O regresso no contrato de fomento mercantil

AutorCristiano Gomes De Brito
Páginas45-58

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1. Introdução

O contrato de factoring constitui-se em um dos meios mais eficazes de viabilização das pequenas e médias empresas, caracterizada pela grande simplificação nas providências de se conseguir capital de giro.

Nesse tipo de contrato, um comerciante (faturizado) cede a outro (faturiza-dor), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores. Essa avença caracteriza-se pelo risco assumido pelo faturiza-dor na liquidação do crédito, pois não há direito de regresso contra o faturizado, salvo se o crédito cedido estiver eivado de vício que o invalide, como se demonstrará adiante.

O factoring, tal como se conhece hoje - cessão de créditos provenientes de vendas mercantis, com garantia dos créditos da empresa cliente, mediante o pagamento de uma remuneração, podendo o faturiza-dor desenvolver ainda operações de cobrança e financiamento -, é resultado de uma longa e constante evolução histórica, na qual sofreu diferentes mutações, causa-das principalmente pelas alterações das condições do mercado mundial.

2. Conceito

O factoring,1 como técnica financeira e de forte aceitação nos países desenvolvidos, não está ainda regulado em lei no ordenamento pátrio2 e também não se identifica com os institutos jurídicos clássicos.

Sua natureza é discutida, originando interpretações diversas, uns entendendo ser uma cessão de crédito a título oneroso e outros afirmando ser uma compra e venda.

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Para os primeiros, o contrato defactoring situa-se na forma jurídica da cessão de créditos, utilizando-a como instrumento para transferência total dos créditos decorrentes da atividade comercial.

Nesse sentido, FranMartins (2001:469) expõe que o contrato defactoring "é aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração".

Assim uma pessoa (faturizador) recebe de outra (faturizado) a cessão de créditos oriundos de operações de compra e venda e outras de natureza comercial, assumindo o risco de sua liquidação, sendo responsável pela sua cobrança e recebimento, cujo líquido transfere de imediato ao cedente ou faturizado.

Para Arnaldo Rizzardo (2000:11) está-se diante de uma relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação.

Em seguida, o citado autor comenta: "parte dos autores que se dedicou ao assunto dá relevo à idéia não propriamente de cessão do título de crédito, mas de compra e venda. Tem-se uma compra de crédito celebrada entre uma empresa ou cliente e uma entidade mercantil - que é a sociedade defactoring, ou o factor. Há um negócio de compra de crédito não especificamente regulamentado, embora com tipici-dade própria, malgrado entendimento contrário de muitos, objetivando uma finalidade econômica concreta. Esta transferência de crédito melhor se coaduna com sua realidade fática se vista como uma cessão remunerada de título".3

Outros comungam com o entendimento de que o factoring, na hipótese de ocorrer pro soluto, i.e., sem ação regressiva, configuraria a venda de um crédito, em vez de uma operação creditícia instrumentalizada pela cessão.

Arnoldo Wald (1992:446) entende que o contrato de factoring consiste na aquisição, por uma empresa especializada, de créditos faturados por um comerciante ou industrial, sem direito de regresso. Assim, a empresa defactoring, ou seja, o factor, assume os riscos da cobrança e, eventualmente, da insolvência do devedor, recebendo uma remuneração ou comissão, ou fazendo a compra dos créditos com redução em relação ao valor destes.

Segundo Roca Guillamón (1977:2), é uma atividade de cooperação empresarial, que tem por objetivo, para o fator, a aquisição, em definitivo, junto aos produtores de bens ou prestadores de serviço, dos créditos de que sejam titulares contra seus clientes ou compradores, garantindo sua satisfação e prestando serviços complementares de contabilidade, estudo de mercado, investigação de clientela etc., em troca de uma retribuição a que pode agregar-se, ainda, uma possibilidade de financiamento, mediante antecipação do pagamento com o recebimento de alguma retribuição.

O contrato de factoring consiste no negócio jurídico de venda de créditos, por meio do qual a empresa vendedora de bens ou serviços, denominada faturizada, cede ao faturizador a titularidade de todos os direitos creditórios decorrentes de sua atividade (venda de bens ou prestação de serviços), assumindo o faturizador o risco do não pagamento, pela boa ou má liquidação destes, mediante uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, podendo prestar ao faturizado serviços especializados de gestão de crédito (contabilização, faturamento, controle de riscos, análise de crédito etc.).

Com a evolução do comércio, o factoring passou a atingir novos rumos e objeti-vos, como gestão financeira, administração do crédito ou de contas a receber e a

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pagar, planejamento econômico e de mercados, seleção e cadastramento de clientes, assessoria creditícia etc.

Desse modo, passou a abarcar três importantes funções, quais sejam: (a) gestão de crédito, com exame e cobrança dos créditos; (b) financiamento, com adiantamento dos recursos financeiros aos créditos cedidos; (c) garantia, assumindo a responsabilidade pelo pagamento do crédito cedido, salvo nulidades ou vícios do crédito.

Como técnica de gestão empresarial, nota-se na faturização a interferência do faturizador nas operações do faturizado, selecionando os clientes deste, fornecendo-lhe, enfim, serviços que, de qualquer modo, diminuem os encargos comuns do vendedor.4

O faturizador fica encarregado e responsável pela seleção de clientes e obtenção de informações comerciais, de modo a permitir a redução de custos do faturizado, daí, destinar-se, sobretudo, às pequenas e médias empresas.

No que tange ao caráter financeiro, ocorre uma operação pela qual o faturizador paga ao faturizado a importância dos créditos transmitidos, permitindo que este obtenha liquidez imediata, sob a forma de antecipação de uma porcentagem do valor nominal dos créditos transmitidos. Assim, os créditos cedidos são liquidados no momento da cessão (conventional factoring), e não apenas nas épocas dos vencimentos respectivos (maturity factoring).

Assim, representa um financiamento da empresa faturizada, adquirindo o faturizador os créditos desta, pagando-lhe e assumindo o risco com a cobrança e o não pagamento das contas, sem ter o direito de regresso contra o faturizado.

Quanto à garantia, o faturizador, cedente do crédito, fica integralmente isento e desobrigado de qualquer responsabilida-de pelo pagamento dos créditos cedidos, v.g, solvência e pontualidade do devedor, transmitindo todo o risco do recebimento ao faturizador.

Nesse caso, tornando-se o faturizador titular do direito de crédito e assumindo os riscos pela impontualidade, insolvabilida-de e insolvência do devedor, quer parecer, a toda evidência, que tais eventos constituiriam ônus ou risco da atividade empresarial, arcando o faturizador com as suas conseqüências.

2. 1 Elementos

Da análise anterior, verifica-se que são três os elementos que intervêm numa operação de factoring: o faturizador, o faturizado e o cliente-devedor.

O faturizado é, em regra, o fabricante ou distribuidor de uma mercadoria, o qual, em troca do pagamento de uma comissão ao faturizador, entrega a este os créditos comerciais que possui contra seus compradores, a fim de que ele se ocupe de sua administração, contabilização e cobrança, ao mesmo tempo, garantindo-o contra a falta de pagamento, a insolvência ou a quebra dos compradores, sem direito de regresso, de tal forma que o faturizado não correrá qualquer risco pelo não pagamento dos créditos cedidos.

Quem pratica tal modalidade de avença, ou que se serve do crédito, denomina-se faturizado ou cliente, sendo o comerciante ou o distribuidor de mercadorias, ou o prestador de serviços. Ele entrega os títulos comerciais, originados da atividade que exerce, ou advindos, geralmente, das vendas.

O faturizador, ou factor, é o titular da empresa de factoring ou faturização, ou aquele que empreende este tipo de negócio, adquirindo os títulos e pagando-os, indo, depois, contra o real devedor.

O devedor, ou comprador do faturizado é aquele que se obrigou junto ao faturizado e que passa a dever para o factor, uma

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vez verificada a operação de factoring. Diga-se de passagem, que este pode ser simplesmente pessoa física, não exigindo que se classifique como comerciante.

2. 2 Natureza jurídica

Em função do contrato de factoring não ser positivado,5 tem-se discutido sobre sua natureza, se seria, ou não, atividade privativa de instituição financeira.

O art. 17, da Lei 4.595/1964, definiu que são consideradas instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira e custódia de valor de propriedade de terceiro.

As instituições financeiras são empresas que desempenham, no mercado, as funções de intermediárias entre os que têm recursos ou economias disponíveis e os que necessitam de financiamento para seus gastos de consumo ou de investimento. Essas empresas servem de caixa único para a comunidade (depósitos bancários) e efe-tuam o transporte financeiro da produção, provendo os recursos necessários ao processo produtivo, por...

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