A Reforma Trabalhista e a implementação dos honorários advocatícios sucumbenciais: uma análise crítica

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas488-494

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1. Introdução

Os tempos atuais são tempos de incertezas. O prolongado cenário de instabilidade política, somado à legitimidade questionável do atual ocupante da chefia máxima do Poder Executivo Federal, gera intensa insegurança no âmbito das relações sociais.

Quando ainda ocupante da vice-presidência, já se articu-lava um processo de impeachment imerso em graves questionamento de legalidade e legitimidade, revelou-se compromissado com a promoção de reformas de todo gênero, as quais, sob sua perspectiva e daqueles que o apoiam, seriam capitais para a estabilização do país e garantia de desenvolvimento pleno da sociedade brasileira.

Não diferente do esperado, passou a promover – com amplo apoio legislativo – as ditas reformas tão logo que assumiu interinamente a presidência. Dentre as diversas reformas propostas, uma das mais profundas foi, sem dúvida, a reforma da consolidação das Leis do Trabalho.

Com tramitação em velocidade muito superior àquela que é da praxe do funcionamento das casas legislativas federais e contando com apoio dos grandes grupos econômicos, foi aprovada a Lei n. 13.467/2017. Ocorre que assim o foi sem que houvesse o amplo debate que se pensa ser pressuposto democrático para aprovação de lei que possua tamanho impacto no cerne das relações sociais, tal qual possui este texto legal aprovado que atinge substancialmente a legislação trabalhista inovando-a em diversos aspectos dos direitos material e processual do trabalho.

Sob o pretexto de um demandismo excessivo, fundando-se na falaciosa ideia de que a Justiça do Trabalho seria um ramo do Poder Judiciário brasileiro representativo dos entraves de funcionamento e de ineficiência generalizada da atividade jurisdicional, e o seria pela inadequação da legislação existente, optou o legislador por inovar nas normas processuais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho.

Dentre as inovações, um ponto é merecedor de destaque. Especialmente por se tratar de norma com abrangência antes muitíssimo restrita no âmbito do processo trabalhista, qual seja, norma relativa ao pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados da parte vencedora.

Sua análise se torna especialmente importante quando se percebe ser tal questão – que assume caráter pecuniário – de relevância especial para aqueles que usualmente litigam na Justiça do Trabalho, que são pessoas que geralmente perderam seu emprego e desejam questionar os seus direitos trabalhistas que supostamente deveriam ter sido pagos pelo empregador no passado.

De toda sorte, ainda que originada em circunstâncias inapropriadas sob parametrizações democráticas, certo é que a Lei n. 13.467 vigerá e, subsequentemente, por tratar de questões atinentes ao processo judicial trabalhista, deverá nestes ser aplicada.

Daí surge o ponto de discussão central deste texto: quais são as principais novidades e, mais importante do ponto de vista prático, seus impactos quanto à garantia de acesso à justiça e, ainda, como aplicar esta lei, naquilo que cuida de reformas processuais, aos processos em curso, destacadamente no tocante aos honorários de sucumbência.

2. Os honorários advocatícios sucumbenciais antes da reforma trabalhista e a questão de sua implementação à luz da problemático do acesso à justiça

Até a presente data os honorários advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho, são devidos nas hipóteses das Súmulas ns. 219 e 329 e das Orientações Jurisprudenciais 304 e 305 do Tribunal Superior do Trabalho, que possuem como fonte a Lei n. 5.584/1970.

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Através da interpretação do inciso I, da Súmula n. 219 e das Orientações Jurisprudenciais acima mencionadas, prevalece o entendimento de que tratando-se de ação trabalhista individual decorrente de relação de emprego (principal objeto do Direito e Processo do Trabalho), os honorários advocatícios sucumbenciais não decorrem da mera sucumbência e sim do preenchimento concomitante de dois requisitos (assistência judiciária sindical) por parte do empregado/reclamante, além da sucumbência: 1) comprovar que recebe salário inferior ao dobro do salário mínimo ou que encontra-se em situação econô-mica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da sua respectiva família e 2) estar assistida pelo Sindicato da categoria profissional.

O inciso II da Súmula n. 219 determina que é cabível o pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória; o inciso III preconiza o pagamento de honorários advocatícios nas causas em que o Sindicato atue como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego, o inciso IV informa que na ação rescisória e nas demandas que não derivem da relação de emprego, o pagamento dos honorários será regulamentado pelo CPC/2015; o inciso V estabelece que em caso de assistência judiciária sindical ou de substituição processual, excetuados os processos em que a Fazenda Pública for parte, os honorários advocatícios sucumbenciais são devidos entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º do CPC/2015). E no inciso VI encontra-se estabelecido que nas causas em que a Fazenda Pública for parte, aplicar-se-ão os percentuais específicos de honorários advocatícios contemplados no Código de Processo Civil.

Importante neste momento realizar uma essencial nota de corte, informando ao leitor que o presente artigo analisará o pagamento dos honorários advocatícios especificamente no que diz respeito às ações individuais em que o empregado encontra-se sob o pálio da assistência judiciária sindical, especificamente as hipóteses previstas nos incisos I e V da Súmula n. 219 do TST.

Portanto, diante de todo o demonstrado, tratando-se de lide (individual) derivada de relação de emprego, constata-se que somente o empregador poderia ser condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, não sendo possível o empregado ser condenado ao pagamento desta verba, haja vista que tal possibilidade beiraria o absurdo de violar dois direitos fundamentais estabelecidos na Constituição da República: o da igualdade e o do livre acesso ao Poder Judiciário.

Pensar na possibilidade do empregado/reclamante ser condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, significa dizer para ele não questionar seus direitos trabalhistas judicialmente, afinal ele já é a parte hipossuficiente da relação jurídica e seu salário geralmente não lhe permite pagar nem o seu advogado, e muito menos o advogado da parte contrária no caso de ter seu pedido julgado improcedente. A situação narrada nos faz lembrar um velho, eficiente e costumeiro brocado esportista: “o medo de perder, tira a sua vontade de ganhar”. Ou seja, o trabalhador (que encontra-se desempregado) com temor de ser condenado a pagar o advogado do empregador, vai deixar de questionar seus direitos trabalhistas junto ao Poder Judiciário.

Ademais, não custa lembrar que, geralmente, quase a totalidade dos processos trabalhistas nascem do descumprimento da norma trabalhista por parte do empregador (e não do empregado), portanto sendo o empregador o causador da ação trabalhista, ele deverá arcar com os riscos da demanda. Na grande maioria das ações trabalhistas quem deu causa foi o empregador.

Quanto a isso, alguns outros apontamentos acerca da questão, sob o prisma do acesso à justiça, necessitam ser expostos. Pensar o acesso à justiça na perspectiva das relações do trabalho, ou mais propriamente o acesso à jurisdição e acesso ao processo, demanda uma análise direcionada às circunstâncias usuais que resultam na necessidade de tutela jurisdicional trabalhista.

O estabelecimento de óbices – sejam eles de qualquer natureza, tais como temporais, físicos ou pecuniários – representam diminuição da extensão da garantia constitucionalmente prevista de acesso à jurisdição estatal. E é exatamente nesta linha, da diminuição de garantia, que funciona a implementação de custos pecuniários para o trabalhador em caso de sucumbência.

Tal discussão acerca dos óbices não é nova no âmbito da temática de acesso à justiça.

Capitaneado por Mauro Cappelletti nas décadas de 1960 e 1970 dos novecentos, o estudo acerca dos sistemas de justiça no mundo, acerca dos óbices aos seus acessos e as viáveis soluções e implementações de mecanismos para ampliação do acesso à justiça e busca na efetividade de solução de conflitos, resultou na publicação, em coautoria com Bryant Garth, da obra Acesso à Justiça, que expressa os resultados mais relevantes deste estudo.

CAPPELLETTI; GARTH (1988) estabelecem em linhas gerais dois elementos principais que consubstanciam um...

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