Relato de uma experiência no ministério público: a redução gradativa do número de crianças e adolescentes dos abrigos da comarca de uberlândia-MG

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP , especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho , Rio de Janeiro
Páginas295-308

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I O retorno à justiça da infância e juventude

Prefacialmente, torna-se necessário consignar que as constatações descritas no presente relatório não desmerecem ou devem ser vistas como críticas à qualidade dos trabalhos realizados pelo juízo da Vara da Infância e Juventude (VIJ), membros do Ministério Público (MP) e suas respectivas equipes de trabalho, principalmente porque além da fraternal amizade, partilhamos anseios, angústias e êxitos, sendo a justiça da infância e da juventude da comarca de Uberlândia-MG exemplo de zelo, dedicação e orgulho da justiça mineira.

De nenhuma forma, busca-se reduzir o elevado alcance social das atividades desenvolvidas enquanto estivemos ausentes da justiça infantojuvenil, sendo um dos pontos marcantes a implantação do SIABRIGOS (sistema informatizado de controle dos abrigos) na comarca, pois compreendemos que no Brasil depois de mais de 4 (quatro) séculos de institucionalização de crianças e adolescentes, mesmo com todas as mudanças legislativas e institucionais, continua sendo uma das tarefas mais

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difíceis mudar uma cultura paradigmática que vem sendo desenvolvida ao longo de muitos séculos.

Assim, depois de aproximadamente dois anos de atuação na 1a vara criminal, em 10 de julho de 2012 reassumimos as funções da 14a promotoria de justiça (PJ) da infância e da juventude da comarca de Uberlândia-MG, mediante permuta com a 18a PJ, e ao reexaminar as atividades de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, por conta da entrada em vigor da Lei n. 12.010, em 4 de novembro de 2009, de imediato restou clara a necessidade de melhorar os trabalhos desenvolvidos, especialmente adotando-se como um dos objetivos centrais, a defesa do direito fundamental à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes mantidos nas instituições de acolhimento, outrora conhecidas como orfanatos, internatos, abrigos, etc.

Antes de iniciar o trabalho mais efetivo em relação ao controle do número de crianças e adolescentes existentes nos 10 (dez) abrigos da comarca de Uberlândia-MG promovemos algumas mudanças pontuais na tramitação dos expedientes administrativos internos do MP, tais como nova numeração, capeamento, divisão de atividades, regularização do SRU, etc., organizando-se ainda o acervo de autos findos e em tramitação, inclusive com a determinação de que fosse promovida a abertura de vista de todos os expedientes para análise do número de feitos existentes.

Dentro da reestruturação administrativa desenvolvida, foram organizadas as pastas obrigatórias, nos termos das determinações da Corregedoria-Geral do Ministério Público (CGMP), além da permuta de vários móveis do gabinete, efetivada a pintura das paredes internas e dispostos os equipamentos (cadeiras e mesas) para melhor atender o público sem a necessidade de filas, senhas, etc.

Em conjunto com o colega que atua na 20a PJ – de maneira equitativa – efetuamos a divisão de atribuições das duas promotorias de justiça especializadas, sendo que, como registro, cada promotor de justiça – semanalmente – participa da extensa pauta de audiências judiciais e, antes do início destas, também realiza as audiências de apresentação de adolescentes apreendidos em flagrante, enquanto o outro promotor de

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justiça assume a responsabilidade pelo atendimento ao público, visitas as instituições e o exercício das atividades extrajudiciais das promotorias de justiça, reciprocamente.

Iniciando-se o trabalho de controle da qualidade das atividades desenvolvidas nos abrigos, além da imediata assunção das demais funções judiciais e administrativas, na primeira semana de agosto de 2012 encaminhamos ofícios-requisitórios a cada entidade de acolhimento institucional da comarca, com cópia do modelo de relatório que seria elaborado e da Resolução n. 71/2012, do CNMP, sendo esclarecido nos respectivos ofícios, que logo após, mediante cronograma interno elaborado na 14a PJ, visitaríamos todas as entidades de acolhimento institucional da comarca.

Sem o acompanhamento de equipe técnica do MPMG, com o cole-ga assumindo a participação do MP nas audiências judiciais, depois de duas semanas de intensa atividade fiscalizatória, concluímos a visitação de todas as unidades existentes nas diversas partes da cidade, que possui quase 700.000 hab., com relatórios preenchidos e encaminhados à Corregedoria-Geral, ao CNMP, ao CMDCA, ao Juízo e ao Município, por todos, destacando-se o desconhecimento da Lei n. 12.010/09, existência de vários problemas estruturais e de segurança física das unidades e, sobretudo, a excessiva quantidade de 208 (duzentos e oito) crianças e adolescentes acolhidos por prazo indeterminado, sendo mais de 50% por cento, aproximadamente, sem ações de destituição em curso e/ou programa de retorno à família natural ou extensa.

Após a pesquisa judicial desenvolvida – na esfera dos atos infracionais – constatou-se que no mês de julho de 2012 existia o total de 120 (cento e vinte) adolescentes apreendidos pela prática de homicídios, roubos, tráfico de drogas, etc, enquanto a população infantojuvenil das 10 (dez) instituições de acolhimento da cidade era de 208 (duzentos e oito), ou seja, o número de crianças e adolescentes em abrigos era praticamente o dobro dos adolescentes apreendidos.

Na sequência constatamos, além dos pontuais atendimentos de crianças e adolescentes nas escolas, creches, hospitais, etc., disponí-

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veis à população local, que o Município de Uberlândia-MG mantinha as instituições acolhedoras, mediante o pagamento das despesas mensais, através das específicas subvenções municipais, porém não possuía plano ou programa de proteção do direito fundamental à convivência familiar e comunitária, embora alguns de seus técnicos sejam freqüentes nas atividades do juízo e do MPMG.

Tornou-se nítido que além de passar distante das atividades diárias das instituições de acolhimento, funções exercitadas basicamente pelos setores técnicos da vara da infância e da juventude e pelas equipes técnicas das instituições, também constatamos que o Município não adotou as providências necessárias para criar as condições de aplicação e funcionamento da medida de acolhimento familiar, que poderia ser utilizada antes da grave e drástica medida de...

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