Representações sociais do alcoolismo construídas por não-alcoolistas
| Autor | Luiz Gustavo Silva Souza - Maria Cristina Smith Menandro - Zeidi Araújo Trindade |
| Cargo | Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, Brasil - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, Brasil |
| Páginas | 49-68 |
49
Revista de Ciências HUMANAS, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 49-68, jan-jun 2015
A compreensão das crenças sobre o alcoo-
lismo pode ser importante para a implantação de
políticas e práticas de saúde. Esta pesquisa investi-
gou as representações sociais do alcoolismo cons-
truídas por não-alcoolistas brasileiros. Cinquenta
adultos participaram deste estudo, 27 mulheres
e 23 homens. Eles responderam a entrevistas se-
miestruturadas que abordaram crenças sobre o
alcoolismo, atribuição causal, possíveis tratamen-
tos e o alcoolista que não quer se tratar. Os dados
foram analisados com análise de conteúdo temá-
tica. Os participantes representaram o alcoolismo
como doença e vício, resultado de uma fraqueza
inerente ao alcoolista, causado principalmente por
problemas psicológicos. Sugeriram que a “força de
vontade”, os Alcoólicos Anônimos e a internação
são as principais formas de tratamento. As repre-
sentações do alcoolismo ancoraram em noções so-
bre moralidade e fracasso individual. A lógica da
redução de danos parece não estar incorporada à
o cuidado em saúde.
Palavras-chave: Alcoolismo - Representações
Sociais - Redução de danos.
Understanding the beliefs about alcoholism
may be important for the implementation of health
policies and practices. This research investigated
the social representations of alcoholism constructed
by Brazilian non-alcoholics. Fifty adults participa-
ted in this study, 27 women and 23 men. They res-
ponded to semi-structured interviews that addres-
sed beliefs about alcoholism, causal attribution,
possible treatments and alcoholics who do not want
to be treated. Data were analyzed using thematic
content analysis. Participants represented alcoho-
lism as a disease and addiction, the result of the
alchoholics’ inherent weakness, mainly caused by
psychological problems. They suggested that “will
power”, Alcoholics Anonymous and hospitalization
are the main forms of treatment. The representations
of alcoholism are anchored in notions as morality
and individual failure. The logic of harm reduction
seems not to be incorporated by Brazilian culture
Keywords: Alcoholism - Social representations -
Harm reduction.
Introdução
Em diferentes sociedades e épocas, o consumo de álcool teve importantes
vivos na atualidade e as sociedades industrializadas tratam o álcool de for-
ma ambígua (HALPERN; LEITE, 2014; SOURNIA, 1986; SOUZA; NOTO,
Representações sociais do alcoolismo construídas por
não-alcoolistas
Social representations of alcoholism constructed by non-alcoholics
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n1p49
Luiz Gustavo Silva Souza
Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil
Maria Cristina Smith Menandro
e Zeidi Araújo Trindade
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, Brasil
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SOUZA, Luiz Gustavo Silva et al. Representações sociais do alcoolismo construídas por não-alcoolistas.
2013). A droga é associada ao convívio e ao prazer, mas também ao isolamen-
to e à tragédia: acidentes de carro, violência intrafamiliar, problemas de saúde
e grandes custos econômicos e sociais.
como entidade nosológica, Alcoholismus Chronicus, por Magnus Huss, no
e mental, bem como desvio moral individual. Há cerca de dois séculos, o al-
coolismo entrou no domínio médico, em seus manuais e práticas (HALPERN;
LEITE, 2014; SOURNIA, 1986).
Em meados do século XX, E. M. Jellinek disseminou o conceito de alco-
olismo-doença, descrito como dependência de álcool, falta de controle sobre
o consumo. Sua descrição da doença levou ao entendimento do alcoolismo
síndrome multifacetada e autores destacaram que uma gama mais ampla de
padrões de consumo deveria ser abordada pela prática médica (SOURNIA,
1986; SOUZA; NOTO, 2013).
A pesquisa em ciências sociais contribuiu para a compreensão da varie-
representações sociais do álcool e do alcoolismo em não-alcoolistas (ANCEL;
GAUSSOT, 1998; ALVAREZ, 2001) e, em uma perspectiva mais ampla, a
cultura do álcool na sociedade contemporânea (NAHOUM-GRAPPE, 2010).
-
presentavam o alcoolismo como mal físico, associando-o à genética; como
mal moral, associando-o à perda do controle e como “doença espiritual”. Bus-
cavam renomear o alcoolista como “doente em recuperação”, de acordo com
as imagens tradicionais do “homem correto”, bom pai, bom marido, bom tra-
balhador. Em sua visão, o “alcoolismo ativo” impede que homens e mulheres
assumam suas funções “naturais”, respectivamente de provedor e chefe de
família e de mãe e dona-de-casa. De forma semelhante, Alzuguir (2014) mos-
trou que alcoolistas constroem concepções sobre o alcoolismo que conjugam
visões médicas e moralizantes, associando o sentimento de vergonha especial-
mente à recaída e à internação hospitalar.
Um estudo sobre as representações sociais do alcoolismo em não-alcoolis-
-
discriminação e exclusão (ALVAREZ, 2001).
Em um estudo francês, as representações sociais do alcoolismo não es-
tiveram centradas na frequência e na quantidade do consumo, mas sim em
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