A regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda

AutorCelia Maria De Souza Murphy
Páginas145-251
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5. A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA
DO IMPOSTO SOBRE A RENDA
5.1 A regra-matriz de incidência tributária
Partimos do pressuposto kelseniano que toda norma jurí-
dica é um juízo construído pelo intérprete a partir dos textos
postos pelo legislador. É o jurista que, interpretando os enun-
ciados postos, preenche, com conteúdo semântico, uma estru-
tura normativa composta de duas partes, expressando algo
que deve ser ou acontecer, especialmente que uma pessoa
deve adotar uma determinada conduta293. Trazemos, a seguir,
a contribuição que, com base nessa noção, trouxeram alguns
importantes doutrinadores que se debruçaram sobre o tema.
Alfredo Augusto Becker identificou, nas normas jurídi-
cas, uma hipótese de incidência (ou suporte fáctico) e uma re-
gra (regra de conduta, preceito), de tal modo que, realizada
a hipótese de incidência, dão-se os efeitos jurídicos indica-
dos na regra294. Assinalou que, na regra jurídica de tributa-
ção, que prescreve a incidência tributária, a hipótese de inci-
dência compõe-se de um núcleo (base de cálculo), de um ou
293. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito cit., p. 4-6.
294. Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário cit., p. 295-296.
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CELIA MARIA DE SOUZA MURPHY
mais elementos adjetivos e coordenadas de tempo e lugar295,
enquanto a regra prevê uma relação jurídica tributária cujo
conteúdo jurídico é uma obrigação tributária296.
Geraldo Ataliba, que também estudou profundamente a
estrutura da norma jurídica, pontuou que as normas tributá-
rias, com feitio idêntico ao das demais normas que compõem
o sistema jurídico positivo, possuem: (i) hipótese, (ii) manda-
mento e (iii) sanção; sendo que a obrigação tributária nasce
por força do mandamento297. Nesse esquema, a norma insti-
tuidora de um tributo assume a seguinte configuração: (i) hi-
pótese: “se acontecer o fato Y”, (ii) mandamento: “pague X, em
dinheiro, ao estado (ou pessoa designada pela lei)”298.
Na teoria de Geraldo Ataliba, a hipótese da norma insti-
tuidora do tributo, traduzindo a formulação abstrata de um
fato, denomina-se “hipótese de incidência tributária”299. A
hipótese de incidência tributária decompõe-se nos aspectos:
(i) pessoal, que designa o sujeito ativo e dita o critério para
determinar o sujeito passivo da obrigação tributária; (ii) ma-
terial, que é a imagem abstrata do fato jurídico (por exem-
plo: propriedade imobiliária, patrimônio, renda, produzir
um serviço); (iii) temporal, que estipula o momento em que
se deve reputar consumado o fato; e (iv) espacial, que indica
as circunstâncias de lugar, relevantes para a configuração do
fato imponível. Tem-se ainda uma base imponível, atributo do
aspecto material da hipótese de incidência, dimensível de al-
gum modo. No “mandamento” encontra-se a alíquota300, que,
295. Cf. Ibidem, p. 329.
296. Cf. Ibidem, p. 305.
297. Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2001. p. 52-53.
298. Idem, p. 58.
299. Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária cit., p. 58-59.
300. Geraldo Ataliba salienta que o mandamento principal, na norma tributária,
não é simplesmente “pague”, mas “pague x% sobre a base calculada”. Por essa ra-
zão, posiciona a alíquota não na hipótese legal, mas na parte mandamental da nor-
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O IMPOSTO SOBRE A RENDA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO
aplicada sobre a base imponível, resulta no quantum corres-
pondente a cada obrigação tributária301.
Para estudo da norma que institui o imposto sobre a ren-
da, adotaremos o esquema lógico da regra-matriz de incidên-
cia tributária, desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho. Se-
gundo a sua doutrina, a norma jurídica se estrutura em: uma
hipótese, ou antecedente, e um consequente; duas proposições,
ligadas por um vínculo implicacional, um “dever ser” neutro,
significando que, uma vez ocorrido o antecedente, “deve ser”
o consequente. A proposição antecedente descreve um fato
de possível ocorrência, no plano dos acontecimentos sociais,
e a consequente prescreve os efeitos jurídicos que devem se
implementar, uma vez ocorrido o fato descrito no anteceden-
te, ligando dois ou mais sujeitos de direito em uma conduta
regulada como proibida, permitida ou obrigatória302.
A regra-matriz de incidência tributária surge como uma
estrutura sintática que, uma vez preenchida com os conteú-
dos semânticos que se obtêm a partir da interpretação dos
textos normativos, prescreve a incidência de um tributo; atre-
la forma e conteúdo, configurando uma norma tributária em
sentido estrito. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:
[...] a regra-matriz, enquanto forma, reúne aquilo que há de
constante, de homogêneo, de permanente, de imutável, ao passo
que o conteúdo, por outro lado, será sempre algo contingente e
acidental, variável e heterogêneo. É bem verdade que a regra-
-matriz, considerada em sua inteireza existencial, na sua con-
formação real, ostenta a integração da forma com o conteúdo,
elementos que se coimplicam de modo irremediável: como en-
tidade de existência histórica, localizada em tempo e espaço de-
terminados, a regra-matriz aparecerá permanentemente consti-
tuída pela união indissolúvel entre forma e conteúdo
303
.
ma. Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária cit., p. 116.
301. Cf. Ibidem, passim.
302. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário. Fundamentos jurídicos da
incidência, p. 39 e ss.
303. CARVALHO, Paulo de Barros. Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de

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