A reforma trabalhista e seus impactos nas condições de trabalho decente

AutorDelaíde Alves Miranda Arantes
Páginas43-48

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“A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto de legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a fonte primária das leis...

Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da coletividade, não confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos representantes do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo.

Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo”1.

1. O contexto da aprovação da Lei n 13.467/2017

O dia 11 de julho desse histórico ano de 2017, foi marcado pela aprovação às pressas da chamada reforma trabalhista no Senado Federal, seguindo-se à imediata sanção pelo Governo Federal, da Lei Ordinária
n. 13.467 em 13 de julho, a qual altera a CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada em 1º de maio de 1943.

A legislação trabalhista acompanhou as mudanças da sociedade e teve, desde a sua promulgação, mais de quinhentas alterações, desfazendo o mito de que é velha e ultrapassada. Com a mesma legislação tida pelos defensores da reforma trabalhista como imprestável ao sistema das relações capital-trabalho, o país perpassou a última década por um período de crescimento econômico, experimentando uma situação equivalente ao pleno emprego. Com a mesma Justiça do Trabalho, tão dura e injustamente atacada por setores da elite empresarial, o país atravessou uma fase de desenvolvimento econômico, com geração e distribuição de renda. Os advogados e os juízes do trabalho, os desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho e os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, hoje atacados duramente, também eram os mesmos.

O que é preciso frisar quando o tema é o trabalho decente ante os efeitos nocivos da reforma trabalhista para o mundo do trabalho, para o emprego e o trabalhador, é que as modificações implementadas precarizam direitos trabalhistas estabelecidos há mais de 75 anos pela Consolidação das Leis do Trabalho, conjunto de normas que asseguram direitos e garantias mínimas nas relações de trabalho no Brasil. Os direitos fundamentais dos trabalhadores foram constitucionalizados há quase trinta anos, na Constituição Federal de 1988, conquistada após o fim da ditadura militar que consagrou a digni-dade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a livre iniciativa como fundamentos da República.

O Brasil é um grande país, com mais de duzentos milhões de habitantes, dos quais cem milhões são trabalhadores no setor privado. Destes, setenta por cento percebem remuneração no valor de até dois salários

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mínimos mensais e ativam-se nas micro e pequenas empresas. Cheia de contradições, a sociedade brasileira ainda convive com trabalho análogo ao de escravos, com índices alarmantes de exploração de trabalho infantil, tráfico de pessoas e uma série de males que atentam contra os direitos humanos e as garantias fundamentais da pessoa humana.

As profundas alterações precarizantes introduzidas pela Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, foram implementadas sem o aprofundamento da discussão com o mundo do trabalho, contrariando a tradição brasileira de discussão exaustiva, a exemplo do que aconteceu quando da alteração do Código Civil de 2002 e do Código de Processo Civil de 2015, este último discutido no meio jurídico e com a sociedade durante cinco anos até a sua aprovação.

No que se refere à forma, a tramitação apressada da reforma trabalhista contraria a tradição brasileira para alteração normativa, viola as normas da Constituição vigente e normas internacionais da Organização Internacional do Trabalho – a OIT –, principalmente a Convenção n. 144 ratificada pelo Brasil, que estabelece a obrigatoriedade de ampla discussão com o mundo do trabalho para alterações de normas da ordem social e trabalhista.

Um grande número de trabalhadores busca na Consolidação das Leis do Trabalho e na Constituição Federal a garantia de um patamar mínimo de direitos para o exercício de um trabalho digno, e encontram na Justiça do Trabalho a possibilidade de reconhecimento dos direitos violados. A legislação protetiva conquistada pelos trabalhadores ao longo de um século foi, sem dú-vida, golpeada pela lei da reforma trabalhista.

A clara intenção de desconstruir o Direito do Trabalho, levada a efeito pela aprovação da reforma trabalhista, não representa um consenso resultante do diálogo social no mundo do trabalho e na sociedade, o que distancia ainda a proposta da possibilidade de concretização das garantias constitucionais de igualdade e justiça e da construção de um projeto de desenvolvimento e de mudanças que resulte na superação dos problemas de distribuição de renda e desigualdade social.

A reforma trabalhista impôs ao mundo do trabalho, à sociedade e aos trabalhadores mudanças profundas e danos irreparáveis, sem assegurar o debate democrático no âmbito da representação sindical, da comunidade jurídica e acadêmica e dos movimentos sociais, e num momento de grande vulnerabilidade, de grave crise e ausência de legitimidade e de credibilidade, principal-mente na seara política que envolve os poderes Executivo e Legislativo brasileiros.

A desinformação sobre o verdadeiro caráter da nova legislação trabalhista, a dificuldade e ausência de discussão ampla com a sociedade, com as entidades representativas dos trabalhadores, com o segmento das micro e pequenas empresas, que oferecem no Brasil mais de setenta por cento dos empregos no setor privado, com o judiciário e as camadas sociais diretamente atingidas pelas reformas, violam os princípios fundamentais da democracia, instituídos nos arts. , e , da Constituição Federal e na Convenção n. 144 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 1994 e que determina que as normas reguladoras do mercado de trabalho devem ser construídas a partir de um amplo diálogo social.

2. A Lei n 13.467/2017 e a precarização das relações de trabalho: afronta à constituição, à CLT e às normas internacionais de proteção social

No que tange ao seu conteúdo, o certo é que a referida Lei n. 13.467/2017 representa a precarização das relações de trabalho e o retrocesso social profundo, com a legitimação de condutas incompatíveis com o conceito de trabalho digno consagrado na Constituição e, bem longe de constituir a modernização das relações de trabalho, as mudanças implementadas remetem ao...

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