Repercussões processuais do fim do poder normativo: estrutura do direito do trabalho

AutorVicente de Paula Maciel Júnior
CargoPós-doutor em direito processual pela Universidade de Roma (La Sapienza)
Páginas153-161

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1. Poder normativo: breve histórico

O poder normativo teve sua inspiração na Carta delLavoro italiana de 1927, sendo criado com finalidade estratégica e primordial de trazer o conflito coletivo para dentro do Estado. Com isso, além das rígidas normas sobre o sindicalismo, competiria ao Estado, por intermédio do Poder Judiciário, a regula-mentação das condições de trabalho, gerando, por consequência, uma inibição e esvaziamento do direito de greve.

Portanto, por detrás de um discurso protecionista, o que se pretendia no fundo era a utilização do poder normativo como mecanismo para acabar com as greves e sepultar o conflito, que se transformaria em "sentença normativa".

A Constituição de 1946 criou no art. 123, § 2e o poder normativo na Justiça do Trabalho, embora estivesse ainda condicionada à previsão em legislação ordinária.

A Constituição Federal de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, manteve o texto da Constituição de 1946 com insignificante alteração.

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A Constituição Federal de 1988 ampliou o limite material do poder normativo, e os Tribunais do Trabalho passaram a regulamentar, com liberdade, as condições de trabalho, respeitados os patamares mínimos da lei e da convenção coletiva.

Em dois julgados (RE n. 1.979/PE e RE n. 114.836/MG), o Supremo Tribunal Federal manifestou interpretação restritiva aos limites do poder normativo, cuja finalidade era a sua adequação com a necessidade de preservação da competência legislativa do Congresso Nacional. Entretanto, os Tribunais do Trabalho continuaram a exercer o poder normativo sem maiores limitações.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 promoveu profunda alteração no texto do art.114, não repetindo a hipótese normativa que autorizava ao Poder Judiciário Trabalhista exercer o poder normativo criando condições de trabalho diante do conflito coletivo.

2. Classificação dos dissídios coletivos e o erro material na redação da emenda n 45/2004

Os dissídios coletivos se dividem em duas categorias. Existem os dissídios coletivos de natureza "jurídica" e aqueles de fundo "econômico".

Os dissídios coletivos de natureza jurídica são aqueles em que a Justiça do Trabalho exerce função jurisdicional típica, fixando a interpretação sobre norma preexistente em torno da qual as partes divergem. Aqui o Poder Judiciário é provocado a se manifestar sobre o caso concreto em sua relação com a norma posta, vigente, mas cuja interpretação diversa das partes tenha causado o conflito de interesses de natureza coletiva. Não estamos ainda no campo do poder normativo, mas no exercício do poder jurisdicional típico. O juiz natural para o julgamento das controvérsias decorrentes do descumprimento de cláusulas convencionais é a Justiça do Trabalho de primeira instância.

Já os dissídios coletivos de natureza econômica são caracterizados pela existência do poder normativo conferido ao Poder Judiciário, no qual este exerce atividade legislativa no conflito coletivo que lhe é apresentado. Nos dissídios coletivos de natureza econômica, o Judiciário é provocado a "criar" normas que regulamentem as situações concretas para as categorias envolvidas.

Em sua atividade de julgar, todo juiz aplica norma no caso concreto, quando subsume a norma abstrata ao caso concreto.

Mas o poder normativo é atividade do juiz "produtora" de norma "nova" para o caso concreto.

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Essa possibilidade de criar norma para as partes é função legislativa e não jurisdicional. A eventual possibilidade de o Judiciário exercer função legislativa é hipótese excepcional e somente pode ser feita se houver autorização legal expressa.

Sem norma que preveja a competência legislativa para o Poder Judiciário ele não pode editar, criar norma para o futuro. Sem atribuição específica, o Judiciário somente pode julgar os casos concretos à luz da norma vigente (posta).

Como a Emenda n. 45/2004 excluiu na nova redação a expressa previsão do poder normativo para o Poder Judiciário e apenas conferiu a ele a possibilidade de "decidir o conflito", respeitadas a legislação e as convenções "anteriormente existentes", isso importa em dizer que foi extinta a modalidade do dissídio coletivo de natureza econômica, bem como as consequentes possibilidades de o Poder Judiciário trabalhista proferir sentenças normativas.

Na antiga redação anterior à Emenda n. 45/2004, o texto constitucional previa expressamente a possibilidade de a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições de trabalho...

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