Reformas de que o Brasil Precisa: As Três Fronteiras da Democracia

AutorLuiz Edson Fachin
CargoAdvogado. Professor titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná
Páginas9-15

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Introdução

Dirijo-me àqueles que chamam para si a responsabilidade de expressar e de fazer as reformas de que o Brasil precisa; dirijo-me àqueles que não desmereceram a vocação para sonhar e a têmpera para laborar; saúdo, assim, mentes e almas que carregam em si esperança para o benefício da vida. Ao fazê-lo, impõe-se resistir à retórica de efeito ocasional, bem como mitigar miradas pessoais que não se coadunam com o sentido plural e o alcance maior das reformas de que o Brasil precisa.

Permitam uma elucidação preambular sobre o orador: não é integrante do campo da política nem milita bandeiras partidárias. É somente um professor que há três décadas se pauta pela vocação do diálogo comprometido com o seu tempo; apenas um advogado movido pela paixão pelo direito naquilo que se fundamenta na liberdade e na responsabilidade; tão só um membro da comunidade acadêmica que, sob o sereno da vida forense, julga essencial o esmero da técnica jurídica escorreita, a qual, contudo, se legitima na exata medida da contraprova da própria realidade. Por isso, precisamente nesse viés, aporta ideias e relexões que conectam o mundo do direito ao direito e ao avesso do mundo em que vivemos.

Abrem-se as portas deste con-clave para toniicar a democracia plena como desaio socioeconômi-co, a ética social como imperativo de cidadania, e a responsabilidade institucional e pessoal como io condutor de funções, empreendimentos, iniciativas e comportamentos. Estado socioeconômico de direito democrático, relações sociais éticas e pessoas e instituições responsáveis se alçam no es-teio que dá sustento a esta relexão propositiva.

É imprescindível dar início pela acepção das reformas como conjunto de diretrizes, programas e projetos cuja razão de ser é a sua respectiva concretização, e por isso mesmo o vocábulo reforma, aqui, não há de ser apenas melhora de verniz, epidérmica, transitória; o verbo reformar signiica nisto sintonizar o Estado com os reclamos da sociedade, e não o contrário; corresponde a dar vez e voz àqueles que trabalham na construção de um país que não compactua tanto com o arbítrio quanto com a falta de liberdade, a censura, a deslealdade e a corrupção. Mais que isso: reformar opõe-se à meta-física reformista de plantão, que é abstrata, conceitual, vazia nos seus efeitos concretos. Reformar, numa expressão, é pensar como ação integrante do fazer; não é imprimir a aparência de novas formas ao conteúdo encapsulado pelo Brasil do pretérito. É, isso sim, substantivar as transformações que sejam aptas a veicular as essenciais aspirações legítimas de todos e de cada um.

A tanto se chegará vencendo o conjunto de freios inibitórios que ainda aprisionam o presente ao passado, bem como debelando a ausência de plena coniança nas potencialidades realizadoras.

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Para tratar das reformas nesse través, introdutoriamente elenco três constatações. A primeira diz respeito às virtudes eclipsadas do Brasil: não há obstáculos intransponíveis que tornem impossível vencer os males que aligem nos-so país; e é fato: no plano político, é inegável a transição para a democracia e para os ganhos do constitucionalismo democrático; no plano econômico, indicadores revelam avanços e possibilidades de melhora: avançamos na media da esperança de vida, na queda das taxas de mortalidade infantil, na redução do analfabetismo; há mais pessoas nas escolas e a defasagem entre campo e cidade é menor. Para combater os efeitos perversos do mito paralisante segundo o qual o país giraria no mesmo lugar em torno do próprio eixo do ocaso, temos, pois, alento e potencialidade. Não bastam, contudo.

A segunda constatação, por decorrência, concerne mesmo às adversidades ofuscadas, pelo que se impõe o reconhecimento explícito de carências: quer na distribuição de oportunidades, escolhas e de renda, quer nas discriminações em função de raça e gênero, quer no acesso aos recursos da tecnologia; perdura o clientelismo, a exclusão social, as desigualdades regionais, a pobreza e as agressões à natureza. Ao Brasil cabe olhar-se no espelho da história.

A terceira premissa é também franca: tais privações, sem embargo, podem ser derrotas e sobrepujadas. O Brasil precisa, para tanto, realizar o que Celso Furtado denominou de "provas cruciais": a democracia tornar-se participativa; a sociedade chamar para si a responsabilidade protagonista do próprio caminho, e todas as instâncias da federação, especialmente nos serviços básicos, volverem ações para um mundo melhor, com porvir humano esperançoso e decente. Diversamente, porém, do que o notável economista escreveu na construção inter-rompida do Brasil, nem tudo aponta para a inviabiliza-ção do país como projeto nacional. Ao contrário, em nosso ver: excetuados os ressentidos do tempo presente e os niilistas de todos os quadros, para os quais a crítica do saudoso economista se amoldava, o Brasil tem mesmo caminho e solução, a come-çar pela superação do grande mal que é a descrença na capacidade transformadora do país; arrostar esse mito é o mais elementar dos principais desaios.

Aí nasce e se desenvolve papel essencial à liberdade de expressão, devendo inexistir qualquer censura à imprensa, trate ou não com os caudatários do poder público ou privado; cumpre estarmos atentos para repudiar qualquer tipo ou forma de censura ou limitação à liberdade, pois o acesso à informação é um direito fundamental e compõe o núcleo formativo da cidadania. Não há democracia verdadeira sem integral liberdade de pensamento e de expressão. Nesse contexto, imprensa livre é o combustível do diálogo construtivo.

E na esteira desse luxo descor-tinam-se as reformas de que o Brasil precisa.

Desafios da democracia e reforma política

Principie-se pelos reptos políticos do sistema eleitoral e dos partidos. Na porta de entrada, está a defesa da democracia, da constituição e de seu programa constitucional contra soluções apressadas e modistas. Nela, espaço não há para a produção legislativa por meio de espasmos, nem para a hemorragia legislativa que banaliza o ordenamento jurídico.

Ao lado dos movimentos sociais e populares, a democracia brasileira reclama partidos políticos que tenham rosto, alma e corpo partidário. Uma cidadania saudável na democracia representativa não se faz sem programas de governo vinculantes, cujo descumprimento deve permitir o imediato impedimento do governante, bem como não se faz sem a possibilidade de revogação popular do mandato legislativo a parlamentar iniel ao programa do partido por meio do qual galgou sua eleição. Este deve ser um exemplo para o sentido e o alcance da reforma que principia na sociedade e alcança o próprio Estado sob as vestes da ética da responsabilidade.

Atente-se para esse momento político singular, pois há novos sujeitos políticos que estão se constituindo, e isso para além das usuais correlações de força.

É por isso mesmo que a opção reducionista entre constituição e...

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