Repensar a legislacao e as politicas publicas desde o antirracismo em contextos europeus e latino-americanos.

AutorMaeso, Silvia Rodriguez

Nao podemos derrotar o preconceito racial provando que esta errado. A razao disso e que o preconceito racial e apenas um sintoma de um fato social materialistico. (...) As ideias articuladas do homem branco sobre sua superioridade racial estao profundamente enraizadas no sistema social, e so podem ser corrigidas pela mudanca do proprio sistema (Cox, 1959 [1948], p. 462, traducao nossa). A experiencia amefricana oportuniza, por exemplo, que se pense a violencia a partir dos impactos desproporcionais dos processos de desumanizacao sobre a zona do nao ser, e nao a partir dos processos de desestabilizacao da normalidade hegemonicamente enunciada e que mantem a liberdade como atributo exclusivo da zona do ser (Pires, 2018, p. 74, grifo no original). (...) a racializacao nao e um processo abstrato, ainda que contenha uma faceta simbolica. Muito pelo contrario, falamos de uma tecnologia do genocidio, do epistemicidio, e da destruicao (Garces, 2017a, traducao nossa) Este dossie (1) nasce das conversas entre xs dois organizadorxs em torno da analise do racismo como o sistema de opressao que tem historicamente estruturado a formacao da Amefrica Ladina (Cf. Gonzalez, 1984, p. 236-237;Gonzalez, 2018, p. 321-334; Machado Dias, 1980; Bairros, 1998) e a Europa. O lugar da teoria descolonial e da teoria critica sobre raca e racismo na academia e, em particular, nos estudos socio-legais e na analise das politicas de estado (Cf. Baldi, 2019; Maeso, 2018), tem estado no centro das nossas inquietacoes e descontentos academico-politicos.

Um ponto de partida foi um curso de formacao avancada organizado em Lisboa em abril de 2018 no ambito do projeto de investigacao COMBAT--"O combate ao racismo em Portugal: uma analise de politicas publicas e legislacao antidiscriminacao" coordenado por Silvia Maeso e desenvolvido no Centro de Estudos Sociais. (2) O curso abordou a reproducao do racismo institucional bem como os obstaculos politicos para o seu combate no ambito das politicas publicas e das iniciativas legais, partindo de processos especificos no contexto europeu, e em especial no contexto portugues. Este debate foi sendo enriquecido com o dialogo com a producao de conhecimento no contexto brasileiro e latinoamericano mais alargado possibilitado pelo projeto POLITICS--"A politica de antirracismo na Europa e na America Latina: producao de conhecimento, decisao politica e lutas coletivas". (3)

Por outro lado, em relacao ao segundo organizador, tambem pela participacao--e incomodo politico, epistemico e teorico-pratico--nos conselhos de defesa de direitos LGBT, comite da diversidade religiosa e comite de prevencao e combate a tortura, em relacao a dificuldade de inserir, nas politicas publicas, as discussoes de raca e genero.

O dossie se gesta num contexto politico atual amefricano e europeu que mostra as entranhas coloniais e racistas-patriarcais dos sistemas ditos/tidos democraticos, do Estado de Direito que os sustenta e legitima. Um contexto que mostra tambem a precariedade politica das (escassas) iniciativas antirracistas incorporadas pelo Estado e os embates contra os movimentos de base que as sustentam de parte da reacao do poder branco. E desde a reacao do medo racial branco ante a possibilidade e a realidade emancipadora do antirracismo e a descolonizacao, que os trabalhos aqui apresentados foram gestados (Azevedo, 2004; Queiroz, 2018). Assim, as contribuicoes reunidas neste dossie propoem um acercamento critico a definicao de determinados conceitos e vocabularios (p. ex.: racismo institucional, 'raca', racializacao, discriminacao, pacto social, segregacao, resistencia e violencia) dentro dos debates politicos e historicos especificos de cada contexto geopolitico, e das diversas iniciativas desenvolvidas no seio de instancias governamentais, de instituicoes educativas, juridicas e legislativas, e dos movimentos de base e luta antirracistas e feministas.

Os artigos trazem uma abordagem nao convencional a relacao entre raca, antirracismo, direito e politicas publicas sendo possivel que o titulo do mesmo leve a engano ou possa criar expectativas nao cumpridas nxs leitorxs. Tanto os trabalhos que se centram na analise de uma politica publica ou uma medida legal concreta, como aqueles que se debrucam sobre um leque de discursos politicos e legais, nao estao questionando a sua (in)efetividade, mas as relacoes de poder que se articulam e veiculam determinadas concepcoes de raca e racismo, classe, sexualidade, genero, merito, liberdade e humanidade, entre outras. A analise da relacao entre poder e producao de conhecimento, e como este informa os debates e desenho de politicas publicas e corpos legislativos e, portanto, central. Como tambem se torna fulcral a compreensao de processos historicos estruturantes disso que consideramos como comunidades politicas (nacionais)--ex. a escravizacao racial, o genocidio ou o acesso a cidadania.

A aposta epistemologica do presente dossie se poderia resumir como um esforco coletivo para repensar desde o antirracismo que demanda a (re)criacao de horizontes de interpretacao, isto e, demanda um exercicio de...

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