A Resolução do Senado Federal 13/2012 e o direito ao sigilo de informações do sujeito passivo perante terceiros

AutorMauren Gomes Bragança Retto
Páginas199-206

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Introdução

A "guerra dos portos" há muito viven-ciada pelos sujeitos passivos situados nos Estados-membros de destino das mercadorias por eles adquiridas por importação com desembaraço em outros Estados originários trouxe à realidade jurídico-tributária debates, deliberações, decisões conflitantes, disputas administrativas e judiciais.

A concessão de incentivos, benefícios fiscais e isenções pelos Estados-membros portuários no âmbito do Imposto incidente sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em prol do desenvolvimento de regiões, mas alheia às prescrições da Lei Complementar n. 24, de 7 de janeiro de 1975,1 teve como conseqüência

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lavraturas de autos de infração nos quais são exigidos valores consideráveis a título de ICMS em razão da glosa de créditos do adquirente situado no Estado de destino.

A terminologia "guerra fiscal" torna flagrante a característica do conflito jurídico e econômico entre os Estados-membros que compõem a República Federativa do Brasil e, portanto, do próprio principio federativo. O tema é objeto de importantes reflexões.2

Na tentativa de atenuar os efeitos causados pela "guerra fiscal do ICMS" e em busca de uniformizar o recolhimento dessa exação, foi aprovada a Resolução n. 13/2012, a partir do que foram produzidas novas normas jurídicas que ultrapassam os limites outorgados pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional.

1. A Resolução n 13/2012 e o Ajuste SINIEF19/2012

Em 26 de abril do ano de 2012, foi publicada no Diário Oficial da União, a Resolução do Senado Federal n. 13 a fim de estabelecer alíquota única de 4% para o cálculo do imposto incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte e de comunicação da espécie "operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do exterior" que: (i) não tenham sido submetidos ao processo de industrialização', (ii) ainda que sejam submetidos ao processo de industrialização, em razão das etapas de beneficiamento, transformação, montagem, acondiciona-mento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, apresentem uconteúdo de importação"superior a 40%.

Para tanto, o próprio enunciado da Resolução outorgou sentido à expressão "conteúdo de importação", o que passou a ser entendido como "percentual" correspondente ao quociente (resultado da divisão) entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem.

O valor atribuível a essa norma jurídica, dentro do contexto brasileiro da "guerra fiscal" com destaque à denominação "guerra dos portos", visa desestimular importações, na tentativa de fomentar a produção interna pela indústria brasileira e preservar o princípio federativo. Ainda que trate de nobre intento, as demais normas introduzidas no sistema jurídico brasileiro que a adotaram como fundamento de validade violam garantias constitucionais à livre iniciativa e à livre concorrência.

Referida Resolução veicula, em seu art. Iº, § 3º,3 enunciado que outorga ao CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária) a permissão para fixar critérios e procedimentos a serem observados para o que se denominou "Certificação de Conteúdo de Importação" (CCI).

Disso, adveio o ajuste SINIEF 19, publicado no Diário Oficial da União em 9 de novembro de 2012, dispondo sobre procedimentos a serem observados para a aplicação da tributação de que trata a Resolução n. 13/2012.

A cláusula sétima4 do referido ajuste permite aos Estados-membros que instituam

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obrigações de fazer ao sujeito passivo da obrigação tributária que ultrapassam o próprio conceito do dever instrumental para permitir à fiscalização conhecimento de elementos que constituam o fato jurídico tributário, o que está a violar não apenas o direito ao sigilo de informações sobre o custo e margem de lucro da atividade explorada, mas também os valores constitucionais anteriormente mencionados, da livre iniciativa e da livre concorrência.

O Ajuste SINIEF 19/2012 elege (i) a nota fiscal eletrônica como veículo para informar ao adquirente da mercadoria importada sobre o valor da parcela importada, o conteúdo de importação e o valor da importação, a partir do que se passa a conhecer o valor de custo da mercadoria e a margem de lucro da operação; e (ii) a ficha de conteúdo de importação para prestar informações ao fisco.5

No item (i) acima, forçoso concluir pela (i. 1) violação do art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional a partir do qual se constrói o conceito de dever instrumental; (i.2) violação do art. 198, do Código Tributário Nacional, que garante o sigilo fiscal de informações inerentes à situação econômica ou financeira do sujeito passivo da obrigação tributária; (i.3) violação dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência e da preservação da imagem da pessoa jurídica.

2. Ajuste SINIEF 19/2012 e Ajuste SINIEF27/2012: ineficácia técnico-sintática

A obrigatoriedade de preenchimento da Ficha de Conteúdo de Importação (FCI) e respectivo envio aos Estados-membros em que se situam os sujeitos passivos que promovam saídas/operações interestaduais das mercadorias que sofrem processos de industrialização prevista nas cláusulas quinta e sexta do Ajuste SINIEF 19/2012 teve sua eficácia técnica suspensa pelo Ajuste SINIEF 27/2012,6 que adiou para lfl de maio de 2013 a possibilidade de aplicação.7

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Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho8 elucida o conceito de eficácia técnica, definindo-a como:"(...) condição que a regra de direito ostenta, no sentido de descrever acontecimentos que, uma vez ocorridos no plano do real-social, tenham o condão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos de ordem material que impediam tal propagação. Diremos ausente a eficácia técnica de u'a norma (ineficácia técnico--sintática) quando o preceito normativo não puder juridicizar o evento, inibindo-se o desencadeamento de seus efeitos, tudo (a) pela falta de outras regras de igual ou inferior hierarquia, consoante sua escala hierárquica, ou, (b) pelo contrário, na hipótese de existir no ordenamento outra norma inibidora de sua incidência. A ineficácia técnica será de caráter semântico quando dificuldades de ordem material impeçam, iterativamente, a configuração em linguagem competente assim do evento previsto, quanto dos efeitos por ela estipulados. Em ambos os casos, ineficácia técnico-sintática ou técnico-semântica, as normas jurídicas são vigentes, os sucessos do mundo social nelas descritos se realizam, porém inocorrerá o fenômeno dajuridicizaçãó do acontecimento, bem como a propagação dos efeitos que lhe são peculiares".

No entanto, a aplicação da norma jurídica que prescreve a obrigação de fazer para constar o conteúdo de importação expresso em percentual e o valor da parcela importada da mercadoria na nota fiscal eletrônica constituída a partir dos enunciados das cláusulas quinta e sexta do Ajuste SINIEF 19/2012 não sofreu qualquer inibição pelo Ajuste SINIEF 27/2012, permanecendo passível de aplicação pelos fiscos de cada Estado-membro.

Anão observância pelo sujeito passivo dos deveres instrumentais constituídos a partir de norma jurídica vigente no sistema jurídico...

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