A reforma tributária como instrumento de efetivação da justiça distributiva: uma abordagem histórica

AutorCarlos Henirque Machado - Ubaldo Cesar Balthazar
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Páginas221-252
A Reforma Tributária como Instrumento de Efetivação
da Justiça Distributiva: uma abordagem histórica
Tax Reform as an Instrument for the Effectiveness of Distributive Justice: a
historical approach
Carlos Henrique Machado
Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis, SC, Brasil
Ubaldo Cesar Balthazar
Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis, SC, Brasil
Resumo: O artigo pretende realizar uma refle-
xão sobre a real necessidade de uma reforma
tributária no Brasil e sua utilização como instru-
mento de realização de justiça distributiva. Para
tanto, são analisadas as fontes doutrinárias que
buscam compreender as razões e a história da tri-
butação, noções fundamentais para que se possa
mensurar os limites toleráveis que cada socieda-
de admite suportar a título de exação tributária.
Num segundo momento, aborda-se o bem co-
mum como legitimação de uma tributação justa,
levando-se em consideração que a causalidade
entre tributação e o bem comum, numa pers-
pectiva aristotélica, sempre foi uma constante
histórica, evoluindo tão somente a própria con-
cepção de bem comum a justificar a tributação e
os métodos de imposição e de arrecadação fiscal.
A formação do sistema tributário brasileiro dos
tempos do Brasil Colônia, perpassando pelo pe-
ríodo imperial e pelas constituições republicanas,
também é objeto de atenção e de entraves que so-
fre o modelo atual do sistema tributário nacional.
Tal estudo é necessário para buscar, por meio de
uma reforma tributária, as alternativas para a me-
lhor efetivação dos direitos fundamentais.
Palavras-chave: História do Tributo. Reforma
Tributária. Justiça Distributiva.
Abstract: The article intends to reflect on
the real need for a tax reform in Brazil and
its use as an instrument for the realization
of distributive justice. In order to do so, the
doctrinal sources that seek to understand
the reasons and the history of taxation are
analyzed, which are fundamental notions to
measure the tolerable limits that each society
admits to bear as tax exoneration. Secondly, the
common good is approached as the legitimacy
of a fair taxation, taking into account that the
causality between taxation and the common
good, from an Aristotelian perspective, has
always been a historical constant, evolving the
very conception of the common good to justify
taxation, as well as methods of tax rebates
and collection. The formation of the Brazilian
tax system, from the colonial period in Brazil,
passing through the imperial period and the
republican constitutions, is also an object of
attention, as well as the obstacles that undergo
the current model of the national tax system.
Such study is necessary to search, through a Tax
reform, the alternatives for the best realization
of fundamental rights.
Keywords: Tax´s History. Tax Reform.
Distributive Justice.
Recebido em: 13/07/2017
Revisado em: 19/09/2017
Aprovado em: 10/10/2017
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2017v38n77p221
222 Seqüência (Florianópolis), n. 77, p. 221-252, nov. 2017
A Reforma Tributária como Instrumento de Efetivação da Justiça Distributiva: uma abordagem histórica
1 Introdução
A História tradicional, caracterizada pelo estudo de grandes even-
tos, costuma dividir a existência humana em períodos distintos, marca-
dos por descontinuidades. Com a História do Direito não é diferente.
Recentemente, o Código Tributário Nacional completou cinquenta anos
de existência, constituindo um importante acontecimento para o Direito
Tributário brasileiro. Ao longo de sua vigência, a atividade de tributação
conviveu com momentos políticos distintos e experiências sociais impor-
tantes, mantendo-se o diploma legal firme e resistente para desempenhar
um relevante papel junto à sociedade. Desde a sua edição, no entanto,
anseios por reformas nos métodos e instrumentos de tributação sempre
foram frequentes. E isso é bastante compreensível, na medida em que
conjunturas socioeconômicas diversificadas exigem a adoção de ações
político-jurídicas diferentes, cuja evolução caminha no ritmo das novas
demandas e necessidades sociais.
Compreender as razões e a história da tributação é fundamental para
que possam ser mensurados os limites toleráveis que cada sociedade ad-
mite suportar a título de exação tributária. Numa concepção moderna, não
há Estado sem tributação. Isso é inegável. A arte da tributação, todavia,
consiste em saber retirar as penas do ganso com o mínimo de dor possí-
vel, conforme a célebre frase atribuída a Jean-Baptiste Colbert, ministro
das Finanças do Rei Luís XIV, da França (LIMA, 1999, p. 5-6). E essa
é justamente a razão que sempre transforma o debate sobre a tributação
numa discussão paralela a respeito do modelo social que os cidadãos al-
mejam, sobre o tamanho do Estado e sua parcela de intervenção na rique-
za dos particulares.
Foi apenas no fim do século XVIII que a tributação passou a receber
uma maior atenção de influentes políticos, economistas e financistas euro-
peus e americanos, quando começaram as manifestações e preocupações
com um sistema de arrecadação mais justo e racional (BALTHAZAR,
2005, p. 21). Mas foi somente em meados do século XIX, contudo, que os
estudiosos dedicaram maior cuidado ao fenômeno especificamente jurí-
dico da tributação (BECKER, 2007, p. 3). Estavam sendo construídos, fi-
Seqüência (Florianópolis), n. 77, p. 221-252, nov. 2017 223
Carlos Henrique Machado – Ubaldo Cesar Balthazar
nalmente, os alicerces para a construção dos processos de aprimoramento
dos mecanismos de arrecadação.
A ideia de reforma tributária, portanto, não deve ser entendida
como um fenômeno exatamente contemporâneo. Desde sempre se efeti-
varam mudanças nos critérios e procedimentos de arrecadação tributária,
com avanços mais ou menos intensos em termos de proteção dos direitos
individuais, e mesmo com alguns retrocessos. O paradigma reformista,
assim, não é novidade alguma. Pelo contrário. Transformam-se apenas as
razões que impulsionam as mudanças. Se é verdade que muitos dos avan-
ços fiscais do passado ocorreram em razão de discussões a respeito da
legitimação ou majoração das elevadas cargas tributárias, atualmente as
motivações por detrás das propostas de modificação não são outras senão
as de amoldar o tributo exigido pelos Estados às contrapartidas oferecidas
aos contribuintes. Noutras palavras, busca-se pela realização de reformas
tributárias a efetivação da justiça social.
Atualmente, no Brasil, a temática da reforma tributária tem sido cada
vez mais recorrente, sobretudo quando o assunto em pauta é o sistema tri-
butário nacional. Entretanto, malgrado existam algumas propostas de refor-
mulação tributária pendentes no Congresso Nacional, é ainda flagrante a
desídia dos legisladores ordinários no enfrentamento e avanço do proble-
ma, o que transforma a mera letargia política num problema que se agrava
constantemente, corporificando as desigualdades sociais e o chamado “cus-
to-Brasil”. Por isso, ladeada pelo rearranjo do sistema político, a reforma
tributária tem sido frequentemente invocada e simbolizada como a solução
de muitas das mazelas da sociedade brasileira na atualidade.
O intuito do presente ensaio, sem o propósito de apresentar uma so-
lução para o problema hercúleo que assola o sistema tributário nacional,
restringe-se a perpassar algumas passagens históricas do Direito Tributá-
rio, no Brasil e no mundo, bem como entender os reflexos produzidos na
legislação atual, sem perder de vista a análise das principais característi-
cas do obsoleto modelo de tributação vigente.

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