Responsabilidad dos administradores e outros membros dos órçaos sociais por dívidas tributarias

AutorArmindo Saraiva Matías
Páginas42-54

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I - A responsabilidade civil dos membros dos órgaos sociais até a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciáis

A primeira regulamentagao desta materia teve lugar no Código Comercial de Veiga Beiráo, de 1888.

Ali se previa, designadamente no art. 165% a responsabilidade dos fundadores, até á constituigáo da sociedade, do mesmo modo que, no art. 173-, se criava um tipo de responsabilidade pessoal e solidaria dos Directores da sociedade para com ela e pe-rante terceiros, por inexecugao do mandato ou pela violagáo dos estatutos ou da lei.

Naturalmente, na previsao do Código de Veiga Beiráo, estavam apenas as sociedades anónimas, tendo o mesmo regime sido adoptado pela Lei das Sociedades por Quotas, com a criagáo destas, em 1901.

Foi, porém, com o Decreto-lei 49.381, de 15.11.69, que veio, no decurso do sécu-lo, produzir-se a grande reforma, nesta materia.

Este diploma, do mesmo passo que vem pormenorizar as fungóes dos órgaos de fiscalizagáo das sociedades anónimas,

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traz, como inovagáo, a criagáo de novos tipos de responsabilidade por factos ilícitos dos seus administradores e a responsabilidade civil dos administradores perante os credores sociais; correspondentemente, cria a possibilidade de os accionistas desenca-dearem acgáo social para efectivar a responsabilidade dos administradores.

E foi com este regime que as Sociedades Comerciáis conviveram, entre 1969 e 1986, ano em que entrou em vigor o Código das Sociedades Comerciáis. O Código das Sociedades Comerciáis nao é, alias, pródigo em novidades, relativamente ao re-gime de responsabilidade em vigor desde 1969. Há, contudo, inovagoes.

A primeira délas é que o regime das sociedades anónimas passa, agora, a ser aplicável a todos os demais tipos de sociedades.

Depois, expressamente impóe como dever geral o que antes apenas se presumía, através do seu art. 64a: os administradores, directores e gerentes devem actuar com a diligencia de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade.

Em terceiro lugar, cria um prazo de prescrigáo de cinco anos, para a efectiva-gáo da responsabilidade civil (art. 174a).

Em quarto lugar, diminui a percenta-gem de 10% para 5% (dos socios ou accionistas) necessária para designagáo dos representantes da sociedade, com vista a efec-tivagáo da responsabilidade dos Administradores (art. 76a n. 1).

Finalmente, cria um novo tipo de responsabilidade por culpa in eiigendo (art. 83-). Consiste este último na responsabilidade do socio ou accionista a quem compita nomear representante para os órgáos sociais. A ilicitude do comportamento do mandatario passa a gerar responsabilidade solidaria do mandante desde que se prove a culpa deste na designagáo ou escolha da-quele.

Central, em todo o caso, neste regime, é a ideia da responsabilidade por actos ilí-citos ou responsabilidade aquiliana, isto é, aquela que constitui no dever de indemnizar quem, com culpa ou negligencia, por acgáo ou omissáo, tenha causado danos a terceiro.

Funciona, pois, aqui, toda a estrutura da responsabilidade civil prevista e regulada nos arts. 483a e ss. do Código Civil da qual sao pressupostos: a existencia de daño, a prática de ilícito (por acgáo ou omissáo com culpa ou negligencia) e o nexo de cau-salidade entre o ilícito e o daño.

E parece obvio o alargamento que o já citado art. 64a do Código das Sociedades Comerciáis veio operar. De facto, a partir de agora, o gestor deve actuar com diligencia, deve ser criterioso e ordenado, presidindo, em todas as suas actuagoes, o interesse da sociedade. Este recorte rigoroso da actuagáo do gestor e dos deveres que lhe incumbem conduz, naturalmente, a um apuramento de culpa ou negligencia muito mais exigente do que antes, do mesmo pas-so que o vincula ao interesse social, sendo difícil i sentar o gestor de culpa sempre que, ao menos como objectivo, aquele interesse nao esteja presente.

Este novo modelo de responsabilidade vai impor a formulagáo de um conjunto de principios gerais a que nos referiremos já de seguida.

II - Principios gerais sobre a responsabilidade civil dos membros dos órgaos sociais, no ámbito do Código das Sociedades Comerciáis

Nao vou tratar, especialmente, da responsabilidade criminal, nem contraordena-cional, nem civil: outros conferencistas o faráo melhor do que eu.

Do que me coube falar-vos, agora, foi da responsabilidade por dividas de impos-tos! Pois bem, nesta cabem, no entanto, aqueles tres tipos de responsabilidade: a civil, a contraordenacional e a criminal. E o que veremos mais adiante.

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Comegaremos, justamente, pela res-ponsabilidade civil por dividas tributarias.1

Nao podemos, em todo o caso, até por necessidade de contraposigáo, prosseguir o nosso trabalho sem passarmos, em revisáo, os principios que regem a responsabilida-de civil dos membros dos órgaos, em ge-ral, relativamente a dividas de outra qual-quer natureza.

Parece-me podermos elencar, como segué, os principios que regem a respon-sabilidade civil do gestor.2

  1. o gestor deve actuar com diligencia e criteriosamente no interesse da sociedade (art. 64° do Código das Sociedades Comerciáis);

  2. os gestores respondem perante a sociedade pelos danos causados por actos ou omissóes, com preterigáo dos seus deveres legáis ou contratuais, salvo se prova-rem que agiram sem culpa;

  3. a responsabilidade dos gestores perante a sociedade é solidaria, com direito de regresso na medida da respectiva culpa, presumindo-se esta igual (art. 13- do Código das Sociedades Comerciáis);

  4. os gestores sao responsáveis perante os credores sociais por actuagáo culposa, com preterigáo das disposigóes legáis ou contratuais (art. 782) quando o patrimonio se mostré insuficiente; logo,

  5. a responsabilidade é subsidiaria perante os credores sociais: subsidiaria em relagáo á sociedade, solidaria em relagáo aos outros gestores.

    Os membros dos órgaos de fiscaliza-gao:

  6. regra geral: respondem nos mesmos termos em que respondem os gestores;

  7. respondem solidariamente com os gestores, por actos ou omissóes destes, no desempenho dos seus cargos, provando-se que o daño nao se teria produzido se hou-vesse cumprimento dos seus deveres de fis-calizagáo.

    Os Revisores Oficiáis de Coritas respondem:

  8. perante a sociedade e os socios pelos danos que lhes causarem com a sua conduta culposa;

  9. também respondem perante os credores sociais pela inobservancia culposa dos seus deveres, se esta levar a insuficiencia patrimonial.

    Já os socios poderáo responder, solidariamente, por culpa in eligendo se o seu eleito for, também, culpado.

    De tudo quanto acaba de dizer-se, re-tira-se o principio geral da responsabilidade civil por culpa dos gestores e membros dos órgaos de fiscalizado. Culpa cuja pro-va cabera a quem a alega ou invoca. Sem prejuízo, naturalmente, das presungóes derivadas dos arts. 722 n. 1, 2622-A e 420°-A do Código das Sociedades Comerciáis.

III - A responsabilidade por dividas de impostos no Código de Processo de Contribuiçóes e Impostos de 1963

Até aquí, fizemos um apontamento genérico e sumario do regime de responsabilidade, nao atentas nem a pessoa do cre-dor nem a natureza da divida.

Ao referirmo-nos a dividas por impostos estamos, no entanto, a especificar dentro do género. Ora, a especie determi-na-se pela natureza da divida e pela quali-dade do credor.

É discutível que esta diferenga específica se justifique para o efeito de criar um regime diferenciado. Conhecemos opinióes nos dois sentidos: no de que a divida fiscal deve ter o tratamento da divida cível; no de que a divida fiscal deve merecer priorida-

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de na cobranza por revestir interesse colectivo e social, corn o fundamento de que so com as receitas de impostos é possível fa-zer face as necessidades sociais mais pre-mentes.

Nao teremos, aqui, que tomar partido sobre a questáo, porquanto o que nos compete é tragar o seu regime e este tem sido definido manifestamente em fungáo da segunda tese.

A natureza da divida e a qualidade do credor tem determinado um regime de privilegio de cobranza e, conseqüentemente, de maior onerosidade para o devedor.

Vamos ver em que se traduzem aque-le privilegio e aquela maior onerosidade.

IV - A responsabilidade dos membros dos órgaos sociais e Revisores Oficiáis de Coritas, no Código do Processo Tributario de 1991

Considerando sem interesse de maior o regime do art. I2 do DL 17.730, de 7.12.29, tomemos para estudo apenas os regimes mais recentes de dividas de impostos.

O art. 16° do Código de Processo das Contribuigoes e Impostos, datado de 1963, dispunha muito simplesmente: "Sao res-ponsáveis pelos impostos liquidados as sociedades de responsabilidade limitada os socios gerentes que exercerem a gerencia durante o período em que se verifica o fac-to tributario ou se proceder a cobranza dos mesmos impostos".

A regra nao podia ser mais clara e difícilmente poderia ser mais gravosa para o gestor.

Este respondía, objectivamente, pe-rante o credor - Fisco - independentemen-te de culpa (culpa propriamente dita ou negligencia).

A responsabilidade do gestor era...

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