A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e a desconstitucionalização do acesso à Justiça do Trabalho: breves comentários sobre alguns institutos de Direito Processual do Trabalho

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas474-480

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Introdução

Pressionado pela grave crise econômica, pela recessão e pela onda de desemprego crescente, o Presidente (interino) da República Michel Temer, invocando a necessidade de modernizar a legislação trabalhista como meio de promover crescimento econômico e gerar novos empregos, editou, em 22 de dezembro de 2016, encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 6.787, que institui – na linguagem política do Governo – a chamada minirreforma trabalhista.

Em sua redação original, o referido PL 6.787/2016 alterava a CLT em apenas seis artigos da parte de direito material e um artigo da parte processual, a saber: o artigo 775, que institui a contagem de prazos processuais em dias úteis.

Tramitando pela Câmara dos Deputados, o Relator, Deputado Federal Rogério Marinho, do PSDB/RE, modificou subs-tancialmente o PL 6.787, que passou a ser numerado como Projeto de Lei da Câmara n. 38/2017, contendo mais de 91 (noventa e um) artigos, além de inúmeros parágrafos, incisos e alíneas, totalizando mais de 220 alterações no texto, tanto da parte material quanto da parte processual da CLT.

O PL 38/2017 tramitou em tempo recorde na Câmara e no Senado Federal, tendo sido sancionado na íntegra pelo Presidente da República Michel Temer e convertido na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, publicada no DOU de 14 de julho de 2017, cujo artigo prevê que ela entrará em vigor 120 dias após a data de sua publicação, ou seja, entrará em vigor no dia 15.11.2017.

Sem embargo do elevado déficit democrático da forma como foi encaminhado e como tramitou no Congresso Nacional, diferentemente do que se deu, por exemplo, com o projeto de lei que culminou no Código de Processo Civil de 2015, optamos por tecer, neste singelo artigo, breves comentários sobre os dispositivos da Lei n. 13.467/2017 que alteram a parte processual da CLT com enfoque específico para aqueles que poderão impactar direta ou indiretamente o direito fundamental de acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho.

Restrição à liberdade produzir jurisprudência: redução dos tribunais trabalhistas à ultrapassada figura do “juiz boca da lei”

“Art. 8º. .................................................................

....................................................................................

§ 2º. Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

§ 3º. No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.” (NR)

Esses novos dispositivos (§§ 2º e 3º do art. 8º da CLT), embora integrem a parte material introdutória da CLT, acabam atingindo o direito processual do trabalho, porquanto violam os princípios que asseguram o amplo acesso dos trabalhadores à Justiça, já que lei não pode impedir a qualquer órgão do Poder Judiciário brasileiro apreciar e julgar ação que veicule lesão ou ameaça a qualquer direito (CF, art. 5º, XXXV).

Além disso, a lei não é o único elemento de criação de direitos. A jurisprudência também é fonte do direito como, aliás, o prevê expressamente o caput do artigo 8º da CLT.

Na verdade, em direção oposta ao neoconstitucionalismo (ou neopositivismo), que enaltece a força normativa da Constituição e adota o primado dos princípios e dos direitos fundamentais, a Lei n. 13.467/2017 restringe a função interpretativa dos Tribunais e Juízes do Trabalho, como se infere da leitura dos novos §§ 2º e 3º do art. 8º da CLT, os quais revelam a verdadeira mens legislatoris: desconstitucionalizar o Direito do Trabalho e o Direito Processual do Trabalho e introduzir o chamado modelo da supremacia do negociado sobre o legislado.

Entretanto, esse mesmo legislador (praticamente os mesmos Deputados Federais e Senadores) que aprovou o Código de Processo Civil de 2015, cujos arts. 1º e 8º reconhecem a constitucionalização do Direito Processual Civil, enaltecendo como dever do juiz, ao interpretar e aplicar o ordenamento jurídico, observar a supremacia dos “valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição”, restringiu, com a Lei
13.467/2017, o papel dos magistrados trabalhistas, pois estes, na dicção dos novos §§ 2º e 3º do art. 8º da CLT, deverão apenas aplicar o que dispõe a lei. É dizer, a nova lei transforma juízes do trabalho em meros “servos da lei”, tal como ocorria no Estado Liberal.

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Esses novos dispositivos (§§ 2º e 3º do art. 8º da CLT) são inconstitucionais, por violarem os princípios que asseguram o amplo acesso à Justiça, pois nenhuma lei pode impedir a qualquer órgão do Poder Judiciário brasileiro apreciar e julgar ação que veicule lesão ou ameaça a qualquer direito, bem como os princípios de autonomia e independência do Poder Judiciário, na medida em que os juízes, no Estado Democrático de Direito – e no modelo constitucional de processo – têm a garantia (e o dever) de interpretar a lei e todos os dispositivos que compõem o ordenamento jurídico conforme os valores e normas da Constituição, cabendo-lhes, ainda, nessa perspectiva, atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência, como se infere dos arts. e do CPC de 2015, os quais devem ser aplicados ao processo do trabalho por força do art. 15 do mesmo Código e do art. 769 da CLT.

Em rigor, os novos §§ 2º e 3º da CLT violam os princípios da autonomia e da independência dos Juízes e Tribunais do Trabalho como órgãos do Poder Judiciário, pois os submetem à condição de meros aplicadores da lei (“juiz boca da lei”).

Vê-se, claramente, que o tratamento legislativo dado aos magistrados do trabalho configuram autêntica capitis diminutio em relação aos demais magistrados do Poder Judiciário, deixando evidenciados o preconceito e a discriminação contra os membros da Justiça Especializada. Aliás, é fato público e notório amplamente noticiado na grande mídia que parcela considerável de deputados e senadores defendem a própria extinção da Justiça do Trabalho.

Transformação da justiça do trabalho em órgão homologador de lides simuladas

“Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:

.....................................................................................

  1. decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho.

    Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

    § 1º As partes não poderão ser representadas por advogado comum.

    § 2º Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.

    Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8º art. 477 desta Consolidação.

    Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.

    Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.

    Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

    Por força da alínea f do art. 652 da CLT, acrescentado pela Lei n. 13.467/2017, as Varas do Trabalho, ou melhor, os juízos trabalhistas de primeira instância, passaram a ter competência para: “decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho”.

    Explicitando o procedimento de homologação de acordo extrajudicial, o art. 855-B da CLT dispõe que ele “terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação por advogado”, sendo facultada a ambas as partes serem “representadas por advogado comum”, podendo o trabalhador ser “assistido pelo advogado de sua categoria”.

    Vê-se, pois, que o procedimento de homologação de acordo extrajudicial não permite o jus postulandi (CLT, art. 791), pois as partes devem estar obrigatoriamente representadas por advogado.

    Não nos parece razoável a possibilidade de as partes (empregado e empregador) possam ser representadas por advogado comum, pois o empregado é a parte vulnerável na desigual relação de direito material de trabalho e o acordo entabulado, na verdade, caracterizar autêntica renúncia de direitos, mormente em situações de desemprego estrutural como a que vivemos atualmente.

    De toda a sorte, pensamos que o Juiz do Trabalho deve ter a máxima cautela para “decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial” (CLT, art. 652, f), sob pena de se tornar o principal protagonista do desmonte do sistema de proteção jurídica dos direitos humanos dos trabalhadores brasileiros.

    Exatamente por isso, deve o magistrado observar o disposto no art. 855-D da CLT, segundo o qual: “No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença”.

    Vale dizer, é imprescindível a oitiva das partes em audiência, para que ratifiquem perante o Juiz os termos do acordo extrajudicial, evitando-se, assim, eventuais fraudes ou lides simuladas.

    Do contrário, a Justiça do Trabalho se transformará em mero órgão cartorário homologador de rescisões de contratos de trabalho em substituição aos sindicatos e aos órgãos do Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou Juiz de Paz, como previam o...

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