Regulamentação da Atividade do Profissional do Sexo: Avanço ou Retrocesso?
Autor | Camilla de Oliveira Borges; Cyntia Santos Ruiz Braga; Jheniffer Palmeira Martins dos Santos |
Páginas | 97-113 |
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Introdução
A prostituição é conhecida como a prossão mais antiga do mundo(4). Apesar de não haver
indícios de que o seja, trata-se de prossão que, inegavelmente, é perene no cenário trabalhista.
Entretanto, tal constância não é suciente para o seu reconhecimento como categoria prossional
destinatária de proteção. No ordenamento jurídico brasileiro, na jurisprudência e na doutrina,
o entendimento predominante considera o trabalho da prostituta como atividade ilícita(5), o que
implica em dizer que, embora a atividade em si não seja ilegal, qualquer vínculo de emprego
existente é afastado do reconhecimento jurídico.
Os primeiros passos para se retirar a marginalidade(6) do prossional do sexo, sua invisibi-
lidade,(6)são promovidos quando discutimos a regulamentação de seu exercício. São discussões
(1) Graduada em Direito pela UERJ. Especialista em Direito do Trabalho e da Seguridade Social na USP. Pesquisadora
voluntária do Núcleo de Pesquisa “O trabalho além do direito do trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-la-
boral” junto ao departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da USP.camilla.borges@trtsp.jus.br.
(2) Mestranda em Direito do Trabalho. Pesquisadora voluntária do Núcleo de Pesquisa “O Trabalho Além do Direito
do Trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-laboral”, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(FDUSP). Advogada. Especialista em Contratos, Direito, Processo e Empresarial do Trabalho pela FGV.
(3) Advogada. Bacharela em Direito pela UFJF. Pesquisadora voluntária do Núcleo de Pesquisa “Trabalho Além do
Direito do Trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-laboral” junto ao DTBS da USP. Membro da comissão de
Direito Civil e Processo Civil da OAB — Seccional São Paulo — Subseção Lapa.
(4) A prostituição “sempre existiu e há de existir sempre” (HUNGRIA, 1956).
(5) Adotando o entendimento de que, sendo a prostituição conduta imoral, contrária aos bons costumes, por não ser
aceita pela sociedade, deve ser negado o reconhecimento do vínculo de emprego entre os prossionais do sexo e seus
empregadores, em virtude da ilicitude do objeto. Segundo essa corrente, pouco importa que a atividade de prostituição
seja exercida em conformidade com a legislação, devendo ser considerado nulo o contrato de trabalho em razão da não
aceitação social da atividade exercida, como forma de desestimular esse trabalho (BARROS, 2012).
(6) Adota-se o conceito de marginal de Robert Merton em seu clássico Social theory and social structure, a partir do
qual marginal é alguém que aspira a entrar para um certo grupo do qual não é aceito como membro. Merton utilizou
os conceitos de grupos de referência e de socialização antecipatória, a m de esclarecer a condição estrutural deste
membro externo. O marginal, o aspirante barrado, experimenta o processo de socialização antecipatória, ao adotar
os valores e normas do grupo em que ele deseja entrar, sendo depois incapaz de encontrar aceitação por parte deste
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Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)
necessárias para reetir a maior efetividade de proteção de garantias fundamentais a estes pros-
sionais, notadamente para retirá-los da clandestinidade(7), para garantir que esta prossão possa
ser exercida livremente, conforme os desígnios da autonomia da vontade de cada indivíduo e não
a ingresso para o abismo da ausência absoluta de proteção.
O presente artigo acrescenta a necessidade de se discutir outras proteções que não foram
tencionadas no projeto de lei em tramitação nacional sobre o tema, mas necessárias para se conferir
proteção mínima, apesar da marginalidade econômica e social que norteia o prossional do sexo,
promovida nas discussões ideológicas de superexploração do corpo humano, seja ele feminino,
seja ele masculino.
Pretende-se, pois, tratar do tema de forma cientíca, a partir da ponderação de argumentos
teóricos, alicerçados nos conceitos doutrinários contrários e favoráveis ao exercício da regulamen-
tação, contextualizando as atualidades noticiadas na mídia digital, seja no âmbito nacional, seja
no âmbito internacional.
A partir de argumentos relacionados à saúde do trabalhador, mais precisamente de estudos
de neurociência, constata-se que esta categoria de prossionais sofre, mundialmente, de forma
muito peculiar, mas inexiste sequer um acolhimento de proteção à integridade física e psíquica
nos projetos de lei propostos ao longo da caminhada legislativa nacional sobre o tema.
Em relação à prostituição e às práticas correlatadas, temos, basicamente, quatro sistemas de
tratamento jurídico: (i) o abolicionista; (ii) o proibicionista; (iii) o regulamentador; e (iv) o misto
(NUCCI, 2014).
O primeiro sistema político de abordagem do tema, qual seja o abolicionista, pretende
extinguir a prostituição, apesar de reconhecer sua existência. Trata-se de uma política que
não a proíbe, mas coíbe sua existência, por meio da punição de clientes e demais indivíduos
que dela se beneciam, como os proxenetas ou cafetões. Deste modo, embora não se castigue
a prostituta de maneira direta, penaliza-se a mulher que opta pelo trabalho sexual, pois se
pretende eliminá-lo.
O proibicionista, por sua vez, castiga a prostituição diretamente, seja punindo aqueles que
dela se beneciam, seja punindo a própria prostituta. Saímos de uma lógica meramente vitimi-
zadora(8), partindo para uma lógica criminosa, na qual a atividade sexual não é só um mal social,
mas também um ilícito(9).
grupo, ao mesmo tempo em que se sente rejeitado pelo próprio grupo, por ter repudiado seus valores (PERLMAN,
1977)(MERTON, 1957).
(7) “(...) Isso signica que a lei limita sua preocupação com o marginalizado/excluído para mantê-lo fora do domínio
governado pela norma que ela mesma circunscreveu. A lei atua sobre essa preocupação proclamando que o excluído
não é assunto seu. Não há lei para ele. A condição de excluído consiste na ausência de uma lei que se aplique a ele”
(BAUMAN, 2005).
(8)
(REIS e CHEIBUB, 1993).
(9) Na maior parte dos Estados Unidos, a prostituição é ocialmente classicada como um crime sem vítimas. (...) As
prostitutas têm sido concebidas como criminosas sexuais, vítimas de crimes sexuais e mulheres contaminadas pelas
autoridades legais, paladinos da moralidade, ociais de saúde pública. Além disso, vê-se as prostitutas como ligadas
a outros crimes. O crime organizado, furto, roubo, estupro, tráco de drogas, são, frequentemente, associados à pros-
tituição (NUCCI, 2015, p. 87).
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