Registros públicos

AutorOdemilson Roberto Castro Fassa
Páginas23-40

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1. 1 O surgimento da propriedade privada A escrita enquanto técnica utilizada para a publicização da propriedade imóvel

Contrariamente ao que ocorre com os bens móveis, cuja propriedade, de regra, se presume daquele que detém a respectiva posse, em relação aos bens imóveis, pela sua própria natureza e impossibilidade de serem portados por seus proprietários, sempre houve a preocupação quanto à publicidade da propriedade, da sua transmissão e dos ônus sobre eles incidentes.

Antes mesmo de desenvolver a fala e os símbolos, o homem primitivo, ainda que temporariamente, já delimitava o solo necessário à sobrevivência e à reprodução, considerando fatores como a existência de abrigo, de água, de alimentos e a menor incidência de inimigos. O indivíduo mais forte conseguia, por óbvio, manter ou reivindicar o melhor abrigo e a área mais abundante em água e alimentos.

Naqueles tempos, a publicidade da delimitação do solo ocupado dava-se pela presença do indivíduo e só era garantida no limite da sua força física.

Quando constituídas as tribos, prevaleceu a concepção de propriedade comum do solo, que era divinizado, apropriando-se, os membros do grupo, pela pertença1de alguns frutos que colhiam e,

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para a própria defesa, de objetos que confeccionavam. Aos chefes cabia a custódia de todas as terras, fontes de águas, animais domésticos, ferramentas e colheitas.

Imperava ainda o direito da força do indivíduo ou de seu grupo em contraposição à força do direito, máxima muito posteriormente adotada pelos povos modernos para solução de seus conflitos.

A diversidade de etnias e de castas gerou disputas pela terra, obrigando a adoção de práticas legais que tornassem pública a ocupação anterior. Ocorre que a identificação de tais práticas, considerando-se que o domínio da escrita ocorreu em épocas distintas para os diversos povos que nos antecederam, torna-se difícil e às vezes hipotética.

O aumento populacional, o sedentarismo oriundo inicialmente do pastoreio e, posteriormente, da prática da agricultura, que se estima tenha iniciado há aproximadamente 10.000 anos, propiciou a definitiva tomada de posse do solo, “dando assim nascimento à distinção entre terras comuns cujo uso pertence à comunidade clânica ou étnica (floresta, pastos, charnecas, etc.) e as parcelas cultivadas pelas famílias”2.

Embora os locais de cultivo das famílias fossem, originariamente, designados pelos chefes, colheitas sucessivas acabaram por gerar direitos de posse sobre a área cultivada, que só revertia à tribo em caso de abandono ou morte dos indivíduos da família, sem descendentes.

Estaria, aí, na visão de GILISSEN, “a noção de propriedade familiar, depois individual do solo, e ao mesmo tempo a de sucessão imobiliária e de alienabilidade dos imóveis”3.

O homem histórico, assim qualificado aquele que se utiliza da escrita, conta com apenas cinco milênios de existência, bem pouco,

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portanto, “diante dos seiscentos milênios dos tempos sem escrita, a cujo respeito apenas dispomos de informações proporcionadas pelos restos, pelos vestígios de toda categoria, os desenhos e as pinturas nas paredes das cavernas”, que constituem objeto de estudo da arqueologia”4.

A propriedade privada, individual, protegida por crenças e tabus, manifestou-se, originariamente, em relação a bens supostamente ligados à personalidade, tais como o local onde dormiam e os objetos pessoais. Tais objetos, nos primórdios da existência humana, eram queimados após a morte do dono. Num segundo estágio, passaram a ser enterrados com o morto e, posteriormente, transferidos a membros do grupo, da tribo, herdeiros ou sucessores.

Os documentos até agora conhecidos indicam que os sumérios (Mesopotâmia) e os egípcios já dominavam a escrita quase trinta séculos a.C., prática que grassou entre os hebreus por volta do século XV a.C., entre os gregos e romanos, nos séculos VI ou V a.C., e entre os germanos somente no século V da nossa era.

No entanto, o domínio da escrita “para certos povos da Austrália, da Amazônia, da Papuásia, da África Central, data do século XIX, ou mesmo do século XX”5da nossa era.

A escrita foi e continua sendo um dos critérios para assinalar a evolução de uma sociedade pré-histórica (das quais se conhecem apenas vestígios materiais) para histórica, assim classificadas aquelas que deixaram documentos, até porque, sem estes, não há História, pelo menos na forma que conhecemos.

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1. 2 Justificativa para a instituição do registro público Classificação dos registros públicos

Na atualidade, sob a denominação registros públicos, o Estado, de forma centralizada por seus órgãos e repartições, ou de forma descentralizada, através de seus delegados, disponibiliza aos interessados diversos serviços com o fito de comprovar fatos ou atos da vida civil, destinados a adquirir, resguardar, transmitir, modificar ou extinguir direitos e obrigações, relacionados a pessoas físicas e jurídicas, bens imóveis e móveis, além da propriedade intelectual, entre outros.

Registro, no dizer de SILVA6, “do Latim regestra, plural neutro de regestus (copiado, traslado), entende-se o assento ou a cópia, em livro próprio, de ato que se tenha praticado, ou de documento que se tenha passado”.

Em sentido amplo e na acepção jurídica, segundo o mesmo autor, por registro “entende-se a soma de formalidades legais, de natureza extrínseca, a que estão sujeitos certos atos jurídicos, a fim de que se tornem públicos e autênticos e possam valer contra terceiros”.

Sem ignorar a propriedade da definição atribuída ao termo registro em sentido amplo, anteriormente citado, mais apropriada à finalidade do presente trabalho apresenta-se a definição em sentido estrito, que lhe atribuiu SILVA: “registro entende-se a inscrição ou a transcrição do documento, em que se instrumenta o ato, em livros públicos, mantidos pelos ofícios de registros ou pelos departamentos e repartições públicas, a que se cometem semelhantes encargos e funções”.

Obrigatórios ou facultativos, tais serviços são disciplinados por leis específicas, que lhes conferem efeitos constitutivos ou de mera autenticidade, destinados à obtenção da almejada eficácia e segurança das relações jurídicas e perpetuação do ato ou direito registrado, além de lhe conferir publicidade.

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No dizer de LOPES7:

O registro público resultou, pois, da necessidade de guardar a lembrança de factos susceptíveis de produzir efeitos de direito, ou seja, de factos jurídicos, com o objectivo de poder fazer prova da sua existência ou da sua ocorrência e, na generalidade dos casos, de poder fazê-los constar, isto é, de lhes conferir publicidade.

Tendo em vista a realização dos serviços diretamente pelos departamentos e repartições do Estado, ou por seus agentes delegados, os registros públicos podem ser classificados em registros públicos administrativos e registros públicos delegados ou privatizados (notariais e de registros públicos), submetidos a princípios que lhes são comuns e específicos.

1. 3 Princípios comuns aos registros públicos administrativos e delegados (notariais e de registros)

Além dos princípios específicos que norteiam cada um dos serviços notariais e de registros, lhes são comuns a publicidade, a legalidade, a autenticidade e a segurança jurídica.

1.3. 1 Publicidade

Tem-se, aqui, não a mera propaganda comercial, típica da atividade privada, efêmera, setorizada, com o fim de veicular produtos, atividades, fatos, serviços e mercadorias, mas a publicidade legal, perpétua, de interesse coletivo, geral, cuja finalidade é tornar a coisa, o fato ou ato sabido e conhecido de todos, para o presente e para o futuro8.

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Oportuna a afirmação de LAGOS NÚÑEZ de que “a publici-dade registral consiste em exteriorizar a existência de um título que já produziu seus efeitos na realidade jurídica”9.

Não raro, publicidade é a própria condição de validade do ato jurídico, para se adquirir, resguardar, transmitir, modificar ou extinguir direitos.

1.3. 2 Legalidade

O princípio da legalidade diz respeito à conformação apresentada pelo título, em relação à lei, não só quanto à sua forma externa (escritura pública, por exemplo), mas, especialmente, quanto ao seu conteúdo, só devendo ser admitidos a registro os títulos que apresentarem os requisitos legais.101.3.3 Autenticidade

Atribuir autenticidade significa atestar, o funcionário público ou o agente delegado competente, verdade relativa de que o ato ou fato se deu de forma solene, encontrando-se apto a produzir efeitos na ordem jurídica. Verdade relativa porque se restringe ao ato praticado pelo encarregado do registro, não se estendendo ao fato ou negócios que o originaram.

1.3. 4 Segurança jurídica

Sendo a certeza das relações jurídicas um dos pilares do Estado Pós-Moderno, tem-se que o registro nos registros públicos representa a verdade do que nele está contido, conferindo-lhe segurança jurídica que tem, na...

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