O Sistema de Princípios e Regras e o Princípio da Proporcionalidade na Compreensão das Garantias Constitucionais do Processo Civil

AutorMariana Filchtiner Figueiredo
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS
Páginas489-513

Page 489

O Sistema de Princípios e Regras e o O Sistema de Princípios e Regras e oO Sistema de Princípios e Regras e o O Sistema de Princípios e Regras e oO Sistema de Princípios e Regras e o Princípio da Proporcionalidade na Princípio da Proporcionalidade naPrincípio da Proporcionalidade na Princípio da Proporcionalidade naPrincípio da Proporcionalidade na Compreensão das Garantias Compreensão das GarantiasCompreensão das Garantias Compreensão das GarantiasCompreensão das Garantias Constitucionais do Processo Civil Constitucionais do Processo CivilConstitucionais do Processo Civil Constitucionais do Processo CivilConstitucionais do Processo Civil

F

F

FIGUEIREDO

SUMÁRIO: Introdução. 1 Os Princípios Jurídicos. 1.1 A Constituição como Sistema Aberto de Regras e Princípios. 1.2 A Normatividade dos Princípios Constitucionais. 1.3 Características dos Princípios Jurídicos e a Distinção entre Princípios e Regras. 2 Colisões entre Princípios e o Princípio da Proporcionalidade. 2.1 Concordância Prática e Proporcionalidade. 2.2 Princípio da Proporcionalidade ou Proibição de Excesso: Origem, Conteúdo e Subprincípios. 2.3 Princípio da Proporcionalidade como Vedação de Insuficiência ou Proibição de Proteção Deficiente. Conclusões. Bibliografia.

Introdução

IntroduçãoIntrodução
IntroduçãoIntrodução

O presente ensaio tem por objetivo, antes de mais nada, demonstrar que o processo civil deve ser hoje compreendido como disciplina que tem sede direta e imediata na Constituição da República. Assegurada a proteção a diferentes direitos fundamentais de índole eminentemente processual, normalmente conhecidos como garantias constitucionais – contraditório, ampla defesa, devido processo legal, juiz natural, entre outros – é possível afirmar-se a existência de uma mudança definitiva de paradigma no direito processual, qual seja: o processo passa a ser lido e compreendido a partir da ótica das normas constitucionais. De modo mais específico, isso significa que a legislação infraconstitucional e mesmo as praxes forenses haurem novo fundamento de validade desde outubro de 1988, padecendo do vício da inconstitucionalidade quando inadequadas a essa nova sistemática.

* Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS;

Especialista em Direito Municipal pelo Instituto Ritter dos Reis e Escola Superior de Direito Municipal da Associação dos Procuradores do Município de Porto Alegre; Advogada da União.

M


MM
MMARIANA

ARIANAARIANA ARIANAARIANA F

F

****

IGUEIREDOIGUEIREDO IGUEIREDOIGUEIREDO*

F

F

FILCHTINER

ILCHTINERILCHTINER ILCHTINERILCHTINER F

F

Page 490

CONSTITUIÇÃO, JURISDIÇÃO E PROCESSO

490

Nessa direção, o texto que se segue pretende servir como uma espécie de pano-de-fundo para um “repensar” sobre o sistema das garantias constitucionais. Propõe-se a realização de um exame prévio, a fim de assentar algumas distinções básicas, mas sobremodo realçar que a Constituição é um sistema normativo aberto, formado por regras e princípios, com plena efetividade. Para tanto, serão analisados os conflitos entre as espécies normativas e as soluções apontadas pela doutrina, conformados à idéia fundamental de concordância prática, segundo um critério de proporcionalidade. Esta, por sua vez, será vista sob a dupla dimensão de proibição do excesso (Übermassverbot) e vedação de proteção insuficiente, ou deficiente (Untermassverbot).

A partir disso, algumas conclusões serão elencadas no intuito de, ademais de uma eventual colaboração ao aprofundamento desta instigante matéria, lançar novas indagações e suscitar o interesse pela pesquisa, em busca de uma práxis condizente com o arsenal valorativo consagrado pela Constituição da República de 1988.

1 Os Princípios Jurídicos 1 Os Princípios Jurídicos1 Os Princípios Jurídicos 1 Os Princípios Jurídicos1 Os Princípios Jurídicos

1.1 Premissa Necessária: a Constituição como Sistema Aberto
1.1 Premissa Necessária: a Constituição como Sistema Aberto1.1 Premissa Necessária: a Constituição como Sistema Aberto
1.1 Premissa Necessária: a Constituição como Sistema Aberto1.1 Premissa Necessária: a Constituição como Sistema Aberto de Regras e Princípios
de Regras e Princípiosde Regras e Princípios
de Regras e Princípiosde Regras e Princípios

Ultrapassada a concepção vigente à época da codificação, quando se pensava o sistema jurídico de modo fechado, completo e dotado de unidade, pode-se hoje falar com segurança num sistema aberto, formado por diferentes espécies normativas, de conteúdo e funções diferenciados. Sistema aberto porque não mais despido de carga valorativa, mas, diversamente, apto a ser complementado e recriado conforme os fatos e valores sociais. Nesse contexto, as normas jurídicas também passam a ser tomadas numa acepção mais ampla, como gênero que se subdivide em, pelo menos, duas espécies: princípios e regras. Contudo, a nota mais importante, que parece distinguir a concepção do sistema jurídico contemporâneo em relação aos períodos anteriores, está exatamente na supremacia e força normativa que dimanam da Constituição, pois não se pensa em sistema jurídico apartado, que possa viger separada e independentemente da Constituição. Tratar de sistema jurídico, portanto, é analisar a estrutura e o funcionamento das normas jurídicas a partir do sistema constitucional; este, acima de qualquer outro, é o quadro que conforma a vigência e a validade de todas as demais normas.

Page 491

O SISTEMA DE PRINCÍPIOS E REGRAS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA COMPREENSÃO... 491

Mantém-se a noção de sistema, no sentido de conjunto normativo dotado de unidade e coerência – características mínimas, como demons-tra Canaris1– e agrega-se uma dimensão axiológica ou teleológica: se o ordenamento tem natureza valorativa, uma vez que deriva da idéia de justiça, o “sistema a ele correspondente só pode ser uma ordenação axiológica ou teleológica”, no sentido de voltar-se à realização de escopo e valores2.

De modo complementar, Canotilho sustenta a idéia do sistema constitucional como um sistema normativo aberto, de regras e princípios. Sistema jurídico, por se constituir num sistema dinâmico de normas; aberto, porque possui estrutura dialógica, “traduzida na disponibilidade e na ‘capacidade de aprendizagem’ das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da ‘verdade’ e da ‘justiça’”; sistema normativo, uma vez que estruturado por normas, que podem revelar-se, quer sob a forma de regras, quer enquanto princípios3.

Nessa nova concepção de sistema jurídico-constitucional, os atributos de unidade, coerência e plenitude são revisados não apenas em doutrina, mas na prática da farta jurisprudência exarada pelos Tribunais Constitucionais. Como refere Perez Luño (e as considerações são de todo aplicáveis ao direito brasileiro), há um deslocamento do centro de gravidade do sistema, em que o caráter unitário dá lugar ao aspecto pluralista. O pluralismo implica a abertura do sistema constitucional, isto é, de suas teorias, doutrinas e interpretações, além da própria dogmática jurídica, à possibilidade de ulterior desenvolvimento – afirma o jurista espanhol, com apoio em Häberle. Verifica-se uma alteração no tradicional sistema de fontes do Direito, tanto pela imposição de uma supra-estatalidade normativa, com a vigência das normas oriundas das relações internacionais; como pela crescente admissão de uma infra-estatalidade normativa, decorrência da ampliação de competências normativas exercidas por uma esfera

1 “Há duas características que emergiram em todas as definições: a da ordenação e a da unidade; elas estão, uma para com a outra, na mais estreita relação de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar. No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pretende-se, com ela [...] exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este factor modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multidude de singularidades desconexas, antes devendo deixá-las reconduzirse a uns quantos princípios fundamentais”. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Introd. e trad. por A. Menezes Cordeiro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 12/13 – grifos originais.

2 CANARIS, op. cit., p. 66/67; grifos originais.

3 Cfe. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. (reimp.) Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 1.159.

Page 492

CONSTITUIÇÃO, JURISDIÇÃO E PROCESSO

492

intermediária, situada entre os cidadãos e o poder estatal. A unidade ainda se reflete sobre o reconhecimento constitucional de um conteúdo essencial dos direitos fundamentais, a indicar que estes possuem um núcleo prévio a ser respeitado pelo próprio legislador, em termos de eficácia objetiva4.

Já a plenitude do sistema jurídico cede espaço à garantia de uma multiplicidade de instâncias jurisdicionais direcionadas à efetivação dos direitos fundamentais. Assim, mais do que a plenitude do ordenamento jurídico, é pelo acesso à via jurisdicional que se dá a garantia de tutela das liberdades constitucionais5– donde a importância da regulação e efetiva garantia de acesso à prestação jurisdicional, agregue-se. Por fim, conclui o jurista espanhol, o atributo de coerência se torna uma condição praticamente inalcançável. A garantia segurança jurídica passa a ser protegida “por la exigencia de un amplio aparato argumentativo tendente a motivar la racionalidad de las posibles contradicciones existentes entre las normas y/o las decisiones judiciales”, que se mostram inevitáveis no contexto de sistemas abertos e complexos6.

Nesse quadro, o redimensionamento dos princípios jurídicos e a afirmação da respectiva normatividade se tornam um pressuposto evidente. Com efeito, verifica-se uma crescente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT