REsp. 1.765.579/SP e ponderação: um caso frustrado de motivação racional legal

AutorTiago Gagliano Pinto Alberto
CargoJuiz de Direito
Páginas103-118
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XV – n. 19 – Maio 2020
REsp 1.765.579/SP e ponderação: um caso frustrado
de motivação racional legal
Tiago Gagliano Pinto Alberto1
Juiz de Direito
De lo que no se puede hablar hay que callar2.
Resumo: O artigo objetiva analisar a decisão proferida
pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESp
1.765.579/SP, em que foram xados parâmetros para aplicação
da técnica da ponderação prevista no artigo 489, § 2º, do
CPC/15. Enfocando a necessidade de que a decisão judicial
esteja amparada em argumentação racional e controlável
para obtenção de legitimidade, o artigo promove cotejo
crítico entre os critérios eleitos pela turma julgadora do REsp
e alguns aspectos teóricos da ponderação. Outrossim, são
tratados aspectos inerentes ao vício da decisão judicial que
não observa os parâmetros xados pelo STJ e, bem assim, as
expressões (pouco clara e dotadas de pluralidade semântica)
inseridas na redação do § 2º do art. 489. No decorrer da análise
do julgado, são apresentadas algumas hipóteses de trabalho
que pretendem demonstrar os desacertos da interpretação
lançada pelo STJ, concluindo-se, ao nal, que a técnica da
ponderação deve ser relegada ao ambiente teórico, não
podendo ser adequadamente descrita pelo direito positivo.
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XV – n. 19 – Maio 2020
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Tiago Gagliano Pinto Alberto
I. O caso
A
S B M deagrou ação indeni-
zatória em face de Google Brasil Internet Ltda., por intermédio da
qual alegava que, com a hospedagem de vídeos contendo a músi-
ca “Passarinho do Romano, disponíveis na página eletrônica do
YouTube, eram veiculados conteúdos ofensivos à religião islâmica, em
virtude do uso indevido de passagens do Alcorão, remixadas em can-
ção do gênero funk
.
Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, sendo o en-
tendimento raticado em segundo grau de jurisdição pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que endossou a ponderação realizada
pelo juízo a quo em relação ao conito de princípios vericado nos
autos no que concerne às liberdades de expressão e religiosa, ambos de
alçada constitucional.
Insatisfeita com o resultado, a autora, Sociedade Benecente
Muçulmana, interpôs recursos especial e extraordinário. Ao STJ coube,
portanto, analisar a alegação de ofensa aos critérios previstos no art.
489, §§ 1º e 2º, do CPC/15, ademais de eventual omissão no acórdão
recorrido (art. 1.022 do CPC/15) quanto aos motivos para priorizar o
direito à liberdade de expressão em detrimento do direito à proteção da
liturgia e da crença religiosa3.
II. O julgado
Em didático voto da lavra do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a
Terceira Turma do STJ explicou, quanto à alegação de ofensa ao artigo
489, §§ 1º e 2º, do CPC/15, que o objetivo do art. 489 do CPC é o de
concretizar o que determina o art. 93, inciso IX, da Constituição da
República, tornando a decisão judicial dotada de racionalidade e con-
trolabilidade.
Observou o relator que a inclusão no texto normativo da técnica da
ponderação para solução de colisão de princípios não alcança unanimi-
dade no ambiente doutrinário; ao contrário, há posicionamentos teóri-
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