Reflexões sobre as bases filosóficas dos princípios contábeis

AutorSérgio de Iudícibus - Jorge Katsumi Niyama - Valdemir Regis Ferreira de Oliveira - Ilse Maria Beuren
CargoDoutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA (USP) - Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA (USP) - Mestre em Contabilidade (UnB) - Doutora em Controladoria e Contabilidade pela FEA (USP)
Páginas158-173
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Artigo
Original
Artigo
Original
Revista Contemporânea de Contabilidade, Florianópolis, v. 17, n. 42, p. 158-173, jan./mar., 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 2175-8069. DOI : https://doi.org/10.5007/2175-8069.2020v17n42p158
Reflexões sobre as bases filosóficas dos princípios contábeis
Reflections of the philosophical basis of accounting principles
Reflexiones sobre la base filosófica de los principios contables
Sérgio de Iudícibus
Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA (USP)
Professor de Mestrado, Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Atuária, Departamento de
Contabilidade (PUC/SP), São Paulo, SP Brasil
Professor Emérito da Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade da Universidade FEA
(USP), São Paulo, SP Brasil
siudicibus@pucsp.br
https://orcid.org/0000-0001-9657-7186
Valdemir Regis Ferreira de Oliveira*
Mestre em Contabilidade (UnB)
Professor Voluntário da Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Gestão Pública FACE
(UnB), Brasília, DF Brasil
vregisferreira@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-5154-5129
Jorge Katsumi Niyama
Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA (USP)
Professor da Faculdade de Economia, Administração,
Contabilidade e Gestão Pública - FACE
(UnB), Brasília, DF Brasil
jorgekatsumi@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-8738-3838
Ilse Maria Beuren
Doutora em Controladoria e Contabilidade pela FEA (USP)
Professora do Programa de Pós-Graduação em
Contabilidade (UFSC), Florianópolis, SC Brasil
ilse.beuren@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-4007-6408
Endereço do contato principal para correspondência*
Campus Universitário Darcy Ribeiro, Prédio da FACE, Asa Norte, CEP: 70910-900 – Brasília, DF – Brasil
Resumo
Desde a antiguidade a filosofia tem se valido do estudo do pensamento, da razão, da verdade, da ética e do
conhecimento que permeiam os ramos da ciência. A Teoria da Contabilidade, quando estudada sob a
abordagem ética, deveria apresentar-se como justa e não enviesada para todos os interessados. Os princípios
no âmbito da Teoria da Contabilidade não são uniformes, sendo evidenciados nas estruturas conceituais e
normas dos países segundo sua cultura, costumes, valores éticos e sistemas jurídicos. Assim, tomando por
partida as raízes italianas do método das partidas dobradas (berço da contabilidade), analisa-se as bases
filosóficas dos princípios contábeis no Brasil e na França (berço do Iluminismo). Por meio de um ensaio teórico
de caráter crítico-argumentativo revela-se que por trás dos conceitos definidos nos princípios contábeis
encontram-se fundamentações teórico-filosóficas. Conclui-se que os princípios contábeis, em sua concepção,
coadunam-se aos pressupostos filosóficos da ética, da moral e da busca pela verdade.
Palavras-chave: Princípios Contábeis; Bases filosóficas; Teoria da Contabilidade
Abstract
Since ancient times philosophy has used the study of the thought, reason, truth, ethics and knowledge that
permeate the branches of science. Accounting Theory, when studied under the ethical approach, should be
fair and not biased to all concerned. The principles within the Accounting Theory are not uniform, being
evidenced in the conceptual structures and norms of countries according to their culture, customs, ethical
values and legal systems. Thus, taking as its starting point the Italian roots of the double-entry method (cradle
of accounting), we analyze the philosophical bases of accounting principles in Brazil and France (cradle of the
Enlightenment). Through a critical-argumentative theoretical essay it is revealed that behind the concepts
defined in the accounting principles there are theoretical-philosophical foundations. It is concluded that
accounting principles, in their conception, fit the philosophical assumptions of ethics, morals and the search
for truth.
Keywords: Accounting principles; Philosophical bases; Accounting Theory
Sérgio de Iudícibus, Jorge Katsumi Niyama, Valdemir Regis Ferreir a de Oliveira, Ilse Maria Beuren
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Revista Contemporânea de Contabilidade, Florianópolis, v. 17, n. 42, p. 158-173, jan./mar., 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 2175-8069. DOI : https://doi.org/10.5007/2175-8069.2020v17n42p158
Resumen
Desde la antigüedad, la filosofía ha utilizado el estudio del pensamiento, la razón, la verdad, la ética y el
conocimiento que impregnan las ramas de la ciencia. La Teoría de la Contabilidad, cuando se estudia bajo el
enfoque ético, debe ser justa y no sesgada para todos los interesados. Los principios dentro de la Teoría de
la Contabilidad no son uniformes, y se evidencian en las estructuras conceptuales y las normas de los países
de acuerdo con su cultura, costumbres, valores éticos y sistemas legales. Así, tomando como punto de partida
las raíces italianas del método de doble entrada (cuna de la contabilidad), analizamos las bases filosóficas de
los principios de contabilidad en Brasil y Francia (cuna del Iluminismo). A través de un ensayo teórico crítico-
argumentativo se revela que detrás de los conceptos definidos en los principios contables se encuentran los
fundamentos teóricos y filosóficos. Se concluye que los principios contables, en su concepción, se ajustan a
los supuestos filosóficos de la ética, la moral y la búsqueda de la verdad.
Palabras clave: Principios contables; Bases filosóficas; Teoría de la Contabilidad
1 Introdução
A filosofia tem se valido do estudo do pensamento, da razão, da verdade, da ética e do conhecimento
das coisas que permeiam todos os ramos da ciência. No entanto, nem mesmo a concepção do termo verdade
tem sido objeto de consenso entre os filósofos, pois segundo Protágoras (490-420 a.C), a verdade é relativa
por ser uma opinião subjetiva, depende da perspectiva de cada pessoa (DURANT, 1996). Desse modo, a
interdisciplinaridade entre os diversos ramos da ciência assimilou em seus constructos teóricos diferentes
estudos e manifestações de filósofos ao longo do tempo.
Nesta perspectiva, a Teoria da Contabilidade pode ser estudada sob diversas abordagens. Iudícibus
(2010) esclarece que sob a abordagem ética, a contabilidade deveria apresentar-se como justa e não
enviesada para todos os interessados. Sob a abordagem comportamental, explica que as informações
contábeis deveriam ser produzidas sob medida, de forma que os usuários reajam para o correto processo
decisório (atinge os campos da psicologia, da sociologia e da economia), com maior ênfase na forma de uso
dos relatórios contábeis do que no desenvolvimento lógico dos demonstrativos. Sob a abordagem sociológica,
assevera que a contabilidade é julgada por seus efeitos no campo social. Trata-se de uma abordagem do tipo
bem-estar social (welfare).
Desde Luca Pacioli (1445-1517), considerado o pai da contabilidade e precursor do método das
partidas dobradas ou método veneziano, em seu livro Summa de Arithmetica (1494), a Ciência Contábil tem
se preocupado com a veracidade dos registros e expressão da verdade do fato contábil. A filosofia italiana,
enquanto lócus embrionário da contabilidade, revelou pensadores e estudiosos como Fábio Besta (1845-
1922), filósofo e professor da escola italiana de contabilidade, cujas obras La Ragioneria - Prolusioni (1880)
e La Ragioneria – Volumi I, II e III (1891-1916), conferiram às raízes da Ciência Contábil dimensão científica
a partir do início do século XIX, resultando no desenvolvimento da Teoria da Contabilidade baseado na
realidade e nos fatos observáveis (PAOLINI; SOVERCHIA, 2017).
No mundo contemporâneo, a Ciência Contábil incorpora um grande número de teorias intermediárias
(middle-range theories) cujo teor preditivo e explicativo limita-se a um subconjunto dos fenômenos contábeis
(RIAHI-BELKOUI, 2004). Uma teoria compreende “um conjunto de constructos (conceitos), definições e
proposições inter-relacionados que apresentam uma visão sistemática do fenômeno, especificando relações
entre variáveis com o objetivo de explicar e prever os fenômenos” (RIAHI-BELKOUI, 2004, p. 83).
A Ciência Contábil sustenta-se em princípios. Byrne (1937) e May (1937) afirmam que os princípios
são verdades fundamentais; uma lei ou doutrina abrangente, da qual outras decorrem, ou nas quais outras
estão baseadas; uma verdade geral; uma proposição básica ou premissa fundamental; uma máxima; um
axioma; um postulado. São, portanto, uma lei ou regra geral considerada como diretriz de ação; uma base
aceita de conduta ou prática. Há que se diferenciar os princípios em sua concepção filosófica das concepções
legais definidas nas estruturas conceituais do regramento contábil.
A estrutura conceitual da contabilidade define os conceitos fundamentais de relatórios financeiros ou
contábeis e funciona como orientação no desenvolvimento de padrões das normas internacionais de
contabilidade, segundo o International Accounting Standards Board (IASB, 2010). Para o desenvolvimento de
suas estruturas conceituais, os países baseiam-se em argumentos normativos, os quais se referem ao que
deveriam ser (contém juízo de valor, subjetivo); ou argumentos positivos, os quais se referem ao que
realmente são (respeitam os cânones científicos, objetivistas) (NUNES, 2012).
Estruturas conceituais baseadas em regras geralmente possuem caráter operacional e são
direcionadas aos mecanismos de escrituração contábil. Já as estruturas conceituais fundamentadas em
princípios costumam ter embasamentos filosóficos e norteadores de conduta e de valores dos agentes da
profissão contábil, bem como da ética, da moral e da true and fair view enquanto pressupostos das transações
e escriturações. No entanto, tal qual para a filosofia não há verdade absoluta, pois depende da perspectiva
de cada pessoa, os princípios no âmbito da teoria da contabilidade não são uniformes e geralmente pautados
nas estruturas conceituais e regulamentos de países segundo sua cultura, costumes, valores éticos de seu
povo e sistemas jurídicos predominantes. O sistema legal de cada país é moldado por sua história única e,
portanto, incorpora variações individuais (WOOD, 1980).

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