O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF

AutorAdriana Vieira, Roberto Efrem Filho
CargoProfessora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos, Instituições e Negócios da Universidade Federal Fluminense e professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. Doutora em Direito junto à Università degli Studi di Firenze e em Sociologia junto à ...
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.02, 2020, p. 1084-1136.
Adriana Dias Vieira e Roberto Efrem Filho
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/50699| ISSN: 2179-8966
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O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões
no STF
The king is naked: gender and sexuality in the Brazilian Supreme Court practices
and decisions
Adriana Dias Vieira1
1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
a.diasvieira@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8907-7546.
Roberto Efrem Filho2
2 Universidade Federal da Paraíba, Santa Rita, Paraíba, Brasil. E-mail:
robertoefremfilho@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9438-0080.
Artigo recebido em 3/05/2020 e aceito em 4/05/2020.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.02, 2020, p. 1084-1136.
Adriana Dias Vieira e Roberto Efrem Filho
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/50699| ISSN: 2179-8966
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Resumo
Neste t exto, procuramos tematizar diferentes formas como gênero e sexualidade
informam práticas e decisões no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao tempo que
políticas de gênero e sexualidade são operadas por seus ministros. Para tanto, valemo-
nos da análise dos votos dos ministros em nove casos implicados em controvérsias
públicas de gênero e sexualidade. Com isso, objetivamos investigar: a) as práticas
generificadas de estruturação dos acórdãos produzidos no STF; e b) como seus ministros se
empenham em uma gramática de sofrimento e na articulação da figura da vítima para
reconhecer ou negar direitos.
Palavras-chave: Gênero; Sexualidade; Supremo Tribunal Federal.
Abstract
This paper aims to address different ways in which gend er and sexuality shape practices
and decisions in the Brazilian Supreme Federal Court, considering that the judges of the
court set and define g ender and sexuality related policies. Therefore, we analyze nine
cases involving gender and sexuality public c ontroversies. We aim to explore: a)
the gendered practices of structuring the text of the Court’s rulings; and b) whether the
judges commit to build a grammar of suffering and ho w they articulate the role of the
victim to recognize or deny rights.
Keywords: Sexuality; Gender; Brazilian Supreme Federal Court.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.02, 2020, p. 1084-1136.
Adriana Dias Vieira e Roberto Efrem Filho
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/50699| ISSN: 2179-8966
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No Brasil, a trajetória de reconhecimento do s direitos sexuais e reprodutivos e dos
direitos relativos à equidade de gênero e à diversidade sexual e de gênero tem passado
decisivamente pelo Supremo Tribunal Federal. Diante de uma maioria parlamentar
conservadora e indisposta a parte significativa de suas pautas no Congresso Nacional,
organizações da sociedade civil e movimentos sociais como os feministas e LGBTI vêm
mobilizando-se em torno da c orte, não raramente articulados a agentes e setores de
Estado. Com isso, tais organizações e movimentos oportunizam o ajuizamento de ações e
a interposição de recursos acerca daqueles direitos e acabam implicando os ministros do
STF em controvérsias públicas intimamente relacionadas a políticas de gênero e
sexualidade.
Tomando parte fundamental nessas controvérsias, os ministros do Supremo já
decidiram sobre uma série de questões polêmicas ou moralmente sensíveis, como as
uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em razão da ADI 4277 e da ADPF 132,
julgadas em maio de 2011; a constitucionalidade de dispositivos da Lei Maria da Penha,
através da ADC 19, julgada em fevereiro de 2012; a dispensa de representação da vítima
em casos de lesões corporais de natureza leve, em situação de violência doméstica e
familiar contra a mulher, com a ADI 4424, julgada na mesma data, em fevereiro 2012; a
“antecipação terapêutica do parto” – ou o aborto de fetos anencéfalos, com a ADPF 54,
julgada pelos ministros em abril de 2012; a criminalização de “pederastia ou outro ato de
libidinagem” presente no Código Penal Militar, por meio da ADPF 291, julgada pelos
ministros em outubro de 2015; a substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar
nos casos de mulheres presas gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas
com deficiência, no HC 143641, julgado em fevereiro de 2018; a alteração de registro civil
de travestis e transexuais, com a ADI 4275, julgada em março de 2018; e mais
recentemente, em junho de 2019, a criminalização da homofobia, por conta da ADO 26 e
do MI 4733.
Mesmo quando não provocados por movimentos sociais, contudo, os ministros
do Supremo têm enfrentado casos que mantêm convenções morais de gênero e de
sexualidade em seu cerne e que direta ou indiretamente concernem a direitos sexuais e
reprodutivos ou relativos à equidade de gênero . Foi o que se deu com a ação
constitucional sobre pesquisas com células-tronco embrionárias, a ADI 3510, movida em
2005 pelo então P rocurador-Geral da República contra o artigo da Lei de
Biossegurança, com o objetivo de impedir o desenvolvimento dessas pesquisas. Mas

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