Réplica em Ação Civil Pública (PRT 1ª Região)

AutorJanine Milbratz Fiorot - Luciano Lima Leivas
CargoProcuradora do Trabalho - Procurador do Trabalho. Gerente Nacional do Programa do Banimento do Amianto no Brasil
Páginas155-192

Page 155

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DO TRABALHO DA 49ª VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO/RJ

Processo n. 0011104-96.2014.5.01.0049

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, já devidamente qualiicado nos autos, pelos Procuradores do Trabalho signatários, vem, à presença de Vossa Excelência, manifestar-se sobre a resposta do réu e documentos juntados nos termos adiante articulados.

1. Documentos em língua estrangeira

Em sua defesa, a empresa ETERNIT S.A. pretende o desentranhamento de documentos, bem como sejam riscados da inicial os excertos escritos em língua estrangeira, ao fundamento do art. 157 do Diploma Processual Civil.

Preliminarmente, faz-se imperativo registrar que a impugnação apresentada pela empresa ETERNIT S.A. tem natureza eminentemente formal. Não há qualquer questionamento quanto à autenticidade e concretude dos comandos

Page 156

condenatórios emanados pelo Poder Judiciário da Itália em face de pessoas físicas e organizações empresariais pelo crime de desastre ambiental doloso decorrente do aproveitamento econômico do mineral cancerígeno.

Na verdade, o julgamento do crime de desastre ambiental doloso vinculado ao processo produtivo do amianto na Itália é fato público e notório na comunidade internacional.

Na conjuntura concreta dos autos, a inserção dos documentos e transcrições em idioma italiano tem como inalidade precípua a demonstração de que o problema da exposição ambiental ao agente contaminante amianto e a consequente contaminação da população ocupacionalmente exposta, está inserida em um processo globalizado.

À obviedade, as pretensões vertidas na petição inicial desta ação civil pública não decorrem dos fatos narrados pelas autoridades italianas no curso do processo de responsabilização penal da indústria do amianto na Itália. Há, contudo, simetria inarredável entre os fatos havidos no capitalismo central e os fatos ocorridos no Brasil: este o verdadeiro sentido e pertinência das transcrições e documentos em idioma italiano, vertidos na presente ação pelo Ministério Público autor.

A im de airmar a validade da manutenção desses elementos documentais indicativos de que o dano ocorrido no Rio de Janeiro é uma projeção do desastre global provocado pela indústria mundial do amianto, transcreve-se o seguinte julgado:

Ementa: IMPORTAÇÃO. PROCESSO CIVIL. ART. 157 DO CPC. DOCUMENTO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. VERSÃO NO VERNÁCULO. JUNTADA AOS AUTOS. NULIDADE DA DECISÃO. VEÍCULO. LICENCIAMENTO SEM RESSALVAS. APARENTE LEGALIDADE. BOA-FÉ. 1. Forte no art. 157 do CPC, os documentos redigidos em língua estrangeira só poderão ser juntados aos autos acompanhados de sua versão no vernáculo, sob pena de não poderem ser considerados na solução da causa. 2. Se a decisão fez apenas menção ao documento redigido em língua inglesa, juntado ao autos sem a devida versão em língua nacional, servindo ele como argumento de reforço às razões de decidir, não ocupando posição fundamental no decisum, não é caso de se anular o decreto judicial. 3. Tendo o terceiro, ao adquirir o veículo no mercado interno, tomado as cautelas mínimas e não existindo nos órgãos oiciais de trânsito anotação que desabonasse ou pusesse em dúvida o processo de importação, fazendo crer ao sendo comum que o veículo fora licenciado em circunstâncias de aparente legalidade, é de ser reconhecida sua boa-fé. Afastada a apreensão do ciclomotor. Processo: AMS 1456 SC 2001.72.03.001456-5 Relator(a): Luiz Carlos de Castro Lugon Julgamento: 3.10.2002. Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 16.10.2002 p. 412.

Diante do exposto, as transcrições e documentos em idioma estrangeiro devem ser mantidos incólumes nos autos como marco jurídico e pedagógico indicativo de que o desastre socioambiental ocorrido na operação da empresa ETERNIT S.A. no

Page 157

Rio de Janeiro faz parte do processo global de poluição e contaminação decorrente do aproveitamento econômico do amianto.

2. Legitimidade do mpt balizas constitucionais da ordem econômica: valor social do trabalho, justiça social e defesa do meio ambiente

A ETERNIT S.A. alega nos §§ 40 a 44, em suma, que não cabe ao MPT "içar bandeira de defesa de banimento de qualquer atividade econômica ou produto" e que "o pedido liminar e de mérito de compulsória substituição de matéria-prima desborda por completo a função institucional do Parquet".

O MPT, na ação em exame e na atuação nacional do Programa de Banimento do Amianto no Brasil1, não está agindo de forma arbitrária ou calcada em interesses outros que não o de defesa da ordem jurídica, da redução dos riscos de acidente de trabalho e da tutela do meio ambiente laboral como parece crer a ré em sua rasa interpretação sobre a dimensão da presente demanda.

Um dos nortes da atuação do órgão ministerial trabalhista é a defesa do meio ambiente de trabalho, conforme mandamento constitucional inserto nos arts. 7º, XXII, 200, inciso VIII e 225, cuja tutela visa a "proteção da saúde humana, objeto de sua dignidade indissociável de seu direito fundamental à vida, mediatamente tutelada pelas normas de proteção ambiental"2.

Ora, se o amianto é substância que comprovadamente, conforme amplamente exposto na exordial, causa malefícios graves aos trabalhadores, acarretando danos à sua saúde, sendo que a sua utilização compromete a higidez do meio ambiente de trabalho, é corolário lógico dessas evidências a tutela, pelo MPT, de medidas e provimentos voltados à redução dos riscos de acidente de trabalho, assim compreendidas as hipóteses de mitigação e de cessação da exposição/contaminação de trabalhadores por substância cancerígena.

Destarte, a ordem jurídica trabalhista não só autoriza como impõe a atuação do Parquet Laboral no presente caso, com fundamento em todo arcabouço normativo constitucional e internacional que visa à preservação da saúde no ambiente laboral.

Muito embora vigore no Brasil lei que disciplina a tese do "uso controlado" do amianto, há diversos argumentos fático-jurídicos, amplamente debatidos na exor-dial, que levam a conclusão de que a empresa ETERNIT S.A. incorre em graves falhas no seu processo produtivo, potencializando a poluição do meio ambiente do trabalho. No mais, há a Lei Estadual n. 3.579/01 e a Convenção n. 162 da OIT

Page 158

que impõem provimentos de proscrição do mineral cancerígeno e de substituição do amianto por ibras alternativas, respectivamente.

Quanto à alegação de ilegitimidade do MPT para ajuizar ação civil pública "com vistas a proibir o uso do amianto e atividade econômica" (§§ 40 a 44 da contestação), trata-se de assertiva de defesa incapaz de identiicar as balizas constitucionais da ordem econômica, ixadas pelo art. 170 da Constituição da República, notadamente no sentido de que a atividade econômica deve [1] estar fundada no valor social do trabalho; [2] assegurando aos trabalhadores existência digna nos ditames da justiça social; [3] observado o princípio da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

No caso sub exame, a substituição do amianto por outra tecnologia inofensiva ou menos nociva à saúde humana e ao meio ambiente é a medida adequada e necessária para garantir a proteção dos bens jurídicos vida, saúde e meio ambiente hígido nas relações de trabalho da empresa ETERNIT e o Ministério Público do Trabalho é a instituição constitucionalmente legitimada para promoção dessa medida.

Desta forma, requer a rejeição da preliminar de ilegitimidade do MPT.

3. A patente industrial eternit no brasil

A defesa da empresa ETERNIT S.A., após a tentativa de repelir dos autos os fatos públicos e notórios capitulados no processo de responsabilização criminal da indústria do amianto na Itália, tenta, também, desvincular-se dos grupos econômicos e das lideranças empresariais no processo da Justiça Italiana.

Por dever de lealdade processual, realmente a condenação criminal do herdeiro da ETERNIT Stephan Schmidheiny foi julgada improcedente, pois...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT