Relação jurídica de indébito tributário

AutorRafael Pandolfo
Páginas47-64
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3. RELAÇÃO JURÍDICA DE
INDÉBITO TRIBUTÁRIO
3.1 Introdução
O valor devido e recolhido pelo sujeito passivo deve ter
a exata dimensão do evento tributário ocorrido e documen-
talmente registrado. Entretanto, por vezes, o sujeito passivo
efetua recolhimentos que, posteriormente, verifica indevidos.
Os motivos são os mais variados e vão desde um equívoco no
cálculo de apuração do valor devido até o questionamento da
validade da obrigação tributária à luz da Constituição Federal.
Se a relação jurídica tributária possui, no polo ativo, a
fazenda (federal, estadual ou municipal) e, no polo passivo, o
contribuinte, a relação jurídica de indébito é inversa. Apre-
senta, no polo ativo, o contribuinte e, no passivo, a fazenda
pública, que deve (i) restituir ou (ii) suportar a realização do
indébito pelo sujeito passivo através da compensação, nos ca-
sos e nas condições legalmente previstos. A distinção pode ser
graficamente demonstrada a partir do esquema a seguir:
I. Relação jurídica de crédito tributário
II. Relação jurídica de indédito tributário
ESTADO CONTRIBUINTE
CONTRIBUINTE ESTADO
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RAFAEL PANDOLFO
No indébito tributário, portanto, o sujeito passivo da rela-
ção de crédito tributário passa a ocupar a posição de credor,105
ou seja, de titular do direito de exigir do Estado a devolução (em
sentido amplo) dos valores recolhidos indevidamente aos cofres
públicos.106 Diversos são os argumentos e as teorias que ampa-
ram a repetição de indébito. Todas elas encontram esteio em
fundamentos normativos que refletem conteúdos éticos e axio-
lógicos centrais nos ordenamentos jurídicos contemporâneos.
Giuliani Fonrouge,107 fortemente influenciado por concei-
tos do direito civil, identifica na equidade o fundamento que
veda o enriquecimento de uma pessoa à custa de outra. Garcia
Nóvoa, por sua vez, aponta como esteio retórico do indébito a
responsabilidade da administração por danos (denominada no
Brasil de responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, § 6º,
105. A respeito da legitimidade ativa na ação de repetição de indébito, vide: Dalla
Pria, Rodrigo. Legitimidade ativa na ação de repetição de indébito tributário. In:
CONRADO, Paulo Cesar (Coord.). Processo Tributário Analítico. Vol. II1. São Pau-
lo: Noeses, 2016, p. 1-68.
106. Convém transcrever voto no julgamento do Recurso Especial nº 1.229.303, pro-
cessado sob o rito do art. 543-C do antigo Código de Processo Civil, proferido pelo
então Ministro do Superior Tribunal de Justiça Teori Albino Zavascki, o qual sa-
lientou que considerar aquele que assumiu o encargo financeiro como ilegítimo
para ingressar com a ação de repetição de indébito inviabiliza a tutela jurisdicional
contra eventuais arbitrariedades cometidas pelo Estado. In verbis: O EXMO. SR.
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: Sr. Presidente, temos, realmente, um prece-
dente tomado em recurso repetitivo segundo o qual o contribuinte de fato, jamais será
legitimado ativo para repetição de indébito. Tenho severíssimas reservas em relação a
esse recurso repetitivo, cuja interpretação deve ser restrita às hipóteses nele previs-
tas. As razões do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, neste caso, apontam para uma hipó-
tese importante em que se deve relativizar a afetação do precedente. Afinal de contas,
como S. Exa. deixou bem demonstrado, ou legitimamos quem assumiu encargo finan-
ceiro ou, na prática, inviabilizaremos a tutela jurisdicional contra eventuais exigên-
cias arbitrárias por parte do fisco. Essa solução atende, portanto, ao princípio do
acesso à justiça. Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator com esses pequenos acrés-
cimos. (REsp 1299303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SE-
ÇÃO, julgado em 08.08.2012, DJe 14.08.2012).
107.
FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Algunas consideraciones sobre la aplicación de la
equidad en el derecho tributario. Rev. Impuestos, t. I, 1987. p. 818 apud NOVOA, César
García. La devolución de ingresos tributarios recibidos. Madrid: Marcial Pons, 1993, p. 36.
108. CF/88. Art. 37 [...] § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito

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