Reflexões sobre a Justiça de Transição
| Autor | Denise Antunes |
| Cargo | Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau no TJPR |
| Páginas | 41-56 |
41
Revista Judiciária do Paraná – Ano XIV – n. 18 – Novembro 2019
Reexões sobre a Justiça de Transição
Denise Antunes
1
Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau no TJPR
“Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to y
All your life
You were only waiting for this moment to arise
Blackbird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
You were only waiting for this moment to be free
Blackbird y, blackbird y
Into the light of the dark black night”
Blackbird/e Beatles
O -, B,
a Argentina, o Chile e o Uruguai, passaram pelos chamados “anos
de chumbo”, período ditatorial, de regimes autoritários, que governa-
vam pelo uso da força, nas décadas de 1960, 70 e 80.
Embora a história desses países seja semelhante em muitos as-
pectos, a reexão aqui proposta é que no Brasil o caminho escolhi-
do pós-ditadura deixou a desejar no que diz respeito a cumprir com
as etapas devidas pela justiça que trata do assunto, bem como a dar
conhecimento pleno aos seus cidadãos sobre esse período de viola-
ção de direitos, e assim ter a chance de reconstruir um espaço mais
democrático. O enfrentamento dessa parte da nossa história, e a to-
mada de condutas concretas, é tão importante que se pode armar
que disso também depende nossa democracia. E juntamente com
Revista Judiciária - # 18 - Novembro 2019 - PRONTA.indd 41 05/11/2019 16:50:42
Revista Judiciária do Paraná – Ano XIV – n. 18 – Novembro 2019
42
Denise Antunes
esse pensamento existem muitas declarações no sentido de que os
preceitos da “justiça transicional” não foram todos absorvidos pela
nossa sociedade após ter passado pelo período degradante e triste da
ditadura, de 1964 a 1985.
O professor gaúcho José Carlos Moreira da Silva Filho, ex-vice-
-presidente da Comissão de Anistia, em recente entrevista
2
, mais
uma vez trouxe à tona seu ensinamento no sentido que de o que fal-
tou, no caso brasileiro, foi uma depuração, também conhecida por
Justiça de Transição, necessária por causa do longo período autori-
tário que o Brasil viveu. Disse o professor que “faltou representar no
plano simbólico e no plano público o repúdio que o Brasil deve ter às
práticas autoritárias do passado”. Tal fator, por curial, autoriza certa
celebração por aqueles que desconhecem a história e que chegam até
a desacreditá-la.
Moreira comenta que faltou julgar os torturadores, faltou uma re-
forma ampla na administração pública, que impedisse que pessoas
que tomaram parte nesses crimes contra a humanidade, do judiciá-
rio, do legislativo, do executivo, do sistema de segurança pública do
país, continuassem trabalhando e transmitindo os seus valores para
os novos funcionários públicos que passaram a se formar ali. Essa
cultura não foi combatida. Houve um bloqueio, um medo, que tam-
bém foi cultivado pela visão quase que monolítica das forças armadas
brasileiras, que se negam a se retratar, a fazerem a sua mea culpa. O
autor também reconhece que não foram todos: “porque há militares
que são constrangidos por essa história, eu mesmo já conversei com
muitos. Assim como na ditadura centenas de militares foram perse-
guidos porque não concordavam com aquilo. Então, é complicado a
gente não fazer essa reforma cultural, sob o ponto de vista da cultura
política, nas instituições públicas, no sistema de ensino. Se a gente
não enfrentar essa história como ela deve ser enfrentada, vamos estar
sempre fazendo isso.”
Em entrevista dada pelo lho de Vladimir Herzog (jornalista as-
sassinado pela ditadura militar em outubro de 1975)
3
, Ivo Herzog,
em maio de 2018, quando questionado sobre o fato de muitas pesso-
as, mesmo com todas as evidências, ainda insistirem em dizer que a
Revista Judiciária - # 18 - Novembro 2019 - PRONTA.indd 42 05/11/2019 16:50:42
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO