Regulações estrangeiras da profissão
Autor | José Roberto Fernandes Castilho |
Páginas | 83-145 |
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II
ReguLações
estRangeiRas da pRoFissão
1. Introdução: outras visões
Arquiteto –
Celui qui exerce l’art de bâtir.
Dicitionnaire de l’Académie, 1762
Quem sabe, e pratica a Arquitetura, edicando.
Antonio de Moraes Silva,
Dicionário da Língua Portuguesa, 1813
A Arquitetura realiza-se certamente como prática tal como se extrai
das epígrafes clássicas – e remonta mesmo a Vitrúvio. O suíço Peter Zu-
mthor, prêmio Pritzker de 2009, concorda: “A arquitetura é sempre uma
matéria concreta. A arquitetura não é abstrata, mas sim real. Um esboço,
um projeto, desenhado em papel, não é arquitetura, mas apenas uma re-
presentação mais ou menos imperfeita de arquitetura”55. Neste capítulo são
reproduzidas, na íntegra (excluindo-se apenas as disposições transitórias
e adicionais) ou parcialmente, três importantes leis estrangeiras vigentes
sobre a prática da Arquitetura, ou melhor, leis que se referem, direta ou
indiretamente, ao exercício da prossão de arquiteto – designação que se
difunde a partir do século XVI56. São as leis francesa de 1977, um texto
55 Peter Zumthor, Pensar a arquitetura, p. 66.
56 Como escreve Viollet-le-Duc no verbete “arquiteto” de seu clássico Dictionnaire raisonné
de l’architecture française (1856), “il ne semble pas que ce nom ait été donné avant le XVIe siècle
aux artistes chargés de la direction des constructions de bâtiments”.
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LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL DA ARQUITETURA
seminal, de enorme importância; a portuguesa, de 1998; e a espanhola de
1999, com matéria não coincidente: apenas as duas primeiras se aproxi-
mam na medida em que institucionalizam a corporação prossional, sca-
lizadora e regulamentadora, nos dois Estados.
Na França, antes de 1940 a prossão não era nem protegida e nem
regulamentada pelo Estado, apesar da existência de numerosos e respeita-
dos cursos de Arquitetura, inseridos nas escolas de Belas-Artes (v. a tradi-
cional École Nationale et Spéciale des Beaux-Arts, encerrada em 1968) e da
atuação, desde 1840, da Sociedade Central dos Arquitetos. Bastava que se
pagasse pela patente para exercer a prossão que tinha por objeto principal
“dresser les projets de travaux de construction et assurer leur bonne réalisa-
tion”. Diz Georges Liet-Veaux, que qualquer pessoa “poderia se intitular ar-
quiteto e trabalhar como tal”57, o que beneciou inclusive arquitetos impor-
tantes sem formação universitária como Le Corbusier. E mesmo depois de
1940 era perfeitamente possível edicar sem a participação do arquiteto, tal
como ocorre hoje no Brasil: mas na França isto deixou de ocorrer em 1977.
A vigente lei francesa, aprovada em 1977 (depois de alguns anos de
discussão), revogou a pioneira lei de 31 de dezembro de 1940 com apenas
21 artigos que, editada durante o regime colaboracionista de Vichy (1940-
1944), criou a Ordem dos Arquitetos (art. 42) e xou a competência destes
prossionais. Marco do corporativismo – mediante o qual se pretendia fa-
zer a “revolução pelo alto” –, numa França ocupada, a primeira lei francesa
foi editada exatos 70 anos antes da lei do CAU (q.v.). Porém, não estabe-
leceu qualquer exclusividade no mercado de trabalho. Agora, no entanto,
atente-se sobretudo ao art. 3º da lei vigente, de 1977, que contém norma
capital xadora de um nítido “monopólio dos arquitetos”: quem desejar
alcançar a licença edilícia (lá entendida como “permis de construire”) deve
recorrer a um arquiteto para que este a obtenha, salvo exceções de regra58.
Ocorre, pois, a denição de uma verdadeira “capacidade postulatória”
57 Le droit de la construction, p.172. Em 1895, a So ciedade Central dos Arquitetos aprovou
o Code Guadet, que é um código de deveres prossionais que está na origem da regulamen-
tação da prossão (v. infra).
58 Certos autores preferem chamar de “pseudo-monopólio”, considerando as exceções
estabelecidas na lei. Mas o princípio, naquele sistema, existe e está positivado, o que não
ocorre entre nós.
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Regulações estRangeiRas da pRofissão
perante a Administração da cidade semelhante à dos advogados na Justiça
porquanto só o arquiteto-urbanista conseguirá compreender, em termos
projetuais, a dinâmica do aproveitamento do solo urbano em benefício,
conjuntamente, do usuário e da coletividade.
É que, com algumas exceções legais, o pedido de licença (“permis”)
exige que se junte o projeto arquitetônico, composto de diversos documen-
tos grácos, fotográcos e planos (de massa, de fachadas e telhados, etc. – v.
art. R431-9 do Código de Urbanismo, texto de 2007). Neste sistema jurídi-
co – no qual a construção sem autorização constitui crime (art. 480-4 des-
te Código) –, o arquiteto torna-se, pois, o prossional indispensável para
aprovação do projeto, que deve, por expresso mandamento legal, inserir-se
harmoniosamente na cidade para satisfação do interesse público (art. 1º
da lei abaixo transcrita). Deve-se ressaltar a diferença fundamental: entre
nós, os códigos de obras costumam exigir a licença prévia para quaisquer
ocupações do solo urbano inclusive reformas e reconstruções, mas não a
vinculam ao trabalho prossional do arquiteto.
Atualmente, discute-se na França a reforma da lei de 1977. Michel
Huet reproduz no anexo de seu monumental Droit de l’architec ture diversos
documentos com propostas de modicações na lei, destacando-se a subs-
tituição da noção de projeto arquitetônico pela de “ato arquitetônico e ur-
bano”, desconectando-se da autorização do Poder Público. O próprio art.
1º, ambicioso marco referencial da lei, conteria problemas porque se a Ar-
quitetura é um produto da cultura (o que é indiscutível), ela, em si mesma,
é uma cultura. Lembre-se: no campo urbanístico ocorreu o mesmo com a
declaração, decorrente da pioneira lei do solo espanhola de 1956 – “o urba-
nismo é função pública”, declaração considerada depois exata mais incom-
pleta porque ele não pode ser armado sem a participação dos cidadãos.
Já a lei portuguesa instituidora da Ordem dos Arquitectos, também
reproduzida abaixo apenas parcialmente (foram excluídas as normas rela-
tivas ao funcionamento da corporação) é de 1998. Ela operou uma trans-
formação da antiga Associação dos Arquitetos Portugueses. Na exposição
de motivos este fato é devidamente justicado: “O aumento signicativo do
número de licenciados em cursos de arquitectura e áreas ans, e as exigências
de elevação dos níveis de formação, impondo uma clara separação entre os
conceitos de título académico e título prossional, tornaram necessária uma
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