A Responsabilidade Civil

AutorArtur Cristiano Arantes
Páginas81-91

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1 - História

Os estudos históricos da responsabilidade nos mostram que ela principia com a vida humana civilizada, visto que seus conceitos não são exclusivistas das normas e das leis atuais, mas ela se liga a todos os domínios da vida social, desde tempos imemoriáveis.

Assim, informa-nos Maria Helena Diniz56que, nos primórdios da civilização humana ainda nômade, dominava a vingança coletiva, com a qual, um grupo social reagia contra um agressor que praticasse uma ofensa a um de seus componentes. Mesmo entre grupos distintos, a responsabilidade do agressor se transformava de individual à coletiva quase que de imediato. Se o indivíduo do grupo “A” praticasse uma ação considerada ofensiva em face de um elemento do grupo “B”, logo todo este segundo grupo se voltava contra o indivíduo do grupo “A”, que por sua vez agia contra o grupo “B” por considerar ofendido um elemento de seu grupo, e assim sucessivamente em intermináveis e sangrentas lutas campais.

À medida que o homem ia se fixando em determinadas localidades e com as consequentes formações das primeiras cidades, o primitivismo das vinganças coletivas transmutou-se em vinganças privadas. Entretanto, apesar deste “avanço”, persistia ainda nestas sociedades, que ainda beiravam o barbarismo, o conceito da reparação do mal pelo mal. Reinavam as fórmulas do “olho por olho, dente por dente” e “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. A Lei das Doze Tábuas57codificava que: se alguém fere a outrem, sofre a pena do Talião, salvo se existiu acordo”.

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Os líderes destas estruturas sociais não cogitavam sobre a reparação do dano a favor da vítima, mas somente compareciam para declarar como e quando esta vítima poderia vingar-se, sempre com um espírito de desforra em que prevalecia a violência.

Também em outros códigos antigos, como o de Hamurabi e dos Hebreus, reinava o ordenamento de punir o dano com o mesmo mal e idêntico sofrimento que o agressor provocou na vítima.

Com o crescimento e o desenvolvimento humanístico e com a evolução social, o tempo veio mostrar ao homem que, ao punir o agressor com violências e mutilações, longe estava ele de obter uma reparação da agressão sofrida e que esta atitude repleta de sentimentos de vingança gerava um problema de dimensão maior para sua coletividade. Assim é que, se alguém que tivesse sido mutilado acabasse por mutilar seu agressor, ao final do evento o que restava para as famílias e para as sociedades primitivas era o ônus de ter de sustentar os dois mutilados envolvidos, com consequente redução de mão de obra na atividade daquela coletividade e na sua defesa contra outrem, tornando-se ambos um peso a ser suportado pela própria coletividade.

Tal quadro veio mostrar ao homem em evolução que, substituindo a vingança punitiva pela simples reparação do dano, melhor estaria ele atendendo tanto o seu interesse individual ofendido, como o de toda a sua coletividade ou sociedade.

Os “Poderes Públicos” daquela época iniciaram por absorver e aceitar a forma de estipular uma certa quantia, quer fosse em dinheiro (moedas de ouro) ou mesmo em bens materiais, para ressarcir ou reparar uma vítima que reclamava de uma ofensa, uma perda ou uma agressão.

Após séculos de evolução e trocas de experiências entre as primeiras sociedades, passava a vigorar em 286 a.C., já no Direito Romano, a Lei Áquila, que estipulava uma determinada quantia financeira indenizatória para reparar um dano sofrido por uma vítima agredida. Estava sedimentada a ideia da reparação pelo patrimônio do agressor58.

Neste processo evolutivo contínuo, com o desenvolvimento progressivo da civilização, o homem entendeu, felizmente não tardiamente, que a vida em sociedade implicava necessariamente a criação e aplicação

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de determinadas normas de conduta individual, normas estas que, inicialmente, tinham por base seus próprios costumes e práticas sociais, e que, em um segundo estágio, ao longo do tempo, foram consolidadas em leis, ou de modo mais abrangente, no denominado Estado de Direito. Com ele, o homem passou a conviver com normas bem definidas, regulamentando não só sua conduta pessoal, como a dos Poderes Institucionalizados Públicos em segunda fase.

Era dado desta forma um grande passo pelo Poder Estatal que, se obrigando a pautar seus julgamentos e suas sentenças em critérios fundamentados no Direito, sentiu-se na obrigação de desenvolver e criar normas e leis condizentes com os critérios dos mais elevados da Ética, da Moral e da Justiça .

2 - Contemporaneamente

Doutrinariamente, denomina-se Responsabilidade Civil a obrigação imposta a uma determinada pessoa de ressarcir danos que tenha provocado a alguém. Divide, também, a doutrina a responsabilidade em Contratual e Extracontratual. A primeira rege-se pelos princípios gerais dos contratos, já a extracontratual, também chamada de “aquiliana”, baseia-se, em princípio, na culpa.

Conforme dispõe nosso Código Civil vigente:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Deparamos, aqui, com o que o legislador pretendeu assegurar com o termo Ato Ilícito”. O ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa danos patrimoniais, físicos ou morais a outrem, criando dever de repará-lo59.

Logo, produz efeito jurídico, só que este não desejado pelo agente, mas imposto pela lei60.

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Assim, são duas as vertentes que se deve ter em mente para se definir o significado de ato ilícito.

A primeira explicita que: pratica ato ilícito o indivíduo que, por sua ação ou omissão, age com culpa (em seu sentido amplo, envolvendo o dolo, ou seja, a intenção de causar o dano; e a culpa, quando o agente agir de forma negligente, imprudente ou com imperícia), provocando dano a outrem.

Outra vertente que aborda a noção de ato ilícito é a de abuso de direito, que ocorre quando a pessoa, ao exercer um direito, excede os limites permitidos em razão das finalidades do direito, seu fim econômico e social, boa-fé e os bons costumes, tendo como resultado, também, um dano provocado a outrem.

Dessa forma é importante estabelecer algumas considerações sobre a configuração do ato ilícito, para a qual necessariamente deverão existir os requisitos: conduta humana, nexo, dano e culpa.

2. 1 - Conduta Humana

Pode-se dizer que a conduta humana para ser elemento do ato ilícito deverá ser ilícita, ou seja, contrária aos preceitos de Direito, de forma a desrespeitar um dever jurídico. Só pratica ato ilícito aquele que possui um dever jurídico e não obedece a esse dever, e a conduta deve ser imputável ao autor do fato, ou seja, deverá ser atribuída ao agente causador do dano.

Atente-se que, diferentemente do que preconiza o princípio de Direito Penal, em que a pena não passará da pessoa do condenado, no âmbito da responsabilidade civil poderão existir casos em...

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