Repensando a resolução adequada de litígios de consumo: mediação nas relações de consumo

AutorDulce Nascimento
CargoMestre em Direito
Páginas93-116

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Introdução

A o falar em consumidor, direitos e deveres, diferentes perspectivas e consequentemente resolução deste tipo de conflitos, entendemos oportuno efetuar uma prévia abordagem sobre as atividades comerciais e sua evolução.

Conscientes da impossibilidade de identificar o exato período do seu surgimento, acredita-se que as primeiras trocas comerciais terão surgido no cotidiano de certas civilizações após a descoberta e constatação de habilidades específicas para o trabalho, que terão dado origem ao aparecimento de diversas e distintas profissões. Neste sentido, certamente o desenvolvimento de trocas naturais entre os sujeitos, com a estipulação livre sobre a quantidade e produtos que seriam objeto de troca, terá constituído o primeiro passo para que a atividade comercial se iniciasse, resultando certamente uma efetiva satisfação com os resultados alcançados.

Sucede que, ao longo dos tempos, com as descobertas que foram ocorrendo, o desenvolvimento de usos e costumes da classe comerciante na idade Média e as necessidades que foram sendo criadas, veio-se a disciplinar a atividade mercantil.

As relações deixaram de ocorrer com base na produção individual e resposta direta às necessidades de cada um, passando a verificar-se troca de produtos oferecidos por pessoas que não tinham necessariamente interesse pessoal e direto nesses mesmos produtos. Assim as relações, as trocas comerciais passaram a ser cada vez mais complexas, resultando numa mudança de nomenclatura de relações de comércio, como algo direto e natural, para relações mercantis ou empresariais, como atividade económica organizada visando a obtenção de lucro.

Terá certamente sido esse o momento em que surgiram as moedas, como meio de dinamizar as atividades e relações mercantis, as quais passaram a ser identificadas essencialmente como meio de troca por mercadorias.

A introdução da moeda como forma de pagamento implicou a definição de fundamentos para determinação do preço dos bens e serviços, tendo sido determinante o critério de quantidade e qualidade de trabalho utilizado para a fabricação ou produção dos bens/produtos e prestação dos serviços comercializados.

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Atendendo a critérios sociais, políticos e económicos, entre outros, as atividades comerciais caracterizam-se por relações de elevada complexidade, compreendendo um vastíssimo universo de fatores e variantes mutáveis.

Tal como o homem, o setor comercial e empresarial também evoluiu, passando de uma simples troca direta de produtos e prestação de serviços, para uma atividade dinâmica dos mercados globalizados que hoje conhecemos, tendo a primeira revolução nas relações comerciais ocorrido exatamente durante o período dos descobrimentos, momento em que as transações deixaram de estar limitadas ao continente europeu, passando a verificar-se uma atuação mais global.

Em suma, passamos de um contexto onde as relações comerciais eram pessoais e diretas, visando apenas responder a necessidades dos próprios, para outro onde as relações económicas e financeiras ganharam predominância.

Após o desenvolvimento do comércio marítimo, na idade Média, e do advento das feiras e mercados, a revolução industrial, na idade Moderna, promoveu uma ruptura em toda a estrutura econômica e social mundial, impondo novamente mudanças e adaptações.

No entanto, as inovações e questões de necessidade de resposta e atuação efetiva não ficaram por aí, tendo sido evidente a continuada preocupação humana de resolver e regulamentar, quer as relações comerciais que surgiram utilizando como meio o telefone, quer mais recentemente as transações que passaram a ocorrer por meio do uso da internet.

Com as relações mercantis além-fronteiras e o desenvolvimento do comércio, para além do valor natural da mercadoria ou serviço prestado, o seu custo passou a incorporar importâncias relativas a transporte, impostos, salários e outros gastos envolvidos na produção, concretização e disponibilização dos bens e serviços em causa.

Na atualidade, com o desenvolvimento tecnológico e as facilidades da contemporânea era digital, ocorrida com a descoberta e implementação da internet, é possível estabelecer relações comerciais de qualquer bem ou serviço, em qualquer parte no planeta, sem necessidade de sair do lugar.

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Apesar da denominada era moderna ou contemporânea, o chamado comércio tradicional não perdeu destaque, vindo a sofrer alterações de necessária adaptação ao seu consumidor, passando dos mercados e lojas para a atual organização de shoppings e centros comerciais, que se multiplicam a uma velocidade incrível, atendendo ao consumismo exacerbado, que potencializa o continuado crescimento do comércio.

Verificou-se a necessidade de regulamentação destas relações para além do desenvolvimento de legislação que proteja quem compra um produto ou contrata um serviço. Assim, a implementação de instrumentos normativos, nos diferentes países e continentes, impôs-se como uma resposta à preocupação de proteger as pessoas que fazem compras ou contratam a prestação de serviços, evidenciando-se ainda a necessidade de regulamentar certas situações em particular.

1. Relações de consumo: especificidades e implicações

Abordar especificamente o tema das relações de consumo implica verificar a existência de pelo menos dois sujeitos, um que compra e outro que vende um produto ou presta um serviço.

Dos dois sujeitos referidos, o consumidor é definido como aquele que compra um produto ou contrata um serviço. Contudo, também é legalmente considerado consumidor aquele que é vítima de acidente causado por produto defeituoso (mesmo que não o tenha adquirido), bem como os indivíduos expostos a práticas consideradas abusivas nos termos legais, como a publicidade enganosa ou abusiva.

No produto adquirido ou serviço acordado, para efeitos da sua definição, encontra-se incluído tudo o que seja consumido ou contratado, abarcando aqui desde a compra de uma barra de cereais até ao serviço prestado por um sapateiro.

Neste sentido, podemos definir produto como mercadoria colocada à venda e serviço como o que um sujeito paga a outro para que este lhe proporcione, abrangendo aqui desde a compra de um carro, compra de combustível, o corte de cabelo ou a prestação de serviços de água, entre tantos outros como seja a pintura ou construção de uma casa, ou mesmo a colocação de uma prótese dentária.

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Cumpre então esclarecer que os produtos e serviços adquiridos e considerados para efeitos da determinação de existência da relação de consumo podem ser duráveis, no sentido de não desaparecerem por meio do seu uso, e não duráveis ou perecíveis, como é o caso de alimentos, produtos de higiene, entre tantos outros.

Relativamente ao fornecedor, é ele designado por aquela pessoa que oferece produtos ou serviços para os consumidores, independentemente de ser empresa pública ou particular, nacional ou estrangeira. Atendendo à complexidade das relações comerciais e aos diversos fatores envolvidos em determinadas transações, nomeadamente sociais, culturais e económicos, encontramos outros sujeitos que também podem fazer parte daquelas e em consequência estar envolvidos, direta ou indiretamente, nessas relações, seja como fabricante, construtor, produtor, importador, entre outras posições relacionais.

Por outro lado, aos consumidores enquanto cidadãos também são prestados serviços públicos, pela administração pública, pelo próprio governo ou por empresas contratadas para o efeito, os quais se pretendem que seja oferecido com qualidade, no sentido de adequação, eficiência, segurança e que, relativamente aos serviços essenciais, devem ser prestados de forma contínua.

Assim, atendendo às especificidades dos diversos serviços públicos, encontramos como sujeito desta relação todo aquele a quem é prestado um serviço pela administração pública, como por exemplo serviços de saúde, educação, transporte coletivo, água, luz, limpeza pública, asfalto. Para efeitos de tratamento adequado dos diversos conflitos, o mais importante desta panóplia de sujeitos que fazem parte das relações de consumidor são os discursos que vamos encontrar. Trazendo aqui os ensinamentos de simon Dolan1autor do modelo triaxial de valores por si desenvolvido; em suma, poderíamos resumir a existência de três tipos de discurso: financeiro, técnico e emocional.

De acordo com este autor, os valores são a ponte entre as crenças pessoais e os comportamentos individuais. Se as crenças correspondem a declarações sobre a forma como vemos o mundo, os valores são as coisas na vida que nos parecem mais importantes, que movem os indivíduos, que fazem com que dediquem seu tempo, recursos e dinheiro para atingi-las.

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Dispostos em hierarquia, faz-se necessário identificar os valores individuais que funcionam ou não e mudar de atitude com o objetivo de alcançar os objetivos pretendidos. em suma, uma relação de consumo implica necessariamente a existência de pelo menos dois lados, em que um deles tenha interesse em vender e o outro interesse em comprar, correspondendo a efetivação dessa troca de dinheiro por um produto ou serviço a uma relação de consumo.

Neste viés, encontramos a concretização de relações de consumo com base em produtos quando uma mercadoria, perecível ou não, é colocada à venda, ocorrendo a efetivação da relação de consumo de serviços com o pagamento de um valor que diz respeito a algo que um lado consolida e disponibiliza à outra parte.

Para que seja legalmente amparada como relação de consumo, a situação tem de possuir diversos aspectos. Designadamente, tem de corresponder à ocorrência de negócios, entre um...

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