Reparação de danos morais e reforma trabalhista

AutorCleber Lúcio de Almeida e Ana Clara Guimarães Rabêllo de Almeida
Páginas167-174

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1. Introdução

A Constituição da República de 1988 reconhece, no seu art. 5º, incisos V e X, o direito à reparação irrestrita e integral dos danos morais, o que torna certo que devem ser reparados os danos causados a todas as dimensões do ser humano e que a reparação deve ser medida pela extensão do dano.

A Lei n. 13.467/17, ao tratar da reparação dos danos extrapatrimoniais, acrescentou vários artigos à CLT, nos quais:
a) dispôs que são aplicáveis à reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos por ela acrescentados à CLT (art. 223-A);

  1. definiu os bens jurídicos juridicamente tuteláveis (art. 223-C e 223-D);

  2. tarifou a reparação de danos morais (arts. 223-G, §§ 1º, 2º e 3º).

A Medida Provisória n. 808/17, de 14.11.17, alterou alguns destes dispositivos legais, como se verá adiante.

O presente ensaio pretende examinar a constitucionalidade da Lei n. 13.467/2017 e da Medida Provisória
n. 808/2017 nos três aspectos já assinalados: fontes normativas da reparação dos danos morais, bens jurídicos tutelados e tarifação da reparação dos danos morais.

2. A definição das fontes normativas da reparação dos danos morais

A Lei n. 13.467/2017 acrescentou à CLT o art. 223-A, estabelecendo que “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”.

Sob este prisma, a definição da existência de danos morais e a fixação do valor a ser pago para sua reparação deveram ser realizados com base apenas nos arts. 223-A a 223-G da CLT.

A citada disposição legal, além de estar em contradição com o art. 8º, § 1º, da CLT, que, de forma expressa, considera o Código Civil fonte subsidiária do Direito do Trabalho, constitui afronta à Constituição, cuja respeito se impõe a toda e qualquer manifestação do Poder Judiciário, como decorre, por exemplo, do art. 102, inciso I, alínea a, e inciso III, alínea a, da Constituição.

Em relação à aplicação do Código Civil, é interessante notar que, a aplicar na literalidade o disposto no art. 223-A, um tribunal, ao julgar recurso que verse sobre o valor arbitrado a título de reparação de danos morais, não poderia invocar, para reduzi-lo, o art. 944, parágrafo único daquele Código, que autoriza a redução da indenização quando for detectada excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

Não é demais recordar que as normas constitucionais conformam a ordem econômica, jurídica, política e social e estabelecem parâmetros para a aferição da validade, eficácia e legitimidade das demais normas que compõem o ordenamento jurídico.

A Medida Provisória n. 808/2017 não alterou a redação do art. 223-A da CLT.

Por fim, realizando a interpretação do art. 223-A da CLT em conformidade com a Constituição, o que dele resulta é que o julgador, ao examinar pedido de reparação de danos morais, deverá adotar como fontes normativas a CLT e a Constituição da República, como, aliás, também ocorre quando pedido desta natureza é examinado pela Justiça Comum, ou seja, o fato de o Código Civil disciplinar a reparação de danos morais não implica dizer que está afastada a possibilidade de a Justiça Comum recorrer à Constituição para o seu exame. Na verdade, o exame do pedido à luz da Constituição é um dever do julgador, como decorre do art. 1º do CPC.

3. A limitação dos bens jurídicos tutelados

A Lei n. 13.467/2017, ao tratar da reparação de danos extrapatrimoniais, definiu como bens jurídicos

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tuteláveis, no que concerne à pessoa física (que é a que nos interessa momento), a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física (art. 223-C). A citada lei foi mais além, dispondo que são aplicáveis à reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos por ela acrescentados à CLT (art. 223-A);

Sob o prisma destes dispositivos legais, portanto, apenas são passíveis de reparação os danos causados à honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física.

A Medida Provisória n. 808/2017 alterou o art. 223-C, que passa a dispor: “A etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural”. Assim, foram acrescentados como bens jurídicos tutelados a etnia, a nacionalidade e o gênero, e substituído o bem jurídico sexualidade pela orientação sexual.

O confronto destas disposições legais com a Constituição da República de 1988 torna evidente a sua inconstitucionalidade.

É que da Constituição da República resulta que os bens inerentes à pessoa humana juridicamente tutelados não se limitam àqueles mencionados no art. 223-C da CLT.

Com efeito, a Constituição da República, no art. 5º, assegura a tutela, por exemplo, da liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV), da liberdade de consciência e de crença (inciso VI), da liberdade de convicção política (inciso VIII), da vida privada (inciso IX), do sigilo de correspondência, de comunicações, de dados e de comunicações telefônicas (inciso XII), da liberdade de trabalho, ofício ou profissão (inciso XIII) e da liberdade de locomoção (inciso XV), valendo lembrar, ainda, da tutela à integridade psicofísica da pessoa, realizada por meio do reconhecimento do direito à saúde (art. 6º) e à integridade física (art. 5º, inciso XLIX).

A Constituição da República, portanto, reconhece o direito à integridade ou à incolumidade moral no seu aspecto mais amplo, ou seja, considerando todas as dimensões da pessoa humana.

Deste modo, a restrição dos bens jurídicos tutelados realizada pela Lei n. 13.467/2017 e pela Medida Provisória n. 808/2017 ofende, flagrantemente, a Constituição da República, além de contrariar o princípio da reparação irrestrita e integral dos danos morais, que aponta no sentido de que devem ser reparados os danos causados a todas as dimensões do ser humano.

Anote-se que o reconhecimento da pluralidade dos danos morais reparáveis “não implica mercantilização da pessoa, mas constitui decorrência do princípio da reparação integral, que abrange a definição dos danos reparáveis (todos os danos causados a outrem devem ser reparados) e da cláusula geral da tutela da pessoa estabelecida pela Constituição da República, por força da adoção do princípio da dignidade humana (art. 1º, III), o que impõe, por exemplo, a tutela dos direitos da personalidade” (ALMEIDAc; ALMEIDAw, 2016, p. 230).

Deste modo, para compatibilizar a Lei n.
13.467/2017 e a Medida Provisória n. 808/2017 com a Constituição, cumpre reconhecer que elas apontam, de forma apenas exemplificativa, os bens jurídicos tutelados e cuja ofensa dá ensejo à obrigação de reparar os danos morais causados a outrem.

4. A tarifação da reparação dos danos morais

A Constituição da República de 1988 reconhece o direito fundamental à reparação irrestrita e integral dos danos morais (art. 5º, incisos V e X).

É que, além de estabelecer que os danos morais devem ser reparados, a Constituição dispõe, expressamente, que a reparação deve ser proporcional ao dano.

Cumpre, então, verificar se a Lei n. 13.467/2017 e a Medida Provisória n. 808/2017 estão em harmonia com a Constituição, quando acrescentam à CLT artigo que promove a tarifação da reparação dos danos morais.

Antes, porém, vale a pena mencionar que, antes da Lei n. 13.467/2017 e da Medida Provisória n. 808/2017, a Lei de Imprensa havia tarifado a reparação por danos morais e que, examinando tal tarifação à luz da Constituição da República de 1988, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do RE 447.584-7/RJ, do qual foi relator o Ministro Cezar Peluso, pela sua inconstitucionalidade, afirmando que:

Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recepcionado pelo ordenamento jurídico vigente. (STF-RE 447.584-7/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso. DJe 16.03.2007).

Nesta linha de raciocínio, a limitação prévia e abstrata do valor da reparação dos danos morais levada a efeito pela Lei n. 13.467/2017 e pela Medida Provisória
n. 808/2017 é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela Constituição da República, observando-se, inclusive, que a proporcionalidade entre dano e reparação exige que se leve em conta as particularidades do caso concreto, como, aliás, resta claro do art. 223-G, caput, também acrescentado à CLT pela Lei n. 13.467/2017, que aponta os critérios a serem utilizados no arbitramento da reparação de danos morais.

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A riqueza dos argumentos do voto proferido pelo
Ministro Cezar Peluso nos autos do recurso extraordinário citado aconselha a sua transcrição, ainda que
parcial, visto que o que dele consta é perfeitamente pertinente com o exame da constitucionalidade da Lei n.
13.467/2017 e da Medida Provisória n. 808/2017. Segundo o citado Ministro:

O objeto último deste recurso está em saber se, negando aplicação ao art. 52 da Lei federal n.
5.250, de 9 de fevereiro de 1967, que, como previsão de limite de cálculo da verba indenizatória por dano moral, já não subsistiria perante o art. 5º, incs. V e X, da vigente...

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