calcada precipuamente na coibição de falhas de
mercado e de condições incompatíveis com um ambiente concorrencial
aceitável na persecução de metas redistributivas e de realização de direitos
dos cidadãos e no gerenciamento de riscos incertezas eou perigos into
leráveis eou de consequências potencialmente danosas para a coletivida
de
objetivando criar e manter as condições necessárias à eiciê ncia do
mercado tanto no que tange à produção à melhor alocação de recursos e
à distribuição informacional como no que concerne à melhor distribuição
de riquezas e ao incremento dos níveis de bemestar social
Daí que consoante as lições de GONÇALVES a superação do Estado
Social nãotenha signiicado a adoção de uma postura estatal de mera
proteção de contexto assomando com a privatização e a liberalização
de setores outrora monopolizados um grau intermédio de responsabili
dades p’blicas consubstanciado emresponsabilidades públicas de garantia,
Cf OECD Regulatory Impact Analysis. A Tool for Policy Coherence, Paris OECD p
Para uma apreciação abrangente acerca das razões que justiicam a regulação v BALDW)N
Robert et al Understanding Regulation: Theory, Strategy, and Practice nd Ed New York
Oxford University Press p
Já tivemos a oportunidade de expor os cenários e fundamentos que ensejaram a criação das
agências reguladoras dos setores de infraestrutura justiicando assim a sua diferenciação
perante as autoridades da concorrência no âmbito da ordenação do mercado em MORENO
Natália de Almeida Defesa de Conduta Regulada em Procedimentos Antitruste a interface
entre Agências Reguladoras e Autoridades Antitruste Publicações CEDIPRE Online n
abril especialmente p e Agências Reguladoras e Autoridades da Concorrência
em Conlito Revista de Direito Público da Economia – RDPE n ano outdez p
Pedro Gonçalves Regulação, Electricidade e Telecomunicações op. cit p
Idem ibidem No mesmo sentido S)MÃO Jorge André Carita salienta que A presença do
Estado e da Administração no mercado não se retraiu o que apenas mudou foi a sua forma
de intervenção passando o Estado a assumir nesta nova fase uma função de garantia a qual
possa permitir nomeadamente a efetividade da prestação dos serviços a universalidade
do seu acesso a redução das assimetrias informativas entre quem presta o serviço e seu
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