Remanescentes do Contestado em Taquaruçu: da invisibilização histórica ao reconhecimento social como sujeitos de direitos
Autor | Onete da Silva Podeleski - Valmir Luiz Stropasolas |
Cargo | Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil - Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, e pós-doutorado em Sociologia da Infância pela Universidade do Minho, Portugal |
Páginas | 204-228 |
1807-1384.2014v11n2p204
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Adaptada.
REMANESCENTES DO CONTESTADO EM TAQUARUÇU: DA INVISIBILIZAÇÃO
HISTÓRICA AO RECONHECIMENTO SOCIAL COMO SUJEITOS DE DIREITOS
Onete da Silva Podeleski
1
Valmir Luiz Stropasolas2
Resumo:
As populações tradicionais e camponesas no Brasil vivenciam, historicamente, a
invisibilização e a exclusão social, processo este estreitamente vinculado com a falta
de reconhecimento e valorização da sua identidade social e cultural na sociedade,
acarretando enormes dificuldades para segmento expressivo dessa população
acessar políticas públicas e direitos de cidadania. Este artigo aborda um segmento
específico que é também afetado por essas problemáticas, os remanescentes da
Guerra do Contestado em Santa Catarina, e se propõe analisar os principais fatores
que dificultam a reprodução social desse público, os aspectos implicados na
(re)definição de sua identidade social e na busca do reconhecimento como sujeitos
de direitos na sociedade contemporânea. Para isso, fundamenta-se nos resultados
de uma dissertação de mestrado elaborada a partir de um estudo de caso feito com
famílias típicas desse grupo social em que se utilizou métodos qualitativos de
investigação à luz de princípios da etnografia, de categorias da história, da
sociologia e da agronomia, visando um diálogo interdisciplinar para dar conta de
uma problemática social complexa e de grande importância não só para o território
estudado como também para Santa Catarina. As questões relativas aos
remanescentes do Contestado precisam ser incluídas nos estudos e pesquisas das
mais diversas áreas do conhecimento, bem como nas prioridades das políticas que
incidem em nível local, sob pena de continuarmos negando a sua existência como
cidadãos e corroborando com a sua invisibilização social.
Palavras-chave: Inclusão social. Remanescentes do Contestado. Identidade.
Reconhecimento social. Direitos de cidadania.
1 INTRODUÇÃO
Questões de marginalização e pobreza no meio rural se arrastam na história
do Brasil e continuam na esfera das preocupações políticas contemporâneas. Nas
últimas décadas, ganharam maior expressividade em decorrência das ações
1 Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC,
Brasil. E-mail: podeleski@hotmail.com
2 Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, e pós-doutorado em
Sociologia da Infância pela Universidade do Minho, Portugal. Professor adjunto da Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: valmir.stropasolas@ufsc.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.11, n.2, p.204-228, Jul-Dez. 2014
coletivas dos movimentos sociais do campo ao buscarem continuamente o acesso
aos direitos de cidadania para as populações rurais e camponesas dos mais
diversos territórios do país. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –
MST é, atualmente, o movimento social de maior expressividade no Brasil. No
entanto, além desse movimento que reivindica, sobretudo, o acesso à terra e
condições adequadas para a produção de alimentos, outros movimentos sociais
rurais eclodiram na história recente do Brasil e, ainda hoje, carecem de estudos e
políticas que possibilitem o seu reconhecimento e inclusão social, valorizando suas
demandas sociais represadas ao longo de suas trajetórias.
Um desses movimentos – abordado nesse artigo – eclode no período
histórico reconhecido como Guerra do Contestado, cujo combate armado ocorre no
interior do estado de Santa Catarina no período entre 1912 a 1916. Esse movimento
se deu na primeira república (1890-1930), momento em que as divisas territoriais
estavam ainda em disputas em SC, num primeiro momento, delimitações de
fronteiras com a “Argentina” e, posteriormente, “entre SC e Paraná” (CÂMARA,
2013, p. 19-20). Foi um movimento que teve um líder religioso, sendo tratado por
alguns autores - Duglas T. Monteiro e Maurício V. Queiroz -, como “movimento
messiânico”.
Mais recentemente, outras análises foram feitas sobre o movimento do
Contestado, dando luz a uma nova perspectiva de análise, como a do historiador
Paulo Pinheiro Machado (2007, p. 26), que trata o Contestado como um “movimento
de cunho político”, entre outras motivações, devido à ligação com as questões de
demarcações territoriais, disputa entre elites políticas, coronelismo e
desapropriações de moradores locais pelo interior de SC. Fatos que vinham
ocorrendo desde a instauração da política de terras (BRASIL, Lei nº 601/1850) no
Brasil Imperial, na qual o processo de colonização na região sul teve grande
impulsividade, corroborando as novas questões de disputas sociais e políticas que
foram surgindo na transição do Império (1822-1889) para a República (a partir de
1889).
Na província catarinense foi instituída a “Lei nº 173, de 30 de setembro de
1895, que previa a legitimação e a revalidação de posses num prazo que se
estendia até 1903” (MACHADO, 2007, p. 141). No entanto, a eficácia da legislação
sobre a demarcação e registros das terras, tanto provinciais como nacionais,
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