Requisitos da petição inicial trabalhista a partir da vigência do CPC de 2015 e da Lei n. 13.467/2017

AutorFernanda Nigri Faria e Eduardo Perini Rezende da Fonseca
Páginas110-117

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1. Introdução

A função teleológica do Direito do Trabalho, ramo jurídico específico classificado no campo das ciências sociais, é a busca pela melhoria das condições de pactuação e realização da prestação de trabalho, o que se harmoniza com a Constituição que, no art. 1º, prevê que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

O direito processual do trabalho, por sua vez, é o direito instrumental por excelência do conjunto sistemático de princípios e de valores, tendo sido pensado e organizado com base na realidade do direito material correspondente, que pressupõe a disparidade econômica entre empregado e empregador e a necessidade de minorar esse desequilíbrio no plano jurídico, perspectiva di-versa da que norteia o direito civil e, consequentemente, o direito processual civil.

Com efeito, a fim de solucionar os conflitos em sociedade o Estado avocou para si o poder de “dizer o direito”, formando, assim, a noção de jurisdição. Na lição de Ronaldo Cunha Campos,” A jurisdição consiste no poder-função pelo qual o Estado exerce a pacificação dos conflitos sociais e a realização do direito, revelando-se, in concreto, como uma atividade”1, que se desenvolve pelo processo, conjunto de atos e termos complexos e coordenados, de sorte que o processo é a “atividade que concretiza a função jurisdicional”.2

A jurisdição deve ser provocada, sendo que quando há o acionamento da jurisdição com vistas à solução de conflitos de direitos ou de interesses qualificados por uma pretensão resistida (lide), tem-se a ação.3

O meio pelo qual se dá a provocação da atuação do Poder Judiciário, com a exposição da pretensão, é a petição inicial, que, na Justiça do Trabalho, se tratando de dissídio individual, pode ser escrita ou verbal.4

Com vistas a buscar a maior efetividade na prestação jurisdicional, a Lei n. 13.105/2015 alterou o Código de Processo Civil, inclusive quanto aos requisitos exigidos para a petição inicial, ensejando a necessidade de se analisar os reflexos das alterações nas ações trabalhistas e, especificamente, a aplicabilidade das regras contidas no art. 319 do CPC/2015 ao processo do trabalho.

Em julho de 2017, a Lei n. 13.467/2017, denominada de Reforma Trabalhista, também alterou alguns aspectos da petição inicial trabalhista, fazendo-se necessários examinar os influxos de tais modificações no processo do trabalho.

2. Aplicação do CPC às ações trabalhistas

Em 2011, foi gestada uma versão de projeto de lei proposto pelo Tribunal Superior do Trabalho que visa o aperfeiçoamento da execução trabalhista, que tramita, atualmente, no Congresso.

Quando foi proposto, o projeto (n. 3.146/2015), continha avanços significativos em relação à disciplina da matéria que vigorava à época.5

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No entanto, na versão original foram feitas várias alterações, e esta matéria foi o primeiro alvo das emendas supressivas das entidades empresariais e de seus partidos e deputados, deixando de constar do texto do projeto em trâmite, tendo também se verificado perda de conteúdo e de sentido em relação a outras matérias por causa das alterações que foram feitas no texto inicialmente apresentado.

Em virtude das alterações que foram feitas no projeto de lei, o que já existe hoje, em decorrência do art. 15 do CPC que permite a aplicação subsidiária e supletiva do CPC ao processo do trabalho, é mais adequado do que a proposta que acabou constando no referido projeto de lei.6

Não obstante o projeto de lei se referir à execução trabalhista, evidencia-se a tendência de se admitir a aplicação das normas do processo civil às ações trabalhistas se necessário e útil para garantir a maior efetividade da tutela jurisdicional.

Ainda assim, há divergência doutrinária acerca da aplicação subsidiária e supletiva do processo civil ao processo do trabalho.

Consta no art. 15 do CPC de 2015: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

De fato, o referido artigo acrescentou a hipótese de aplicação SUPLETIVA das normas processuais civis ao processo do trabalho, o que não é o mesmo que aplicação subsidiária, o que é evidenciado pelo próprio uso de expressões distintas, bem como pela exposição de motivos e a sistemática do CPC de 2015.

A aplicação subsidiária – já prevista nos arts. 769 e 889 da CLT – se refere à possibilidade de aplicação do processo civil ao processo do trabalho nos casos em que se verificar lacuna e compatibilidade.

Acerca da questão, Mauro Schiavi explica:

A subsidiariedade significa a possibilidade de as normas do Direito Processual comum serem aplicadas ao processo do trabalho, como forma de suprir as lacunas do sistema processual trabalhista e melhorar a efetividade do processo trabalhista. Autores há que defendem até mesmo a existência do chamado princípio da subsidiariedade do processo do trabalho. O Direito Processual comum é aplicável, subsidiariamente, no Direito Processual do Trabalho. Assim, subsidiariedade é a técnica de aplicação de leis que permite levar para o âmbito trabalhista normas do Direito Processual comum. Para alguns autores a subsidiariedade não se trata de um princípio próprio do processo do trabalho, e sim técnica de integração, para colmatação das lacunas da legislação processual trabalhista.7

Noutro giro, aplicar supletivamente significa aplicar o CPC quando a lei processual trabalhista não for completa, se referindo aos casos de omissão parcial, expressão utilizada por Mauro Schiavi, para quem, nesta hipótese, “[...] o Código de Processo Civil será aplicado de forma complementar, aperfeiçoando e propiciando maior efetividade e justiça ao processo do trabalho”.8

Assim, a aplicação subsidiária seria para os casos de verdadeira omissão (total ou parcial) e a supletiva seria para os casos em que as normas processuais civis poderiam complementar ou ser adicionadas às normas processuais trabalhistas.

Os arts. 769 e 889 da CLT não foram revogados pelo art. 15 do CPC. Ademais, tais artigos consagram normas específicas do processo do trabalho e o CPC, tem normas gerais e, inclusive, mais abrangentes.

Não se vislumbra incompatibilidade entre o art. 15 do CPC, ao tratar da aplicação supletiva do CPC de 2015 ao processo do trabalho e o art. 769 da CLT, que já admitia a aplicação do processo civil ao processo do trabalho, em caso de lacuna e de compatibilidade.

A discussão se refere, portanto, à forma de aplicação supletiva da norma de processo civil ao processo do trabalho.

Nas hipóteses em que a matéria já esteja regulada no processo do trabalho, a princípio, não deve haver a sobreposição de norma do processo civil e aplicação em detrimento da norma específica.

Pode parecer que tal interpretação implica negar a possibilidade de medidas e procedimentos mais modernos com vistas a assegurar a maior efetividade ao procedimento.

Consta no encaminhamento feito pelo Senado para a revisão pela Câmara dos deputados que o referido projeto de Lei visa “disciplinar o cumprimento das sentenças e a execução de títulos extrajudiciais na justiça do trabalho”.

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Porém, entendimento diverso poderia ensejar o risco de que haja a “substituição” pelo aplicador do direito das normas do processo do trabalho pelas do processo civil, sendo que não se pode perder de vista que o processo não é um fim em si mesmo, estando diretamente relacionado ao direito material ao qual visa dar efetividade.

Assim, tal interpretação poderia dar força aos ataques ao Direito do Trabalho e à tentativa de esfarelamento da fisionomia tutelar deste ramo jurídico específico.

Além disso, não se pode, simplesmente, desconsiderar a existência de previsão específica a reger o processo do trabalho (quando houver), pois a visão deve ser sistêmica e não pontual acerca de um ou outro ato; de uma ou outra medida.

Por outro lado, sob a perspectiva constitucional, é certo que sendo o direito à jurisdição um direito fundamental9, não se pode negar a possibilidade de aplicação das normas do processo civil ao processo do trabalho quando houver compatibilidade axiológica da medida, com fincas a emprestar mais efetividade à jurisdição trabalhista.

Jorge Luiz Souto Maior, ressaltando que a essência do art. 769 da CLT é “proteger o processo do trabalho, para que possa cumprir o seu papel de conferir autoridade à ordem jurídica trabalhista”, pontua que

O art. 769, da CLT, (...) conforme sentido extraído da técnica de interpretação sistemática, visto, portanto, em consonância com os demais regramentos do Capítulo I, do Título X, da CLT, e, em especial, o art. 765, é uma regra direcionada ao juiz, para que possa atrair para o processo do trabalho os dispositivos do processo comum que sejam compatíveis com a CLT e que lhe pareçam ser benéficos aos objetivos do processo do trabalho, cumprindo-lhe, de todo modo, (...) a demonstração do cabimento dessa atuação.10

De fato, a CLT dispõe sobre a aplicação do CPC em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com os princípios trabalhistas, mas, considerando-se que o objetivo maior é o da melhoria contínua da prestação jurisdicional, parece razoável a possibilidade de aplicação do CPC ao processo do trabalho mesmo nos casos em que não se verifique lacuna, mas desde que haja compatibilidade, haja vista que o processo do trabalho não nasce do processo civil, mas do direito material do trabalho, do qual é instrumento.11

Guilherme Guimarães Ludwing12 acrescenta o fundamento de que o princípio da eficiência, mencionado no art. 8º do CPC/201513, e difundido tanto no âmbito do agir da Administração...

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