Evolução da regulamentação internacional da propriedade intelectual e os novos rumos para harmonizar a legislação

AutorBettina Augusta Amorim Bulzico
CargoA autora é Advogada e Professora de Direito Constitucional na Unidade de Ensino Superior Vale do Iguaçu - É especialista em Direito Ambiental - Mestranda em Direito Constitucional na UniBrasil - Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Direito Internacional da Universidade Federal do Paraná
1. Introdução

As últimas décadas do século XX têm sido marcadas por transformações no sistema econômico mundial, manifestadas, especialmente, em dois fenômenos interligados: a globalização econômica e a criação de blocos econômicos regionais. A globalização, entendida como a tendência das empresas utilizarem recursos produtivos e métodos de produção que extrapolam as fronteiras nacionais vem a reforçar a interdependência econômica entre os Estados.

Fato é que, com a globalização da economia das últimas décadas e com o avanço tecnológico oferecendo ao homem novas formas de demonstrar sua capacidade criadora, os direitos de Propriedade Intelectual têm assumido um papel de grande importância. Sua relevância cresceu na medida em se começou a tratar essa proteção como um ativo valioso para o desenvolvimento econômico. A partir de então, aprimoraram-se estudos e pesquisas acerca do tema e, conseqüentemente, as Nações também passaram a se preocupar e estimar cada vez mais o assunto. Diante desta dimensão, um grande número de países está, continuamente, concentrando esforços no sentido de desenvolver programas e firmar tratados que instituam mecanismos de proteção adequados às necessidades do momento.

Atualmente, o papel da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI)2tem sido intenso nesse sentido. Sua finalidade é tutelar as várias vertentes da Propriedade Intelectual, assim entendidas como aquelas abrangidas pela Propriedade Industrial, pelos direitos autorais e outros que recaem sobre bens imateriais de vários gêneros. Também visa encorajar e instigar a atividade de criação dos indivíduos e empresas dela integrantes, facilitando o intercâmbio de conhecimentos, técnicas e obras literárias ou artísticas entre países.

Além disso, a Organização busca promover a harmonização da legislação acerca do tema entre seus Estados-membros, estabelecendo tratados que inovam a forma de proteção. Nesse sentido, tem recebido a colaboração de Organismos Internacionais de outras áreas, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) que através do TRIPs procura preencher as lacunas existentes no âmbito da OMPI, principalmente no que tange à solução de controvérsias.

Perante a relevância científica que o assunto possui e pela necessidade de compreendê-lo, o presente artigo se propõe a empreender um estudo acerca da evolução da regulamentação internacional da Propriedade Intelectual, bem como analisar o que vem sendo feito em prol da harmonização dessa legislação.

Inicia-se o trabalho com um estudo sobre o que é o saber humano e qual é a sua importância para definir um conceito de Propriedade Intelectual. Em seguida, se apresenta a evolução histórica da proteção dos direitos de Propriedade Intelectual até chegar à formação da OMPI. Posteriormente, se examina a estrutura, o funcionamento e os mecanismos de proteção utilizados por essa importante Organização Internacional. Por fim, se faz uma análise das medidas que estão sendo tomadas pela OMPI e outras agências da ONU no sentido de harmonizar a proteção de tais direitos. Enfoca-se neste ponto, a colaboração da OMC que, através do TRIPs, vem procurando preencher as lacunas existentes no âmbito da OMPI contribuindo, assim, para a harmonizar esta legislação.

2. O saber humano e sua importância para definir propriedade intelectual
2.1. O valor do saber humano para o comércio mundial

O inventor de uma máquina, o autor de um livro ou o compositor de uma música, são, geralmente, os "proprietários" de suas obras. Assim, ao se adquirir um desses produtos protegidos, parte do pagamento é destinada ao titular como forma de recompensa pelo tempo, dinheiro, esforço e reflexão investidos na criação. Logo, não é possível copiar ou adquirir uma cópia destes trabalhos sem ponderar acerca dos direitos do proprietário. Dessa forma, a criação humana é considerada um bem jurídico dotado de valor econômico e digno de proteção específica.

A valoração e a valorização do conhecimento surgem no período da Revolução Industrial3. Ao mesmo tempo em que se substituiu a mão de obra urbana por máquinas e novas tecnologias, foi possível proporcionar o devido espaço para o trabalho intelectual na sociedade. Não tardou para que as criações da mente humana se tornassem bens jurídicos de grande importância. Em decorrência da evolução nas práticas comerciais, o saber se tornou um tipo de propriedade.

Atualmente, o comércio mundial gira em torno de novas formas de desenvolvimento, que proporcionam às empresas a possibilidade de se situarem em vários países. As estratégias de expansão internacional, aliadas ao aumento global de investimento em pesquisa, à aceleração da vida útil dos novos produtos e à facilidade de adaptar e copiar determinadas tecnologias recentes, fazem com que a competitividade empresarial se torne cada vez mais acirrada.

O crescimento dessa competição numa economia que, globalmente, mantém níveis de crescimento moderados requer a eliminação de mercados fragmentados por barreiras alfandegárias ou outros tipos de aparatos de descontinuidade dos fluxos de comércio. Portanto, os investimentos anteriormente realizados em economias protegidas por barreiras jurídicas de qualquer natureza, passam a não mais ser justificado pelos padrões mais estritos de competição.

Neste contexto, crescem os incentivos para que novos talentos passassem a produzir cada vez mais idéias e produtos originais4. Os direitos decorrentes de tais criações são constantemente negociados no mercado por meio de mecanismos previstos no Direito Internacional e interno5, assim como os contratos de licenciamento de marcas e/ou de patentes, transferência de tecnologia e franquia. Tais negócios jurídicos permitem uma circulação maior e mais eficiente de novos produtos e tecnologias protegidas por direitos de Propriedade Intelectual.

A exploração econômica do saber humano, por meio desta proteção, prestigia o talento e a dedicação dos inventores, além de contribuir para o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico das nações, garantindo o (re)investimento em pesquisa para a descoberta de novos produtos úteis à coletividade.

Pelo exposto, fica nítido que, para acompanhar a agilidade das praticas do comércio moderno, a proteção dos direitos de Propriedade Intelectual deve ser, necessariamente, internacional.

2.2. O conceito de propriedade intelectual

A Propriedade Intelectual contém tanto o conceito de criatividade privada como o de proteção pública para os resultados daquela criatividade. Assim, a Propriedade Intelectual compõe-se da união entre invenção, expressão criativa e proteção, no sentido de "recompensar" o inventor.

Seus primeiros contornos foram inicialmente estabelecidos pela Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (1883) e pela Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias (1886). A Declaração Universal dos Direitos Humanos também contribuiu com a delimitação de uma definição na medida em que aborda a propriedade em seu artigo 27, garantindo o direito ao benefício da proteção aos aspectos morais e materiais resultantes da autoria da produção cientifica, literária ou artística6.

Posteriormente, a OMPI veio tratar do tema considerando Propriedade Intelectual o conjunto de direitos referentes aos Direitos Autorais; Direitos Conexos aos autorais; Patentes; Desenhos Industriais; Marcas e Indicação Geográfica; e a proteção contra a concorrência desleal. A Convenção que instituiu OMPI menciona que a Propriedade Intelectual preocupase com:

(...) obras literárias, artísticas e científicas; interpretações dos artistas intérpretes e execuções dos artistas executantes, fonogramas e emissões de radiodifusão; invenções em todos os domínios da atividade humana; descobertas científicas; desenhos e modelos industriais; marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como firmas comerciais e denominações comerciais; proteção contra a concorrência desleal e "todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.7

Assim, ao se falar em propriedade intelectual é possível destacar duas categorias distintas: a propriedade industrial e os direitos autorais. A primeira categoria, da propriedade industrial, compreende as invenções, as marcas registradas e os desenhos industriais. Do outro lado, os direitos autorais estão compreendidos no campo da literatura e das artes, podendo ser expressos em diferentes formas (através de palavras, símbolos, música, quadros, objetos tridimensionais, ou através da combinação deles).

Para que uma invenção seja protegida por lei, ou seja, patenteada, ela deve nunca ter sido publicada ou usada publicamente e deve poder ser fabricada ou usada industrialmente. Por sua vez, as marcas identificam e resumem as características de um produto. A marca, como espécie de propriedade intelectual é o sinal que distingue um produto ou...

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