A Responsabilidade do Fiador no Contrato de Locação

AutorTainá Fernanda Pedrini - Fabrisio Comandoli Filho - Luciana de Carvalho
Páginas26-32

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Excertos

"Somente o locatário ou terceiro, que é parte no contrato na condição de garantidor, poderá realizar a cessão fiduciária de quotas de fundos de investimento"

"A seguradora substitui a pessoa do fiador, para que assim o locador tenha uma garantia de maior estabilidade devido à segurança de bens passíveis à penhora"

"Já a fiança é um acessório ao contrato principal, ou seja, caso este não exista, a prestação daquela é considerada nula"

"O ato de ser fiador prescinde de alguns requisitos, dentre os quais e ainda não citados destacam-se: ter ao menos um imóvel livre e desembaraçado de ônus; ser apto a exercer todos os atos da vida civil e ter o livre gozo de seus bens"

Introdução

O s contratos locatícios estabelecem um negócio jurídico no qual uma das partes, denominada locador, obriga-se a ceder a outrem, no caso o locatário, o uso e o gozo de coisa infungível mediante retribuição. Diante disso, a Lei 8.245/91 surgiu a fim de estabelecer diretrizes específicas para esses pactos, que anteriormente eram regulados unicamente pelo Código Civil.

O presente estudo pretende analisar a garantia prestada pelos fiadores nos contratos supramen-cionados. Para tanto, observa-se, a título introdutório, todas as modalidades de garantia que podem ser ajustadas nos contratos de loca-ções, a fim de que posteriormente seja realizado o corte epistemoló-gico na fiança, aproveitando, as-

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sim, para diferenciá-la do aval estabelecido no Código Civil.

Posteriormente, abordar-se-ão os efeitos e as regras gerais da fiança e sua caracterização como contrato acessório, bem como a divergência doutrinária em razão da possibilidade de constrição do bem de família, exceção da Lei 8.009/90. Nesse momento, sopesa--se o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de recurso extraordinário, acerca da problemática, no qual se discute a inconstitucionalidade desta legislação, a qual contrapõe dois direitos fundamentais, quais sejam o direito à moradia e o direito à liberdade.

Por fim, objetiva-se esclarecer as formas de extinção da fiança, com ênfase na notificação resilitó-ria e a prevalência da Lei de Locações em detrimento ao Código Civil, a qual traduz o princípio her-menêutico da especificidade diante de antinomias jurídicas. O método utilizado foi o indutivo1.

1. Das garantias do locador no contrato de locação

O contrato de locação regula-se pela Lei 8.245/912 e subsidiariamente pelo Código Civil3. É considerado um negócio jurídico pelo qual uma das partes, isto é, o locador, obriga-se a ceder ao locatário por tempo determinado ou não, o uso e o gozo de coisa infungível mediante retribuição.

A Lei 8.245/91, também conhecida como Lei do Inquilinato ou Lei de Locações, rege especi-ficamente: a locação de imóveis urbanos; os imóveis de proprie-dade da União, dos estados e dos municípios; de suas autarquias, fundações; as vagas autônomas de garagem ou espaço para o estacionamento de automóveis; os locais destinados à publicidade; os hotéis, residenciais e equiparados, assim como aqueles que prestam ser-viços a seus usurários; e, por fim, o arrendamento mercantil4.

Ainda, esta lei elenca em seu art. 37 as modalidades de garantias que poderão ser estabelecidas no contrato de locação, quais sejam a fiança pessoal ou bancária, a caução, o seguro de fiança locatícia e a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimentos, ficando a cri-tério do locador qual destas opções será utilizada.

Ressalta-se que somente é possível valer-se de uma dessas modalidades de garantia no contrato, sob pena de nulidade e, inclusive, constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do último valor do aluguel atualizado, conforme art. 47 desta lei5.

Dentre as possibilidades de garantir a efetividade do adimplemento das obrigações estabelecidas no contrato locatício, inicia-se a análise com a fiança, a qual é a espécie mais utilizada. Segundo Luiz Antonio Scalvone Junior6, é "o contrato acessório mediante o qual o fiador garante o cumpri-mento da obrigação principal pelo afiançado, no caso o locatário, se este não vier a cumpri-la".

A doutrina exposta alhures corresponde ao art. 818 do Código Civil7, o qual dispõe que no "con-trato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". Diz-se contrato acessório, pois no caso de a garantia do negócio jurídico ser realiza-da mediante a fiança, esta prescin-de de um contrato principal, o qual regerá a locação propriamente dita, para que assim se possa realizar o contrato derivado.

Já a caução pode ser dada de duas formas: real ou fidejussória. Sendo aquela prestada pelo próprio locatário e esta oferecida por um terceiro. A Lei de Locações8 estabelece que o valor a ser caucionado em razão do contrato locatício não pode exceder a três meses de aluguel, ou em caso de caução de bens móveis, estes deverão ser registrados em cartório de títulos e documentos e os imóveis deverão ser procedidos à averbação na respectiva matrícula.

Ademais, acerca da cessão ?-duciária de quotas de fundos de investimentos, dentre das garantias locatícias, considera-se a menos utilizada e conhecida. Esta é instruída pela Lei 11.196/059 e trata--se de aplicação financeira de risco, vez que depois de oferecida a cessão em garantia confecciona-se um termo de "cessão fiduciária", o qual anexa-se ao contrato de locação.

Ressalva-se que somente o locatário ou terceiro, que é parte no contrato na condição de garanti-dor, poderá realizar a cessão fidu-ciária de quotas de fundos de investimento. Além disso, no caso de inadimplemento do locatário, o lo-cador poderá transferir para si de?-nitivamente a titularidade das quotas e, caso elas excedam o débito, poderá o locador transferir para si somente a quantidade necessária para a quitação.

Por conseguinte, no que tange ao seguro de fiança locatícia, nas palavras de Venosa10, "é modali-dade de caução convencional. A seguradora se compromete a cumprir com as obrigações do locatário, na falta de cumprimento por este". Percebe-se, portanto, que a seguradora substitui a pessoa do fiador, para que assim o locador te-nha uma garantia de maior estabilidade devido à segurança de bens passíveis à penhora. Ainda, o prazo de vigência do seguro deve ser o mesmo do contrato e o pagador deste deverá ser o locatário, nos moldes da Lei do Inquilinato.

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Por fim, devido ao objeto do presente estudo consubstanciar--se na responsabilização do fiador no contrato de locação, realiza-se o corte epistemológico das garan-tias apresentadas especificamente na garantia da fiança, a qual será observada nos tópicos posteriores.

1. 1 Da necessária diferenciação entre a fiança e o aval

Inicialmente salienta-se que apesar de o Código Civil mencio-nar a fiança e o aval como modali-dades de garantia, estas não podem ser confundidas. Isso porque o aval serve necessariamente para os títu-los de crédito enquanto a fiança é utilizada nos contratos de locação, como visto alhures.

O aval é uma garantia mais restrita, sendo esta plena e solidária, vez que não se discute acerca do benefício de ordem, pois embora o devedor possua meios para liquidar o título, o avalista tem a obrigação de sanar a dívida, ressalvado o direito de regresso deste contra o devedor principal.

O aval deve estar contido no próprio título de crédito, conforme art. 898 do Código Civil11, "o aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título". Em caso de endosso, no verso do título deverá constar o termo "bom para aval", ou equivalente, a fim de particularizar a mencionada garantia do simples endosso em branco. Além disso, existe a possibilidade de realizar o aval em folha anexa ao título de crédito.

Ao contrário do aval, que é especí-fico para títulos de crédito, como nota promissória, cheque, letra de câmbio, a fiança é válida para contratos em ge-ral. Outra diferença é que o aval não depende de contrato, mas da simples assinatura do avalista no título de cré-dito. Isso justifica o fato de o contrato de locação demandar um fiador, que será a garantia financeira até a entrega das chaves, e não um avalista. A "entrega das chaves" é alvo de questionamento frequente no STJ, o que deu origem à edição da Súmula 21412-13.

Nos dois casos, isto é, na fiança e no aval, é imprescindível a outorga uxória, tendo em vista o entendimento sumulado pelo STJ, de n. 33214, e o disposto no art. 1.647, inciso III, do Código Civil15, de que "nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta [...] prestar fiança ou aval". Isso porque a instituição familiar existe por inteiro e, caso uma parte seja afetada, consequentemente prejudicará a outra, fazendo-se necessário o consentimento.

Já a fiança é um acessório ao contrato principal, ou seja, caso este não exista, a prestação daquela é considerada nula. Neste tipo de garantia, o fiador não é solidário, e sim subsidiário, respondendo pela dívida somente se o devedor principal tornar-se insolvente, haven-do, igualmente, a possibilidade de ação regressiva.

O contrato de fiança é unilate-ral, solene e exige forma escrita. Segundo Ademir Zanóbia16 o negócio jurídico unilateral é o "que decorre fundamentalmente da declaração da vontade de uma só pessoa [...]. São aqueles em que só uma das partes se obriga em relação à outra". Portanto, uma parte tem deveres enquanto a outra, direitos.

Além disso, quando da interpelação judicial em decorrência da fiança, esta deve...

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