As questões demográficas, religiosas e culturais na europa do século XXI: imigração, multiculturalismo e o choque de civilizações

AutorLucio Jablonski Junior
Páginas2-20

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1 A questão da imigração na Europa

Em seu extenso livro a respeito da história da Europa após o final da Segunda Guerra Mundial, Tony JUDT destaca que a Europa que nasceu no pós-guerra era um continente com países homogêneos como há muito tempo não se via.1Com exceção da União Soviética (que era parcialmente europeia) e da Iugoslávia, todos as populações viviam em seus respectivos países e as minorias étnicas representavam parte diminuta da porcentagem da população, estando completamente assimiladas aos países em que viviam, como os judeus na França2.

Obviamente este cenário só foi possível "graças à guerra, à ocupação, aos ajustes de fronteira, às expulsões e aos genocídios"3, "Josef Stalin e Adolf Hitler (...), os dois ditadores arrasaram a charneca demográfica sobre a qual as fundações de um continente novo e menos complicado foram então construídas"4.

Através da barbárie e com meios nem um pouco louváveis, o continente europeu iniciou uma nova fase de sua história sem conflitos étnicos efetivos - mas latentes, como os dois casos já citados.

É necessário, no entanto, acrescentar que os europeus nunca conviveram amplamente com uma diversidade que não fosse a própria existente entre os países e culturas da Europa. Como destaca Walter LAQUEUR, os judeus que viveram séculos na Europa não passavam de dezenas de milhares e fizeram de tudo para integrar-se à cultura local, aprendendo o idioma do país em que estavam instalados e investindo na educação dos filhos, o que os levou a uma rápida ascensão social e fez com que dessem significativas contribuições à vida científica e cultural às sociedades em que estavam inseridos5.

Além dos judeus, outra minoria importante que está presente há muito tempo na Europa são os ciganos, que, devido a suas características nômades e cultura muito própria nunca foram considerados nacionais dos Estados, e sempre foram alvos de discriminação no continente europeu.

Estas minorias, porém, representavam uma pequena parte da população e nunca ameaçaram as identidades nacionais dos países, a noção de pertencimento e de nacionalidade de cada Estado sempre6 foi um conceito estreito, diferentemente do conceito de formação dos Estados Unidos, do Brasil, da Argentina, da Austrália, onde vários povos constituíram uma nação, o Estado-nação europeu foi construído a partir da Page 3 ideia de um povo para um Estado. Com exceção de alguns países com grandes tensões separatistas como a Espanha e a Bélgica e de cantões autônomos como a Suíça, a maior parte dos outros Estados sempre possuíram desde a sua formação noções fixas de identidade nacional e de pertencimento à nação7.

As primeiras migrações que ocorreram após o final da Segunda Guerra Mundial foram intra-europeias, italianos e iugoslavos que foram à Alemanha, espanhóis e portugueses à França, entre outros. No entanto, estes imigrantes não permaneciam nestes países, e após cumprirem o seu contrato de trabalho, retornavam com o dinheiro para os seus países de origem8.

A outra onda de imigrantes teve origem com a dissolução de impérios, indianos ocidentais, paquistaneses e indianos que foram para a Grã-Bretanha e norte-africanos das ex-colônias francesas que se dirigiram à antiga metrópole. Um grande número de turcos dirigiram-se principalmente para a Alemanha, os gasterbeiter, e para alguns outros países, imigração esta sem qualquer laço histórico como nos dois primeiros casos9.

Os governos dos países anfitriões acreditavam que assim que estas pessoas obtivessem uma reserva de dinheiro para poder melhorar suas vidas, elas voltariam aos países de origem, no entanto, apenas metade dos dois ou três milhões de trabalhadores convidados realmente voltaram. E os que permaneceram acabaram por trazer seus familiares10.

É importante destacar o motivo que levou estes trabalhadores a serem convidados pelos governos das grandes economias europeias ocidentais a imigrarem à Europa para trabalhar: as economias europeias estavam crescendo e os países se reconstruindo das destruições da segunda grande guerra; a mão de obra europeia não era suficiente e nem os europeus desejavam fazer trabalhos como os da construção civil; valeram-se então do trabalho imigrante dos países do então chamado terceiro mundo para realizarem este tipo de trabalho; o que evidentemente não era desvantajoso para os imigrantes, pois recebiam salários com valores que jamais receberiam em seus países de origem.

Acontece que, com a crise do petróleo de 1973, o desemprego aumentou e os governos pararam de conceder licenças para a vinda de novos trabalhadores11.

Mas, a quantidade de familiares que vieram, aliada a alta taxa de fertilidade e da vinda cada vez maior de imigrantes clandestinos, que eram negociados por traficantes de pessoas, o número de estrangeiros na Europa cresceu cada vez mais12. Page 4

Haviam também os refugiados, LAQUEUR13 aponta que, em 1992, eram setecentos mil o número de refugiados na Europa, mas, segundo ele, a maioria absoluta destes eram na verdade imigrantes econômicos, nada tendo de refugiados. E alguns, que chegavam como refugiados, não eram perseguidos em seus países de origem por lutarem pela democracia e pela liberdade, mas sim por serem de organizações islâmicas radicais e de células terroristas e que acabaram se asilando na Europa através da pressão de fortes lobbys (associações de direitos humanos e igrejas) como perseguidos políticos14.

Por motivos históricos, geográficos e econômicos15, parte importante dos imigrantes que chegaram e chegam à Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje, são muçulmanos. Números de 2006 apontam que havia: 5,5 milhões de muçulmanos na França; 3,6 milhões na Alemanha; 1,6 milhão na Grã-Bretanha; 1 milhão na Holanda; 0,4 milhão na Suécia; 0,3 milhão na Dinamarca; 0,9 milhão na Itália; 1 milhão na Espanha; 0,5 milhão na Grécia; 0,5 milhão na Bélgica; 0,4 milhão na Áustria e entre 15 e 18 milhões na Federação Russa, Bósnia e Albânia16.

Diante deste quadro as questões religiosas e culturais, ao contrário do que alguns afirmavam, vêm se tornando cada vez mais importantes e como afirmou Samuel HUNTINGTON, a cultura é relevante:

No mundo pós-Guerra Fria, as bandeiras são importantes e o mesmo ocorre com outros símbolos de identidade cultural, incluindo cruzes, luas crescentes e até mesmo coberturas de cabeça, porque a cultura conta e a identidade cultural é o que há de mais significativo para a maioria das pessoas. As pessoas estão descobrindo identidades novas, e no entanto antigas, e desfilando sob bandeiras novas, mas freqüentemente antigas, que conduzem a guerras contra inimigos novos, mas freqüentemente antigos 17 .

Vários analistas de diferentes origens e com opiniões diferentes vêm analisando as questões demográficas, culturais e religiosas da Europa nos últimos anos - principalmente após alguns eventos importantes e marcantes para as relações internacionais e alguns que passaram despercebidos para a maioria das pessoas e para a grande mídia, sobretudo no Brasil, onde mesmo estudantes ou até especialistas em relações internacionais não têm muito conhecimento em relação ao presente europeu e a fatos que ocorrem na política e nas sociedades europeias. Page 5

Como fatos conhecidos e amplamente divulgados, pode-se inicialmente citar o fato marcante das relações internacionais neste início de século XXI, os ataques terroristas da Al-Qaeda aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, que mesmo tendo sido fora do continente europeu, são de grande importância para o estudo do radicalismo islâmico na Europa; depois, o ataque terrorista ao metrô em Madri em 11 de março de 2004; tem-se ainda os ataques em Londres em 7 de julho de 2005 e também pode-se citar a morte de mais de 300 pessoas, crianças em sua maioria, numa escola de Beslan, Ossétia do Norte na Rússia, causadas por terroristas chechenos.

Há, no entanto, ocorrências menores, porém, não menos marcantes para analisarse no estudo da Europa e de seus muçulmanos, podem-se citar algumas importantes na Holanda: a ascensão do político anti-imigração e anti-islã Pim Fortuyn, assassinado por um jovem em 2002, que em seu julgamento afirmou ter cometido este ato "porque o crescimento da popularidade de Fortuyn poderia ser comparado a de Hitler, e que isso seria uma ameaça a imigrantes muçulmanos e outros membros 'vulneráveis' da sociedade"18; a produção do filme Submissão pelo diretor Theo Van Gogh e pela imigrante somali Ayaan Hirsi Ali, que denunciava a situação de opressão da mulher no mundo islâmico e o posterior assassinato de Theo Van Gogh cometido por Mohammed Bouyeri, holandês de origem marroquina, que deixou uma faca cravada ao peito de Van Gogh com a ameaça de que Ali seria a próxima.

O último acontecimento importante neste sentido na Holanda é a atual ascensão com uma popularidade cada vez maior do deputado Geert Wilders que em março de 2008 lançou o filme Fitna no qual denuncia que "o Islã e o Corão são parte de uma ideologia fascista que quer matar tudo aquilo em que acreditamos, numa sociedade ocidental moderna"19, nenhum canal de televisão holandês ou europeu aceitou transmitir o filme de Wilders, o primeiro-ministro holandês Jan Peter Balkenende e a União Europeia (UE) manifestaram-se contra o conteúdo do filme e a OTAN manifestou sua preocupação em relação às tropas holandesas no Afeganistão que poderiam sofrer retaliações. No entanto, Wilders afirmou que "não podemos permitir que gente que usa meios não democráticos, gente que usa a violência em vez de argumentos, gente que usa facas em vez de debates, não podemos permitir que sejam eles a definir a agenda."20.

Deste modo, no dia 27 de março de 2008, Wilders divulgou o filme através do site Liveleak e duas horas depois, o curta...

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