Reflexões sobre a morte e o laicismo no direito brasileiro

AutorCarlos Eduardo Nicoletti Camillo - Matheus Bento Costa
CargoMestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor dos programas de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo-SP), onde leciona Introdução à Ciência do Direito, Direito Civil e Biodireito desde 2002. - Mestrando em Direito Político e Econ...
Páginas23-39
REFLEXÕES SOBRE A MORTE E O LAICISMO NO DIREITO BRASILEIRO
REFLECTIONS ON DEATH AND LAICISM IN BRAZILIAN LAW
Carlos Eduardo Nicoletti Camillo
1
Matheus Bento Costa2
RESUMO
O aborto é tema gerador das mais apaixonadas discussões sobre o direito à vida e o princípio da
dignidade humana. Buscando contribuir para o debate, que volta a implicar o Poder Judiciário em razão
da ADPF 442, o artigo se propõe a tratar do assunto sob uma perspectiva interdisciplinar e holística do
tratamento dispensado à tutela da vida e da morte no ordenamento jurídico pátrio para, sem ignorar
completamente outros fatos sociais relevantes como a eutanásia e a pena capital, discutir os limites da
ação do juiz, considerando que este deve assumir um posicionamento laico, garantindo a supremacia e
a harmonia do sistema legal.
Palavras-chave: Aborto. Laicismo. Direitos fundamentais. Direito à vida. Dignidade humana.
ABSTRACT
Abortion is a subject for the most passionate discussions regarding the right to live and the human
dignity principle. To contribute for the debate, which again implicates the Judiciary because of the
ADPF 442, this article proposes todebate the subject from an interdisciplinary and holistic perspective
in regards to the treatment provided for the matters of life and death in the legal system of Brazil for,
without completely ignoring other relevant social facts such as euthanasia and the use of capital
punishment, to discuss the limits of a judge's action, considering that he must assume a secular position,
guaranteeing the supremacy and harmony of the legal system.
Keywords: Abortion. Laicism. Fundamental rights. Right to life. Human dignity.
INTRODUÇÃO
Casos envolvendo situações extremas, extremas aqui entendidas como aquelas que
envolvem os limites, ou antes, a construção de limites, de definições sobre a vida, vêm sendo
julgados pelo judiciário brasileiro, com a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº 54, que tratou da autorização jurídica para abortamento de fetos
anencéfalos, assumindo posição de destaque no âmbito nacional.
1 Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor dos
programas de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade P resbiteriana Mackenzie (São
Paulo-SP), onde leciona Introdução à Ciência do Direito, Direito Civil e Biodireito desde 20 02.
2 Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo -SP).
190 | Reflexões sobre a Morte e o Laicismo no Direito Brasileiro
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. II, Nº 02, p. 189 a 205, jul-dez, 2018 | ISSN 2595-0614
A mera menção da figura do aborto levanta dúvidas nos mais variados campos do
conhecimento humano, e, no direito, especificamente em relação ao princípio da dignidade da
pessoa humana e do direito fundamental à vida, ambos presentes no texto da atual Constituição.
Dito isto, é preciso lembrar que o aborto não é o único fato social que lida com a tutela jurídica
da vida.
Fatos como o suicídio e a eutanásia também envolvem situações extremas, mas recebem
tratamento diferenciado, seja da legislação, seja dos juristas, especialistas e da população em
geral. Justificar tal divergência, e justificar de forma leiga, ou seja, sem recorrer à metafísica, à
teologia ou ao subjetivismo moral individualista, constitui, quiçá, o mais interessante problema
filosófico para o direito contemporâneo, marcado pela obrigação de neutralidade, ou seja, pela
inviolabilidade e proteção das liberdades de consciência e de crença (art. 5º, inc. VI da Carta
Constitucional).
É possível argumentar tratar-se de fatos distintos, a eutanásia e o suicídio, diferindo dos
casos de aborto por lidarem com a vontade de morrer ao invés da de viver ou de gestar e nascer,
contudo, tal argumento não se sustenta diante do inescapável denominador comum que une
todas as situações atinentes à tutela da vida, seja o aborto, o suicídio, a eutanásia e, inclusive, a
pena de morte, pois, independentemente do caso concreto, a iminência da morte é intrínseca
aos casos citados.
Não é apenas a questão da vida, do direito de viver, mas, igualmente, da morte, do fim
da vida, que é apresentada aos julgadores das diversas instâncias do país, e o fim alcança,
necessariamente, o significado da cessação e o significado da vida. Obviamente, o significado
dos direitos fundamentais é importante para a resolução do problema jus filosófico apresentado
pelas questões extremas, entretanto, imbricada na discussão está a forma como o Estado
pondera e decide sobre o fim da vida.
Da análise de trechos da ADPF nº 54 restará claro que o laicismo, enquanto afastamento
do julgador em relação às crenças morais e religiosas, representa um elemento tão importante
quanto a dignidade humana e o direito à vida na resolução deste tipo de demanda (extrema -
que lida com o fim da vida). Como a matéria do aborto voltou à arena política com a ADPF
442, é oportuno discorrer sobre o valor atribuído à vida e à morte dentro do ordenamento
jurídico pátrio para, através de uma visão holística do fenômeno morte, tecer ponderações sobre
a possibilidade de um julgamento isento da questão. É o que pretendemos fazer, ainda que sem
pretensões de esgotar o problema em vista da sua complexidade.

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