Relação entre indenizações e benefícios acidentários na Itália

AutorGiuseppe Ludovico
Páginas224-256
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RELAÇÃO ENTRE INDENIZAÇÕES E BENEFÍCIOS ACIDENTÁRIOS NA ITÁLIA
THE RELATIONSHIP BETWEEN COMPENSATION AND SOCIAL
SECURITY BENEFITS IN ITALY
Giuseppe Ludovico*
RESUMO: A relação entre o seguro social de acidentes do trabalho e a responsabilidade civil
levanta, ainda hoje, uma série de questões que são objeto de intenso debate na Itália. A análise
da situação italiana pode revelar-se de especial interesse para o debate brasileiro que está
enfrentando problemas, em parte, semelhantes. O debate italiano, que dura há mais de um
século, é ainda fortemente condicionado por antiga concepção do seguro social como proteção
ressarcitória substitutiva ou alternativa à responsabilidade civil. Reconstruindo as diferentes
posições do debate atual, o texto examina as muitas questões que tornam incertas as relações
entre as duas proteções, propondo uma distinção mais clara em conformidade com as suas
distintas funções constitucionais.
PALAVRAS CHAVE: Acidentes do trabalho. Doenças profissionais. Responsabilidade civil.
Seguro social obrigatório. Danos. Benefícios acidentários.
Artigo recebido em 28 de maio de 2016
* Professor de Direito do Trabalho e Seguridade Social em Cur sos de Graduação, Mestrado, Doutorado e
Especialização da Faculdade de Direito da Universidade de Milão, Pr ofessor de Direito do Trabalho em Curso de
Especialização da Faculdad e de Medicina da Universidade de Milão, Doutorado em Direito do Trabalho na
Faculdade de Direito da Universidade de Bolonha, Mestre em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da
Universidade de Parma, Doutor em Direito pela Universidade de Milão, Membro da Associação Italiana de Direito
do Trabalho e da Segurança Social. Advogado. Autor de livros individuais e coletivos, além de diversos artigos
publicados em obras coletivas e revistas jurídicas. E-mail: giuseppe.ludovico@ unimi.it
Agradeço pela revisão deste artigo a Marcelo Ferna ndo Borsio, Professor T itular do Centro Universitário do
Distrito Federal (UDF); Professor em Direito Previdenciário e em Seguridade Social nos c ursos de Graduação e
Mestrado na UDF, bem como em Direito Tributário na graduação. Professor e Coordenador da Pós-graduação em
Direito Previdenciário da Rede Luiz Flávio Gomes/Universidade Anhanguera. Mestre e Doutor em Direito
Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós-Doutor em Direito da Seguridade Social
pela Universidade Complutens e de Madrid, sob a orientação do Prof. José Luís Tortuero Pl aza. Pós-Doutorando
em Direito Previdenciário pela Universidade dos Estudos de Milão, sob a orientação do Prof. Giuseppe Ludovico.
E-mail: prof.marceloborsio.udf@hotmail.com
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ABSTRACT: The relationship between the civil liability and the social insurance against
accidents at work and occupational diseases is much debated still today in Italy and Brazil. The
analysis of the italian situation may be of particular interest for the brazilian debate which is
characterized by similar problems. The current debate in Italy, that has lasted over a century,
depends on the unresolved conflict between the old prospective of social insurance as substitute
remedy of the civil liability and its modern concept as public remedy. Starting from the analysis
of the different positions, the essay offers a critical review of the literature and case law and a
clear distinction between the social insurance and the civil liability in compliance with their
constitutional functions
KEY WORDS: Accidents at work. Professional diseases. Compensation system. Insurance
social system. Damages. Social benefits
I. Introdução
Na comparação entre os sistemas jurídicos dos diferentes países, não é difícil,
especialmente em direito do trabalho e da seguridade social, identificar vias de
desenvolvimento comuns que resultam da identidade dos problemas com os quais os
reguladores nacionais devem enfrentar.
Estas semelhanças emergem especialmente no campo dos acidentes do trabalho e doenças
ocupacionais em que os sistemas jurídicos nacionais são movidos pelo objetivo comum de
assegurar uma protecção adequada para a pessoa dos trabalhadores. Nesta área, em particular,
a questão mais controversa é a relação entre o seguro e a responsabilidade civil devido às
dificuldades de encontrar um equilíbrio adequado entre a necessidade de garantir plena proteção
para o empregado e evitar de impor custos excessivos para o empregador.
Desses problemas, a doutrina brasileira se ocupa desde há longa data. De igual modo,
alimenta-se na Itália um debate que já dura há mais de um século e que continuamente se renova
a cada mudança na responsabilidade civil e na protecção social, demonstrando assim a extrema
importância e atualidade dessas questões.
II. As origens do seguro obrigatório de acidentes do trabalho na Itália
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As opiniões da doutrina italiana sobre a relação entre a responsabilidade civil e o seguro
social são influenciadas, ainda hoje, pelas posições dogmáticas que acompanharam, no fim do
século XIX, a introdução do seguro obrigatório de acidentes do trabalho.
A partir da segunda metade do século XIX, o desenvolvimento industrial chamou a
atenção da doutrina jurídica e da classe política para o grave problema dos acidentes do
trabalho. A primeira fase do debate centrou-se inevitavelmente sobre a aplicação das
disposições do Código Civil italiano de 1865 em matéria de responsabilidade extracontratual
que requeriam ao trabalhador de provar a culpa do empregador para atingir à indenização.
O princípio «nenhuma responsabilidade sem culpa» de derivação romanística1 respondeu
a lógica igualitária da sociedade burguesa, mas apareceu profundamente inadequado para
regular o novo fenômeno dos acidentes do trabalho2. A culpa, entendida em sentido estrito
como o comportamento pessoal do empregador, era extremamente difícil de provar, na ausência
de uma obrigação contratual de segurança do empregador.
Uma parte da doutrina civilística elaborou algumas soluções para mitigar o ônus da prova
do trabalhador Alguns doutrinadores propuseram a inversão do ônus3, enquanto outros tentaram
expandir os limites da responsabilidade extracontratual do empregador através do conceito da
culpa levissima4.
Essas soluções interpretativas se revelaram sempre incapazes para resolver ou atenuar o
problema. As condições econômicas e sociais do proletariado não permitiram ao trabalhador
suportar os custos do julgamento perante o risco, muito provável, em face de não poder provar
a culpa do empregador.
Alguns estudiosos propuseram, em seguida, a superação do critério de culpa, fundando a
responsabilidade civil do empregador sobre um critério de imputação não desconhecido ao
direito romano. A máxima cuius commoda eius est incommoda constituía um «princípio geral
1 A famosa expressão é de VON J HERING, Rudolf, Das Schuldmoment in römischen Privatrecht, in Vermischte
Schriften, Leipzig, 1879, spec. p 199. Sobre o ponto na doutrina italiana, RO DOTÀ, Stefano, Il prob lema della
responsabilità civile, Milano, Giuffrè, 1964, p. 65 ss.; RODOTÀ, Stefano, Proprietà e industria. Variazioni intorno
alla responsabilità civile, in Politica e Diritto, 1978, p. 413 ss.
2 Para uma reconstrução também histórica LUDOVICO, Giuseppe, Tutela previdenziale per gli infortuni sul lavoro
e le malattie professionali e responsabilità civile del datore di lavoro, Giuffrè, Milano, 2012, p. 7 ss.; CAZZETTA,
Giovanni, Responsabilità aquiliana e frammentazione del diritto comune civilistico (1865-1914), Giuffrè, Milano,
1991, p. 70 ss.; IRTI, -24; GAETA, Lorenzo,
Infortuni sul lavoro e responsabilità civile. Alle origini del diritto del lavoro, Esi, Napoli, 1986.
3 CHIRONI, Gian Pietro, Della responsabilità dei padroni rispetto agli operai e della garanzia contro gli infortunii
del lavoro, in Studi Senesi, I, 1884, f. 2, p. 127 ss.
4 SCHUPFER, Francesco, La responsabilità dei padroni per gli infortuni s ul lavoro, Botta, Roma, 1883, p. 24 ss.

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