A representação de trabalhadores na empresa a partir da Lei n. 13.467/2017. Primeiras reflexões

AutorAlexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha
Páginas89-95

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1. Introdução

Dentre as alterações introduzidas na ordem trabalhista por meio da Lei n. 13.467/2017, indubitavelmente, a que cria o Título IV-A, denominado como “Da Representação dos Empregados”, é uma das que podem vir agregar à ordem jurídica impactos até então inimaginados e, por curioso que possa parecer, pouco mencionada nas primeiras análises e críticas efetuadas pela doutrina nos estudos sobre o projeto de reforma convertido em lei.

Não há dúvidas de que o conjunto de normas encartadas nos artigos 510-A ao 510-D, da CLT, consubstancia a regulamentação, com atraso de trinta anos, da representação dos trabalhadores assegurada pelo artigo 11, da CRFB, ou seja, do mandamento constitucional de instituição de eleições, no âmbito das empresas com mais de duzentos empregados, para determinação do representante do coletivo profissional, com a finalidade de proporcionar aos eleitores o entendimento direto com os empresários.

Obviamente, a norma constitucional é bastante genérica e ambígua,1 pois cria a instância de representação de trabalhadores, com o escopo de promoção de “entendimento direto” com os empregadores, ao mesmo tempo em que impõe a presença dos sindicatos nas negociações coletivas e assegura ao ente de classe a defesa dos direitos coletivos ou individuais da categoria.

Esse delineamento prima facie – diga-se, uma vez mais, próprio dos textos constitucionais em geral – deu ensejo a uma série de indagações acerca da representação de trabalhadores na empresa, cujas respostas eram esperadas da regulamentação infraconstitucional correspondente, mas, pelo que parece, continuarão sem ser dadas. Ao contrário, a microrreforma introduzida pela Lei n. 13.467/2017, trouxe mais perplexidades à cena jurídica e trasladou ao Poder Judiciário o papel relevante – do qual eximiu-se o legislador – de definir os contornos e a própria finalidade desse instituto.

2. Função da representação de trabalhadores

A representação de trabalhadores na empresa, num sentido mais amplo, deve ser compreendida a partir do delineamento dado pelo Direito Internacional, fundamentalmente pela Convenção n. 135, da OIT,2 com os detalhamentos dados pela Recomendação n. 143, do mesmo órgão internacional. Embora tal norma aborde a proteção dos representantes dos trabalhadores em sentido amplo, é certa sua abrangência tanto dos repre-

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sentantes sindicais,3 quanto dos que exercem a representação no âmbito da empresa.4

Qualquer análise de uma instância de representação profissional deve buscar a finalidade dessa representação. Logicamente, o ponto de partida do intérprete dará a tônica de todo o processo hermenêutico. Porém, não se deve olvidar que o ponto de partida e também de chegada desse microssistema representativo não pode ser outro que não a Constituição. Isso significa dizer – embora possa parecer uma obviedade – que o legislador ordinário não pode desvirtuar o escopo do valor ou bem jurídico constitucionalmente previsto, de modo que há de ser buscada a finalidade da representação em exame na vontade constitucional.

Com efeito, há de se perquirir acerca de qual será a importância da representação de trabalhadores localizada na empresa.

As formas de representação variam segundo as distintas ordens legais ou mesmo realidades sociojurídicas locais, mas seus objetivos podem ser divididos em três sentidos distintos, a saber a) ético, b) político-social e
c) econômico
.
a) Sentido ético da Representação de trabalhadores na empresa.

Segundo a perspectiva em análise, a representação no espaço empresarial se fundamenta na relação de vida que se estabelece entre o trabalhador e a empresa, como corolário do liame de emprego. O caráter vital básico do salário – compreendido na clássica visão de fonte única de manutenção não apenas daquele que despende sua força de trabalho, mas também de sua família – assume proporção ainda maior no interesse que emerge, em prol da parte economicamente mais frágil, de poder influir, de modo ativo, nessa fonte de mantença decorrente da relação jurídica de emprego, particularmente quando se tem em conta que parte considerável da existência do trabalhador será vivenciada no âmbito do trabalho.

Por essa razão, SIQUEIRA NETO afirma que, sob o prisma ético, a participação de trabalhadores nas empresas “tende a favorecer o desenvolvimento da personalidade humana ou a realização do indivíduo, no diapasão do conceito do homem e da dignidade humana, plasmado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948”.5 Com efeito, se, por um lado, a contratualidade, por permitir a expressão comum de vontades, nas relações jurídicas de emprego, consubstancia importante sentido de dignificação da pessoa humana do trabalhador, lado outro, a representação dos trabalhadores no âmbito da empresa aprofunda ainda mais esse senso valorativo.

Em suma, a representação profissional no âmbito da empresa passa a constituir um avanço no patamar civilizatório, ante a inequívoca centralidade que o trabalho humano ainda desempenha no modelo democrático de sociedade de capitalista.
b) Sentido político-social da representação de empregados.

A representação de trabalhadores na empresa possui também um nítido caráter político. Conforme essa perspectiva, há uma integração dos direitos de cidadania geral a um outro tipo, mais específico, a que poderíamos denominar como cidadania do trabalho. Dessa relação emerge um sentido simbiótico, de retroalimentação, potencializando um incremento do índice de cidadania na empresa, que acaba por se plasmar no âmbito de toda a sociedade.

Muito tem se afirmado no sentido de que há relação direta entre os níveis de democracia de uma dada sociedade, segundo a maior ou menor participação dos trabalhadores na vida da empresa. Esse fenômeno, no Brasil, com sucessivos regimes autoritários, em que o lapso de democracia então experimentado constitui uma evidente exceção na história nacional, transcende o mundo do trabalho, mas é revelador da interrelação anteriormente referida.

Vivemos uma sociedade pouco afeita ao diálogo, base da democracia. Nossas instituições são verticais, fruto do patriarcalismo, tal como demonstra MARILENA CHAUÍ, quando afirma que, “ao dizer que a sociedade brasileira é autoritária, estou pensando em certos traços gerais das relações sociais que se repetem em todas as esferas da vida social (da família ao Estado, passando pelas relações de trabalho, pela escola, pela cultura). Vivemos numa sociedade verticalizada e hierarquizada (ainda que disto não tenhamos percepção) (...) Não existe no Brasil a ideia vinda da Revolução Francesa de igualdade de direitos e de igualdade jurídica dos cidadãos. A forma autoritária da relação é mascarada por

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aquilo mesmo que a realiza e a conserva: as relações de favor, tutela e clientela”.6

Portanto, sob o aspecto político-social, ainda que se tenha avançado nos últimos tempos, notadamente em razão das garantias e valores emanados da Constituição de 1988, o fato é que ainda há muito por percorrer. Nesse sentido, um processo de horizontalização na estrutura de poder na empresa, ampliado pela pressão constante do canal do diálogo, impõe responsabilidades maiores para os entes representativos que, necessariamente, tendem a se tornar sujeitos cada vez mais atuantes no jogo que define os rumos assumidos na relação capital-trabalho. A assunção desse encargo maior constitui verdadeiro requisito para a representação de trabalhadores, haja vista que a estrutura verticalizada da empresa, além de manter concentrado o poder diretivo nas mãos do empresário, na prática, não tem propiciado o avanço das relações entre os atores sociais do mercado de trabalho.

Porém, há um outro senso que se insere na perspectiva política, que, apesar de interessar a uma maior democratização das relações de trabalho, deve ser considerada de modo particular. É o sentido espaço-físico, segundo o qual Baylos Grau situa “a empresa como elemento vertebrador da ação de tutela dos direitos dos trabalhadores”,7 onde se desenvolve a atuação organizada mais direta por parte dos...

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