A Constituição Federal como marco regulatório para a proteção dos Direitos Humanos e a necessidade de criação de um mecanismo de execução das sentenças indenizatórias da corte interamericana de Direitos Humanos

AutorRodrigo de Almeida Leite
CargoDoutorando em Derecho y Políticas de La Unión Europea – Universidade de Salamanca. Especialista em Ciências Jurídico-Comunitárias – Universidade Clássica de Lisboa. Professor de Direito Internacional Público e Privado e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi. Professor Substituto de Direito
Páginas62-84

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Introdução

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, instituído pela Convenção Americana de 1969 (também denominada de “Pacto de San José”) possui atualmente uma importância fundamental na luta pela proteção dos direitos humanos no continente latino-americano. Atuando como um suplemento internacional de proteção, haja vista que o seu acesso se dá, em regra, após serem esgotadas as vias recursais internas na busca pela reparação das violações sofridas, pode também atuar como um órgão primário, na medida em que é negado ou dificultado o acesso às vias judiciais dos Estados membros.

Assim, este sistema que possui caráter internacional, é constituído pela Comissão Americana e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. O primeiro é o órgão político do sistema e o segundo possui caráter jurisdicional, podendo proferir sentenças com eficácia obrigatória contra os Estados membros1.

O Brasil, através dos mandamentos constitucionais inerentes às relações internacionais do País, definida no artigo 4º. da Constituição, aderiu definitivamente ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos em 8 de novembro de 2002, na busca de uma efetividade do princípio da prevalência dos direitos humanos.

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No entanto, ainda que o Brasil esteja submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, existe uma lacuna que causa controvérsia neste sistema: refere-se à execução das sentenças indenizatórias proferidas pela Corte no ordenamento brasileiro.

Tendo em vista que um sistema jurisdicional encontra seu ponto máximo de efetividade na execução de suas decisões, mister se faz necessário o presente estudo, tendo em vista a não existência de mecanismos de execução imediata das sentenças da Corte, e em especial, das condenações indenizatórias. E pelo fato de tratar-se de uma “reposição” financeira por danos causados pelo Brasil ao violar os direitos humanos dos cidadãos, surge a necessidade de uma prestação célere e efetiva da justiça por parte do Estado condenado.

A ausência de um dispositivo constitucional ou infra-constitucional que permita a eficácia executória imediata das decisões da Corte acaba por gerar determinadas dubiedades sobre o procedimento correto a ser adotado à hora da execução de uma sentença da Corte.

Neste sentido, a execução das sentenças indenizatórias da Corte poderia encontrar duas vias no ordenamento jurídico pátrio: a execução espontânea pelo Estado ou então a execução forçada contra a fazenda pública, submetendo-se ao moroso processo final dos precatórios. Por sua vez, o Estado poderia até mesmo negar-se a realizar a execução das sentenças, e sendo assim, será discutida a questão da responsabilização internacional e também se existe algum mecanismo que possa coagir o Estado a implementar a sentença da Corte Interamericana.

Maior discussão nos traz também a doutrina sobre a necessidade ou não de homologação das sentenças da Corte Interamericana pelo Superior Tribunal de Justiça e se existiria a necessidade de ser procedida a sua implementação pelo processo convencional de execução contra a fazenda pública. Assim, discute-se se poderiam equiparar os créditos indenizatórios das sentenças da Corte aos créditos alimentícios, que gozam de certo privilégio na ordem dos precatórios (art. 100 da Constituição Federal), ou mesmo se a execução deveria ser realizada diretamente por um órgão próprio, criado exclusivamente para executar as sentenças da Corte.

Tamanho questionamento objetiva, entre outros motivos, fazer com que exista uma célere prestação jurisdicional por quem sofreu uma violação de direitos humanos, ainda mais quando está em jogo uma condenação por um tribunal internacional. Por fim, indaga-se se as sentenças da Corte teriam eficácia apenas obrigatória, mas não executória, ou se a mesma teria apenas eficácia declarativa, sem nenhum poder imperial.

O Brasil já realizou alguns avanços na matéria, ao propor um projeto de lei que facilitava a execução das sentenças da Corte, que no entanto foi arquivado. Mesmo assim, o Poder Executivo começa a dar pequenos avanços, ao criar um órgão especializado para a fiscalização dos processos que estão na Corte Interamericana,Page 64 bem como realizando acordos com órgãos do Poder Judiciário para que se facilite a execução das sentenças da Corte que determinem um pagamento indenizatório.

1. A Constituição Federal e a adesão do Brasil à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas novidades em relação ao regime constitucional anterior ao promover a defesa e garantia de um grande número de direitos fundamentais. Através da instauração de um novo regime, organizando um Estado Democrático de Direito, definiu em seu artigo 4º que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais, dentre outros, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana também faz parte do alicerce deste Estado Democrático de Direito, funcionando como uma espécie de parâmetro para os demais direitos consignados na Carta Magna.

Sensível à inserção do Brasil na esfera internacional, o Poder Constituinte Originário foi consciente à hora de prever a incorporação de tratados internacionais de Direitos Humanos no sistema jurídico brasileiro, ordenando no art. 5º, § 2º, que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Neste sentido o Brasil já assinou diversos tratados internacionais de proteção de direitos humanos fundamentais. Entre estes, encontra-se a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Em 25 de setembro de 1992, o Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também denominada “Pacto de San José”, adotada por conferência especializada interamericana sobre direitos humanos em 21 de novembro de 1969, e promulgada no Brasil pelo Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992.

Ao ratificar a Convenção Americana, o Brasil outorgou às normas do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos um caráter subsidiário e complementar em relação ao ordenamento jurídico nacional.

No momento da ratificação da Convenção, em 1992, o Brasil optou por não fazer a declaração de reconhecimento da jurisdição compulsória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme previsto no art. 62, 1, do “Pacto de San José2.

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Este reconhecimento e submissão à jurisdição da Corte Interamericana somente veio a ser efetivamente realizado por meio da promulgação do Decreto n. 4.463, de 8 de novembro de 2002, que determinava:

Art. 1o É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.

A partir da entrada em vigor deste Decreto, os casos de violações de direitos humanos constantes da Convenção Americana que tenham iniciado sua tramitação após aquela data podem vir a serem julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual compete determinar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro por violações ocorridas em seu território e exarar sentenças que, de acordo com o artigo 67 da Convenção, são definitivas e inapeláveis.

Regula-se, desta maneira, à total adesão do Brasil ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

2. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos

A nível mundial e regional existem diversos sistemas de proteção aos direitos humanos fundamentais. Grande parte deles começou a surgir devido à internacionalização dos direitos humanos face às barbáries perpetradas pela segunda guerra mundial. O marco desse processo inicia-se com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, estruturando-se na Organização das Nações Unidas. O continente americano assim, também possui um sistema próprio, que foi criado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A Comissão e a Corte são organismos criados pela Convenção Americana de Direitos Humanos (adiante Convenção), também denominado de “Pacto de San José”, que é a base jurídica do sistema interamericano de direitos humanos. A primeira, criada em 1959, iniciou suas funções em 1960, dentre as quais, consiste em realizar investigações e publicar relatórios sobre a situação dos direitos humanos dos países que aderiram à Convenção, além de receber denúncias individuas sobre violações aos direitos fundamentais. A Corte Interamericana, por sua vez, recebe da Comissão ou dos Estados casos individuais sobre violações aos direitos instituídos pela Convenção, proferindo as sentenças correspondentes e emitindo opiniões às petições de consulta formuladas pelos Estados membros da OEA ou pela Comissão.

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