Relationships between price-earnings ratios and returns of treasury bonds/Relacoes entre indices preco-lucro e retornos dos titulos publicos.

AutorAmorim, Daniel Penido de Lima
  1. Introducao

    As taxas de juros estao entre os fatores mais associados ao nivel de precos no mercado de acoes. Shiller (2015) discute uma suposta relacao negativa en tre um indice P/E do mercado americano e as taxas de juros. O P/E em questao e conhecido como Indice Preco-lucro Ciclicamente Ajustado (1) (CAPE), consistindo na razao entre o Indice Standard Poor's (S&P) 500 e uma media movel de dez anos do Indice S&P 500 Earnings--um indice de lucros das empresas cujas acoes compoem o referido indice de precos. A relacao entre esse P/E e as taxas de juros tem embasamento na ideia de que o investimento no mercado de titulos publicos e uma alternativa aquele no mercado de acoes. Nesse sentido, na medida em que o Federal Reserve (Fed) reduzisse as taxas de juros e os Treasury Bonds--titulos do Tesouro dos Estados Unidos cujos retornos sao atrelados as taxas de juros pos-fixadas--passassem a oferecer retornos menores, os investidores deixariam de aplicar no mercado de titulos para aplicar no mercado de acoes. Logo, um aumento na procura por acoes impactaria os precos desses ativos, por conseguinte, a razao P/E. O inverso poderia ser dito quando o Fed aumentasse as taxas de juros. O fluxo de capitais entre o mercado de titulos e o mercado de acoes levaria a um equilibrio de longo prazo entre esses dois mercados.

    A ideia de que as taxas de juros explicam o nivel dos precos no mercado de acoes foi amplamente difundida nos Estados Unidos no final da decada de 1990, em virtude de, nessa epoca, ter ocorrido uma forte valorizacao dos ativos enquanto as taxas de juros caiam. Nesse contexto, um relatorio de politica monetaria do Fed alegadamente teria comentado a aparente relacao negativa entre um indice P/E e as taxas de juros, fazendo com que tal relacao ficasse conhecida como Modelo Fed. Outrossim, entre meados da decada de 1960 e o inicio da decada de 1980, as taxas de juros estavam subindo, enquanto o P/E do mercado americano estava caindo, o que fez com que a referida relacao parecesse fazer sentido (Weigand e Irons, 2008; Shiller, 2015). A Figura 1 ilustra as series temporais desses indicadores para os Estados Unidos no periodo de janeiro de 1881 a junho de 2018.

    Todavia, Shiller (2015) alega que a relacao entre o P/E e as taxas de juros, a qual corresponde ao Modelo Fed, e fraca. De fato, o coeficiente de correlacao de Pearson para todo o periodo mostrado no Figura 1 e de apenas -0,16. O autor argumenta que, em outros momentos, a relacao nao se manifestou, o que pode ser observado nesse grafico. Ele destaca que, apos a eclosao da Crise de 1929, assim como apos o estouro da bolha especulativa das empresas ponto-com, em 2001, essa relacao praticamente nao existia. Nesses momentos, apesar de as taxas de juros terem sido baixas, elas nao eram acompanhadas por altos precos das acoes. Na perspectiva de Shiller (2015), "embora as taxas de juros devam ter algum efeito sobre o mercado, os precos das acoes nao mostram nenhuma relacao simples ou consistente com as taxas de juros" (Shiller, 2015, p. 12).

    Asness (2003) analisou a relacao entre o P/E do mercado americano e os retornos dos Treasury Bonds, ainda que se concentrasse mais na relacao entre tais retornos e o earnings yield (E/P)--a razao inversa aquela do P/E. (2) Esse autor discutiu o fato de esse modelo relacionar o E/P ou o P/E, ambos em valores reais, com taxas de juros nominais correspondentes aos retornos dos titulos. Segundo Asness (2003), isso implicaria em um efeito chamado ilusao monetaria, o qual consiste no fato de as variacoes na taxa de inflacao nao serem levadas em consideracao pelos investidores. Porem, Asness (2003) evidencia que, mesmo incorrendo nesse vies em suas analises, os investidores guiaram a trajetoria do P/E como uma funcao da taxa de juros nominal. Quanto a ilusao monetaria, Shiller (2015) reitera que, comumente, os indicadores de retornos no mercado de acoes sao apresentados na midia em termos de valores nominais, portanto, as pessoas podem naturalmente acreditar que esses retornos nominais devam continuar no futuro.

    Segundo Asness (2003), no mercado financeiro americano, entre 1965 e 2001, as taxas de juros foram baixas (altas), enquanto o E/P foi baixo (alto), ou, de forma analoga, enquanto o P/E foi alto (baixo). Ou seja, com base no comportamento do mercado financeiro, durante esse periodo, seria razoavel definir o E/P ou o P/E como funcao das taxas de juros nominais. Contudo, Asness (2003) argumentou que, para a relacao ser efetiva durante todo o periodo de 1926 a 2001, o modelo tambem teve que considerar o risco percebido --a volatilidade observada--pelos investidores no mercado de acoes e no mercado de titulos. (3) Quanto aos resultados de Asness (2003), estimando modelos de series temporais por Minimos Quadrados Ordinarios (MQO), esse autor evidenciou que as variaveis do Modelo Fed foram altamente relacionadas entre 1965 e 2001, independentemente de o modelo incorporar variaveis de volatilidade no mercado de acoes e no mercado de titulos. Contudo, a referida modificacao, que diz respeito a consideracao da volatilidade nos distintos mercados, foi fundamental para que a relacao fosse efetiva quando considerado todo o periodo de 1926 a 2001. Asness (2003) concluiu que, apesar de sofrer de ilusao monetaria, o investidor do mercado financeiro americano, de fato, seguia o Modelo Fed.

    Estrada (2006) avaliou a relacao entre o indice P/E e os retornos dos titulos publicos, em termos de taxas de juros, em mercados financeiros de vinte paises desenvolvidos. Para isso, esse autor utilizou o teste de cointegracao de Engle e Granger (1987), que se baseia em um teste de raiz unitaria aplicado sobre o residuo de uma regressao entre as variaveis de interesse. Os resultados indicaram que havia cointegracao entre as variaveis em apenas dois dos paises. Todavia, e importante destacar que Estrada (2006) nao incluiu as variaveis de volatilidade nas equacoes do teste, ignorando a sugestao de Asness (2003), o que deve ter influenciado consideravelmente os resultados encontrados. (4)

    Cabe destacar que Shiller (1989, 2005) proveu tanto um P/E calculado com dados contemporaneos de indicadores de precos de acoes e de lucros acumulados anualmente, o P/E1, bem como um P/E que traz como divisor uma media que considera dados dos ultimos 10 anos de um indicador de lucros gerados pelas empresas, o P/E10. Em geral, a literatura tem analisado efeitos sobre o P/E10 quando trata do Modelo Fed. Este artigo utiliza-se de uma adaptacao do metodo de Shiller (1989, 2005) para a construcao de um P/E1 e um P/E10 baseados na carteira teorica do Ibovespa. Essa abordagem supera algumas dificuldades do contexto brasileiro, como os indices de precos de acoes da bolsa de valores brasileira--B3 (Brasil, Bolsa, Balcao)--reincorporarem proventos, o que os tornam nao adequados para o calculo dos P/Es, bem como a ausencia de um indice de lucros.

    Nesse contexto, o objetivo deste artigo consiste em avaliar as relacoes entre os indices P/E do mercado de acoes brasileiro e os retornos dos titulos publicos. A analise dessas relacoes, que correspondem ao Modelo Fed, e importante para uma melhor compreensao da trajetoria dos indices P/E1 e P/E10 baseados no Ibovespa, quando o mercado for avaliado com base nesses multiplos. Nao sao conhecidos estudos que analisassem os efeitos de longo prazo das taxas de juros sobre os P/Es, mesmo considerando tanto o contexto do mercado financeiro brasileiro quanto aquele americano.

    A abordagem de analise de relacoes cointegradas de Pesaran et al. (2001) foi empregada para avaliar as relacoes entres os indices P/E e os retornos dos titulos publicos. Essa abordagem parte da estimacao de modelos Autorregressivos de Defasagens Distribuidas (ARDL), que podem ser representados como Modelos de Correcao de Erros Condicionais (CECM), permitindo, assim, estimar os efeitos de longo prazo da variavel de retornos dos titulos publicos sobre os P/Es. Informacoes a respeito das relacoes de longo prazo sao importantes, especialmente, para investidores que adotam estrategias de investimento de longo prazo, em contraste com aquelas dos efeitos transitorios que pouco devem interessa-los.

    Apos esta Introducao, a Secao 2 descreve o metodo de construcao dos indices P/E; a Secao 3 descreve os metodos adotados na analise empirica do Modelo Fed; a Secao 4 apresenta os resultados encontrados; e a Secao 5 tece as consideracoes finais.

  2. Construcao dos indices preco-lucro

    2.1 Dados

    Para a construcao das series historicas dos indices apresentados neste estudo, utilizou-se de dados referentes a todas as acoes que participaram da carteira teorica do Ibovespa no periodo de dezembro de 2004 a junho de 2018, a saber: i) cotacoes de fechamento do ultimo dia do mes, ajustadas por splits/inplits e proventos; ii) ponderacoes correspondentes as participacoes percentuais atribuidas, no referido indice, a cada acao no ultimo dia do mes; iii) lucros por acao trimestrais. Esses dados foram coletados pela internet no sistema de informacoes financeiras Comdinheiro (https : //www.comdinheiro.com.br).

    No Brasil, a intensificacao da publicacao dos demonstrativos financeiros trimestrais, que trazem dados de lucro por acao, so veio a acontecer a partir de meados da decada de 2000. Em virtude disso, dezembro de 2004 foi a data estabelecida como inicio das series dos indicadores utilizados neste artigo. No momento da coleta, havia dados disponiveis ate junho de 2018. Ao todo, 157 acoes participaram da composicao do Ibovespa nos 162 meses que vao de dezembro de 2004 a junho de 2018.

    2.2 Construcao do indice de precos de acoes

    Uma das questoes metodologicas em relacao aos P/Es adaptados ao mercado brasileiro consiste na escolha de um indice de precos de acoes amplo tomado como referencia para a construcao desses multiplos. Apesar de o Ibovespa agrupar uma menor diversidade de acoes quando comparado ao Indice Brasil 100 (IBrX100) e ao Indice Brasil Amplo (IBrA), o mesmo foi adotado em virtude de ser...

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