Reflexões analíticas sobre o trabalho temporário à luz da lei n. 13.429/2017

AutorIuri Pinheiro e Raphael Miziara
Páginas38-62
REFLEXÕES ANALÍTICAS SOBRE O TRABALHO
TEMPORÁRIO À LUZ DA LEI N. 13.429/2017
Iuri Pinheiro(1)
Raphael Miziara(2)
(1) Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Ex-Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Ex-Assistente de Juiz e Ex-Assessor de Desembargador no TRT da 7ª Região. Ex-Assistente de Juiz e Ex-Chefe de Gabinete de Desem-
bargadora no TRT da 2ª Região. Ex-Servidor do TRT da 9ª Região e Ex-Assistente de Ministro do TST. Professor da Pós-Graduação
da (PUC-MG, ESA – OAB MG), dentre outros. Coordenador dos Cursos para Magistratura do Trabalho da Verbo Jurídico. Aprovado
em 9 provas discursivas para Juiz do Trabalho. Escritor de Obras e Artigos Científicos pela LTr Editora, JusPodivm, Verbo Jurídico,
dentre outras. Palestrante na área de Direito Material e Processual do Trabalho.
(2) Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pela UDF. Advogado. Professor em Cursos de Graduação e Pós-Graduação
em Direito. Autor de livros e Artigos Jurídicos. Membro da (ANNEP) – Associação Norte Nordeste de Professores de Processo e da
(ABDPro) – Associação Brasileira de Direito Processual.
(3) HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
p. 276.
(4) A título de curiosidade, conforme informa Boris Fausto (2012, p. 421), a crise foi consequência da chamada Guerra do Yom Kippur,
movida pelos Estados árabes contra Israel. Os países árabes produtores de petróleo se articularam e fundaram a OPEP, que promoveu
a redução da oferta do produto e provocar forte aumento dos preços.
1. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
O trabalho temporário, regulado pela Lei n. 6.019/74,
foi concebido num período de transição econômica
após a derrocada do Estado do Bem-Estar Social. Em
que pese ser um instituto datado da década de 1970,
merece revisitação com um olhar crítico e reflexivo, an-
te a existência de diversos pontos controvertidos e omi-
tidos pela doutrina, notadamente diante das recentes
modificações trazidas pela Lei n. 13.429/2017.
Para melhor compreensão do fenômeno provocado
pelo trabalho temporário cabe compreender o contexto
histórico e os motivos socioeconômicos que levaram o
Brasil à sua regulamentação.
1.1. Breve contexto mundial: a crise do petróleo
de 1973, a ascensão do toyotismo como
novo modelo de produção e o triunfo do
neoliberalismo
A expansão econômica do pós-Segunda Guerra
Mundial ficou conhecida como o boom econômico ou a
Era de Ouro do capitalismo. Esse período foi marcado
pela prosperidade econômica em meados do século XX
e as economias dos países capitalistas industrializados
tiveram resultado significativo, no mínimo porque pela
primeira vez passava a existir uma economia de consu-
mo de massas.(3)
Foi também nessa época que, tomadas de um furor
lucrativo até então raramente visto, era natural que a
indústria das multinacionais se transferisse para locais
de mão de obra barata.
O otimismo diminuiu, porém, na década de 1970, a
política econômica keynesiana, que serviu de ideologia
na Era de Ouro, começou a dar sinais de desordem.
Ocorria aquilo que, no jargão dos especialistas da área,
podia se chamar de “superaquecimento da economia”.
A Era de Ouro terminava com o colapso dos acor-
dos de Bretton Woods em 1971, com a crise do petró-
leo de 1973(4) e com o “crash” da bolsa de valores em
1973-1974, produzindo uma imensa recessão. O Es-
tado do Bem-Estar Social entrava em colapso. Nesse
REFLEXÕES ANALÍTICAS SOBRE O TRABALHO TEMPORÁRIO À LUZ DA LEI N. 13.429/2017 39
Iuri Pinheiro e Raphael Miziara
momento, o neoliberalismo encontrou campo fértil
para se instaurar.
Como bem lembra Eric Hobsbawn:
A Era de Ouro perdeu o seu brilho, uma era
chegava ao fim. [...] Nesse novo momento, a única
alternativa oferecida era a propagada pela minoria
de teólogos econômicos ultraliberais. O zelo ideo-
lógico dos velhos defensores do individualismo era
agora reforçado pela visível impotência e o fracasso
de políticas econômicas convencionais, sobretudo
após 1973.(5)
Depois da crise de 1973, surgia uma batalha entre
os keynesianos, adeptos do welfare state e da política até
então adotada na Era de Ouro, e os neoliberais. Sobre
esse instante, afirma Eric Hobsbawn:
Os primeiros afirmavam que altos salários, ple-
no emprego e o Estado do bem-estar haviam criado
a demanda de consumo que alimentara a expansão
e que bombear mais demanda na economia era a
melhor maneira de lidar com depressões econômi-
cas. Os neoliberais, por sua vez, afirmavam que a
economia e a política da Era de Ouro impediam o
controle da inflação e o corte de custos tanto no
governo quanto nas empresas privadas, assim per-
mitindo que os lucros, verdadeiro motor do cres-
cimento econômico numa economia capitalista,
aumentassem.(6)
Com o fracasso da política econômica à época vi-
gente, que não mais encontrou resposta eficaz e rápida
para a crise econômica, os ideais do liberalismo ganha-
ram força.
Nesse momento de crise, o mundo ocidental voltou
suas atenções para os elevados índices de produtividade
que vinham sendo conquistados pelo Japão com uma
nova organização da produção, e começou a buscar ca-
da vez mais alternativas em relação ao modelo até então
predominante, o taylorista-fordista.
O modelo de produção fordista cedeu espaço a
um novo método, iniciado pelos japoneses, e tornado
possível pelas tecnologias da década de 1970, que foi
(5) HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
p. 398.
(6) Idem, p. 399.
(7) DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da Destruição e os Caminhos da Reconstrução.
São Paulo: LTr, 2007. p. 30-31. É dentro desse contexto, como adiante se verá, que surge no Brasil a Lei n. 6.019/74.
(8) Apud SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: Teoria geral do direito do trabalho. V. I. Parte I. São Paulo: LTr, 2011.
p. 470.
caracterizado pela posse mínima de estoques e pela pro-
dução suficiente para abastecer os vendedores just in
time.
Vivia-se a fase da reengenharia, do redesenho dos
fluxos operacionais, do enxugamento de custos, da po-
lítica de baixos estoques, do investimento em automa-
ção e da especialização, a qual ocupa todo o período
subsequente (décadas de 70 e 80). É o momento em
que os setores de trabalho temporário e dos serviços
terceirizados vão se colocando paulatinamente como
alternativas, já que permitiam às empresas dispensar o
pessoal ocioso, mas, ao mesmo tempo, quando houves-
se necessidade de recompor os estoques, atenderiam ra-
pidamente aos consumidores. Proporcionavam, então,
uma considerável reserva de força laboral prontamente
mobilizável e organizada.
A propósito do tema, destaca Mauricio Godinho
Delgado:
A partir da década de 1970, com o recrudes-
cimento da corrente ultraliberal de análise e con-
formação da economia, da sociedade e do Estado,
segundo as versões capitaneadas por Friedrich
Hayek, Milton Friedman e subsequentes divul-
gadores, o primado do trabalho e do emprego no
sistema capitalista passa a ser severamente fusti-
gado. [...] A nova corrente de pensamento, com
impressionante voracidade de construção hege-
mônica, teria mesmo de agredir, de maneira fron-
tal, a matriz cultural afirmativa do valor trabalho/
emprego, por ser este valor o grande instrumento
teórico de construção e reprodução da democracia
social no Ocidente. A permanência da noção de
centralidade do trabalho e do emprego inviabili-
zaria, drasticamente, a aplicação do receituário de
império do mercado econômico, estruturado pelo
pensamento neoliberal(7)
Instaurava-se uma concorrência que restou deno-
minada por Bourdieu de “darwinismo social”(8), por
meio do qual o sucesso de cada um dependeria de sua
competência e de sua capacidade de adaptação aos no-
vos tempos. O individualismo passava a ser a essência
dos “tempos modernos”. O neoliberalismo triunfava.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT