Reforma Trabalhista e a falácia das garantias

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas156-161

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1. Introdução

A Reforma Trabalhista se demonstra como um claro resultado da situação política, econômica e social do país. A crise que se alastra há alguns anos culmina com uma série de propostas reformistas que não demonstram vislumbrar alternativas de uma verdadeira melhoria do quadro que se instaura, mas atender aos anseios políticos e econômicos dos protagonistas envolvidos.

A Lei n. 13.467/2017 modifica cerca de 120 pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas, flexibilizando certos direitos, regulamentando determinadas situações e até mesmo desregulamentando outros tantos direitos dos trabalhadores. Como já amplamente debatido, na doutrina, e conforme se demonstrará, a ampla maioria dessas mudanças resulta em uma precarização das condições laborais.

Infelizmente, as mudanças de paradigma do Estado brasileiro e a necessidade de se alcançarem melhoras econômicas tangíveis já afetam importantes direitos dos cidadãos, e no âmbito laboral, de árdua conquista dos trabalhadores, ainda que para isto violem direitos constitucionais.

2. Reforma laboral

A Reforma Trabalhista não é algo novo no debate político, lembrando que ainda em 1999, quando a Emenda Constitucional n. 24 extinguiu a figura dos Juízes Classistas se cogitou acabar com a Justiça do Trabalho e a tornar um ramo dentro da Justiça Federal. O discurso por sua vez perdeu fôlego, em 2004, após a Emenda Constitucional n. 45, que ampliou os poderes da Justiça do Trabalho, trazendo a competência da Justiça Laboral em casos como acidente de trabalho e dano moral, por exemplo.

Apesar de a reforma ser pautada em mudanças da Consolidação das Leis do Trabalho, vários pontos elencados pela legislação podem ser questionados sob o ponto de vista constitucional, principiológico e das Convenções da OIT rafiticadas pelo Brasil.

A Lei é o resultado da recepção de cerca de 850 Emendas Parlamentares, votadas em medida de urgência, sem que o devido debate houvesse sido feito, contribuindo para o quadro de agravamento das condições juslaborais.

3. Constituição de 1988

Os Direitos Sociais garantidos aos trabalhadores, sobretudo no art. 7º e seus incisos, além do parágrafo único, são direitos fundamentais, e como tal devem ser consideradas cláusulas pétreas:

“Os Direitos Sociais, ao se inserirem no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais inscritos no Título II da Constituição da República de 1988, expressam, induvidosamente, a opção do legislador constituinte em instituir um Estado Democrático de Direito pautado na promoção e efetivação dos valores sociais e individuais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (...) os direitos sociais, em toda a sua extensão, abrangendo, inclusive, os direitos dos trabalhadores (art. 7º da Constituição Federal), constituem cláusula pétrea constitucional, não podendo ser atingidos pelo poder reformador derivado no sentido da sua alteração prejudicial ou extinção”.3

A este respeito, um dos primeiros pontos de grande controvérsia constitucional é o princípio da intervenção mínima da autonomia da vontade coletiva (art. 8º, § 3º da CLT), que afronta o preceito constitucional do art. 5º, inciso XXXV, em que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.

Vislumbra-se a tentativa de cerceamento de acesso à Justiça e do enfraquecimento de função essencial do Direito do Trabalho de assegurar a paz social e solução de conflitos laborais, protegendo, acima de tudo, os interesses mais benéficos do empregado. Por esta mudança, decorre uma série de outras

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que prima pelo acordado sobre o legislado, dando uma maior liberdade aos acordantes, mas sem a observância de uma pactuação justa e mantenedora de direitos.

A CLT passa a prever (art. 58-A, § 5º) a compensação de jornada sem negociação coletiva, em violação direta à Constituição de 1988, à medida que esta determina “a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva (sic) de trabalho” (art. 7º, inciso XIII), e nunca diretamente.

Ademais, viola a Constituição (art. 7º, inciso XIII) a nova previsão do art. 59 da CLT que possibilita a prorrogação de jornada por meio de acordo individual. Passa a valer também o banco de horas (art. 59, § 5º); a compensação mensal (art. 59, § 6º), e a jornada de 12x36 (art. 59-A). Todas flexibilizações do acordado sobre o legislado, que na teoria podem transparecer ser positivas, na realidade demonstram ser prejudiciais aos já hipossuficientes empregados, ainda mais expostos aos anseios dos empregadores, transformando as extrapolações de jornada em uma regra, ao invés de se manterem uma exceção.

A reforma vai além e permite a sobrejornada de atividades insalubres (art. 60, parágrafo único) sem prévia licença das autoridades competentes, e, ainda, possibilitando que a gestante permaneça trabalhando em atividades insalubres de graus mínimo e médio (art. 394-A). Este novo permissivo legal é amplamente perigoso para o trabalhador comum, com a possibilidade de um aumento de acidentes e deterioração da sua saúde em razão dos riscos desta prolongação de jornada e de exposição. Da mesma forma insustentável a possibilidade de permanência de gestantes nas funções em que um simples contato com agentes insalubres pode causar lesões ao feto, aumentando a possibilidade da gravidez de risco. Além disso, a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, modifica os horários para amamentação do filho, devendo ser definidos de forma individualizada (art. 396, § 2º da CLT), o que novamente viola o inciso XIII do art. 7º da Constituição de 1988, que afirma, categoricamente, a necessidade de a redução de jornada ser firmada mediante negociação coletiva.

Flexibilizou-se, também, a equiparação salarial, com exclusão da necessidade de homologação de quadro de carreira em órgão público. Tal prática facilitará a implementação de documentos casuísticos e não condizentes com a realidade fática do empregado, dificultando a isonomia salarial, garantida pela Constituição (art. 7º, inciso XXX).

Outra nova dificuldade para a garantia dos direitos juslaborais se encontra na possibilidade de quitação anual das verbas trabalhistas (art. 507-B e parágrafo único), impedindo que futuramente o empregado venha a discutir eventuais valores indevidos. A realidade novamente nos demonstra que este tipo de medida será imposta ao empregado e será amplamente utilizada de forma fraudulenta para dificultar o pleiteamento de direitos, deixando o instituto das prescrições bienal e quinquenal (art 7º, inciso XXIV da Constituição de 1988) inócuo.

A Reforma Laboral também trouxe mudanças na forma de contratação empregatícia, com a previsão do trabalho inter-mitente. Pela nova legislação (art. 443, § 3º), ele corresponderia àquele “no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”. Esta nova forma de regulação das relações de trabalho é muito nebulosa quanto aos seus efeitos, mas é uma clara “coisificação” do trabalhador, que passa a ser um mero instrumento da consecução empresarial, ferramenta descartável do risco da atividade econômica.

Por fim, e retomando a ideia da intervenção mínima da vontade coletiva, a nova legislação modifica uma série de pontos, fortalecendo o acordado sobre o legislado. Explicitamente, conforme art. 611, em que se afirma que o acordo coletivo e a convenção coletiva têm prevalência sobre a Lei, e com a ausência de contrapartidas na negociação coletiva de trabalho (art. 611, A, § 1º). Pelos dispositivos, empregados e empregadores estão livres para negociar as condições que acharem mais adequadas, respeitando os direitos previstos na Constituição e garantindo a concessão de contrapartidas nos casos de condições menos favoráveis serem estipuladas. A proposta se demonstra uma verdadeira idiossincrasia, uma vez que a própria Constituição, art 7º, elenca as hipóteses de negociação dos direitos trabalhistas, e veda a piora das condições de trabalho, visando apenas a sua melhoria de condição social.

As violações elencadas não exaurem todas as violações constitucionais que a Reforma Laboral transparece, mas exemplifica alguns dos principais dispositivos explicitamente violados. Contudo, é ponderoso demonstrar os princípios...

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