Resolução da sociedade limitada em relação a um sócio no código civil de 2002

AutorBeatriz Trovo
Páginas257-270

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1. Introdução

O Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei 10.406, de 10.1.2002) revogou a totalidade do Código Civil de 1916, trazendo diversas alterações e inovações ao Direito pátrio.

Dentre as inovações trazidas pelo novo Código Civil, pode-se destacar, no "Livro II - Do Direito da Empresa", a introdução do instituto da resolução da sociedade limitada em relação a um sócio. Ao positivar este instituto, o legislador acolheu tendência doutrinária ejurisprudencial de permitir a dissolução parcial de sociedades, com o escopo de preservar a empresa em detrimento de um sócio ausente ou prejudicial à consecução do fim social. Através do instituto da dissolução parcial, passou a ser possível a superação dos problemas existentes entre os sócios, sem o comprometimento da existência da sociedade e da preservação da atividade económica da empresa por ela explorada.

Consequentemente, necessário é o aprofundamento do referido instituto trazi-do pelo Código Civil, principalmente por envolver instrumentos jurídicos eficazes na proteção da continuidade das atividades sociais. A extinção de uma empresa próspera, que cumpre sua função social, além de ser contrária à satisfação dos interesses dos sócios não-dissidentes, também afeta negativamente a comunidade em que está inserida, trazendo aumento no número de desempregos, diminuição na arrecadação de impostos, bem como desaceleração na economia local.

2. Sociedades limitadas: conceito, natureza jurídica e legislação aplicável

O art. 981 do atual Código define, in-diretamente, "sociedade", ao dispor que "celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade económica e a partilha, entre si, dos resultados".

Atualmente, é praticamente unânime, na doutrina nacional e estrangeira, a consideração de que o contrato de sociedade con-

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siste em um contrato plurilateral, com comunhão de escopo. Foi justamente esta construção doutrinária que possibilitou a defesa de eventual dissolução parcial das sociedades sem prejuízo, conforme o caso, da continuidade das atividades sociais.

A constituição da sociedade através de um contrato plurilateral foi aprimorada por Tullio Ascarelli. Para este, o contrato de sociedade é um contrato plurilateral em que "à pluralidade corresponde a circunstância de que os interesses contrastantes das várias partes devem ser unificados por meio de uma finalidade comum; os contratos plu-rilaterais aparecem como contratos com comunhão de fim. Cada uma das partes obriga-se, de fato, para com todas as outras, e para com todas as outras adquire direitos; é natural, portanto, coordená-los, todos, em torno de um fim, de um escopo comum".1 Ademais, nos contratos plurilaterais a impossibilidade de execução da obrigação de uma das partes ou sua inexecução importa nulidade por impossibilidade superveniente ou resolução do contrato somente em relação à adesão da parte a cuja obrigação se refere, não se extinguindo o contrato.

A especificidade que a sociedade limitada apresenta em relação aos demais tipos societários é que, segundo o art. 1.052 do CC, "na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social".

Assim, a sociedade limitada é uma pessoa jurídica, constituída através de um contrato plurilateral, de personalidade e património próprios, como todas as demais formas societárias, consistindo em um ente autónomo, distinto e inconfundível com a figura de seus sócios, com seu capital social dividido em quotas e com a responsabilidade dos sócios limitada ao montante de suas quotas, observado o disposto em lei.

Grande discussão é gerada quando da tentativa de caracterização das sociedades limitadas como sendo de pessoas ou de capitais. Tal polémica decorre do fato de, ao mesmo tempo em que há sociedades limitadas de pequeno e médio porte, cujas qualidades pessoais dos sócios - tais como experiências de negócios, honradez, confiança recíproca dos sócios - são essenciais para a consecução das atividades sociais, há outras maiores, cujos sócios são meros contribuintes de capital. Além disso, ao passo em que as sociedades limitadas são proibidas de realizar qualquer apelo ao público para arrecadação de recursos e que são exigidas formalidades para cessão dos quinhões sociais, demonstrando proximidade das sociedades limitadas às sociedades de pessoas, este tipo societário aproxima-se das sociedades de capitais por limitar a responsabilidade dos sócios, por seu ato constitutivo possuir grande autonomia, por consagrar o princípio da deliberação majoritária, com a possibilidade de recesso dos dissidentes, e por poder ser regida pela Lei das S/A em casos de omissão legal ou contratual.

Para solução da controvérsia acima citada, parte da doutrina tem entendido que as sociedades limitadas possuem caráter híbrido, ocupando posição intermediária entre as sociedades de pessoas e as sociedades de capital, por apresentarem características de ambas as categorias..

No entanto, é importante destacar poderem as sociedades limitadas, no Brasil, pender para um caráter mais capitalista ou mais personalista, dependendo da análise das características que os quotistas atribuíram à sociedade em um caso concreto e da . análise de seu contrato social.

Até 2002 as sociedades limitadas eram reguladas pelo Decreto 3.708, de 10.1.1919. Todavia, por este decreto apresentar muitas lacunas no tocante a certas disposições aplicáveis ao tipo societário em questão, a Lei das S/A (Lei 6.404, de 15.12.1976) era utilizada subsidiariamente nos casos de

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omissões do contrato social de um caso concreto.

Atualmente as sociedades limitadas são regidas pelo Código Civil Brasileiro (Lei 10.406, de 10.1.2002). O Código Civil, ao disciplinar o regime jurídico aplicável às sociedades limitadas, na Parte Especial, "Livro II - Do Direito de Empresa", 'Título II - Da Sociedade", "Subtítulo II -Da Sociedade Personificada", "Capítulo IV - Da Sociedade Limitada", revogou, tacitamente, o Decreto 3.708, de 10.1.1919.

Com esta alteração na legislação aplicável às sociedades limitadas, na hipótese de omissão em qualquer caso há a regência supletiva do regime aplicável às sociedades simples, também disciplinadas pelo Código Cívil atual. Entretanto, caso o contrato social de uma sociedade limitada preveja a subsidiariedade das normas das sociedades anónimas, há, diferentemente, a aplicação destes dispositivos nos casos omissos.

3. Conceito de "dissolução parcial"

O Código Civil Brasileiro adotou o princípio de que uma sociedade é constituída através de um contrato plurilateral ao consagrar a disciplina da "resolução da sociedade em relação a um sócio". Considerando o contrato de sociedade como um contrato plurilateral, é perfeitamente admissível a saída ou a entrada, a qualquer tempo, de um sócio, sem que haja alteração na natureza do negócio originário ou do obje-to social. Este princípio já era adotado anteriormente pelo Código Civil Italiano, o qual, em seu art. 1.420, reza que "nei con-tratti con piu di due parti, in cui le pres-tazioni di ciascuna sono dirette ai conse-guimento di uno scopo comune, Ia nullità che colpisce il vincolo di una sola delle parti non importa nullità dei contratto, salvo che Ia partecipazione di essa debba, secondo le circostanze, considerarsi essenciale".

Mesmo antes da entrada em vigor do atual Código Civil Brasileiro a resolução da sociedade em relação a um sócio já era intensamente tratada pela doutrina e jurisprudência através do instituto da dissolução parcial, originado, por sua vez, como uma forma de se evitar a dissolução total de uma sociedade.

Partindo-se da premissa de o ato constitutivo de uma sociedade ser um contrato plurilateral, como os direitos e obrigações dos sócios são exercidos por cada um perante todos os demais, a morte, a despedida voluntária, a exclusão, a falência ou a liquidação da quota a pedido de credor de um dos sócios são responsáveis por dissolver apenas o vínculo individual que liga o respectivo sócio à sociedade, nas hipóteses em que a permanência do mesmo não é indispensável à continuidade das ativida-des sociais.

Neste sentido, "a jurisprudência, tendo em vista a natureza plurilateral do contrato de sociedade, que permite sua continuidade a despeito do desfazimento do vínculo societário com relação a um dos sócios, e o princípio essencial de preservação da empresa, passou a acolher a chamada dissolução parcial da sociedade quando da verificação de causas de dissolução relacionadas apenas à pessoa de um ou mais sócios que não prejudicassem a permanência da sociedade"2 (grifos do autor). Assim, a partir de então passou a ser permitida, através da dissolução parcial, a saída do sócio ao qual estivesse relacionada a causa disso-lutória, mediante a apuração e o pagamento de seus haveres, sem a consequente extinção da sociedade.

Dentro deste contexto, pode ser conceituada a dissolução parcial como sendo o afastamento de um sócio, através da dissolução da relação social limitadamente a este, com a preservação do ente social. A dissolução parcial é a responsável pela superação dos problemas existentes entre os sócios, sem o comprometimento da exis-

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tência da sociedade e da preservação da atividade económica da empresa por ela explorada.

Assim, "a...

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