Reflexão sobre meio ambiente, saúde, educação e pesquisa

AutorFlávia Ribeiro Santana
Páginas321-343

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Apresentação

No presente trabalho objetivou-se realizar reflexão sobre a importância da educação em saúde ambiental e da pesquisa nesta área. Para isto, são apresentados, brevemente, alguns antecedentes históricos, políticas públicas e marcos normativos da Saúde Ambiental e da Educação em Saúde Ambiental no Brasil, juntamente com as características do enfoque que tal campo possuiu ao longo do tempo. Posteriormente, discorre-se sobre a importância da Educação em Saúde Ambiental como ferramenta para o empoderamento dos cidadãos e sobre o panorama crítico da carência de pesquisas nesta área e da utilização de abordagens tradicionalistas nas poucas ações realizadas. Conclui-se apontando a necessidade das instituições abraçarem o desenvolvimento de pesquisas na área de Educação em Saúde ambiental e do desenvolvimento de produção científica com abordagens mais integradas, interdisciplinares e intersetoriais e que envolvam a complexa inter-relação entre problemas ambientais, sociais e econômicos.

1 Introdução

A questão ambiental está entre os principais problemas da atuali-dade, possuindo repercussões nas esferas sociais, econômicas, políticas e, particularmente, na saúde humana. Para se ter uma ideia, só na população brasileira, o perfil de saúde no quadro atual está composto por três

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cenários principais, todos eles condicionados por diferentes contextos socioambientais1.

O primeiro desses cenários revela, predominantemente, doenças crônico-degenerativas, como as cardiovasculares, neoplásicas e as anomalias congênitas, consideradas como efeito de condições genéticas, de vida e trabalho vivenciadas pelas populações, principalmente por aquelas expostas à poluição ambiental, à má qualidade dos alimentos e ao estresse. O segundo cenário é conformado pelas doenças infecto-parasitárias e doenças infectocontagiosas, nitidamente determinadas também pelas condições socioambientais como presença de vetores e contaminação das águas. As chamadas causas externas compõem o terceiro cenário, que engloba óbitos e lesões causados por acidentes e violência, acometendo especialmente os jovens. Pode-se dizer que esses três cenários se constituem como acontecimentos socioambientais produtores de traumas, lesões e doenças2.

Esta realidade induziu a incorporação da temática ambiental pela área da saúde culminando na "criação" de uma nova especialidade, denominada de Saúde Ambiental, termo que já está totalmente difundido e largamente utilizado pelas diversas áreas da saúde, principalmente pela Saúde Pública3.

As definições dadas pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde para a área Saúde ambiental são:

Saúde ambiental compreende aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que são determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos do meio ambiente. Refere-se também a teoria e prática de avaliação, correção, controle e prevenção daqueles fatores que, presentes no ambiente, podem afetar potencialmente de forma adversa a saúde humana das gerações do presente e do futuro4.

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Área da saúde pública afeta ao conhecimento cientifico e a formulação de políticas públicas relacionadas a interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural e antrópico que a determinam, condicionam e influenciam, com vistas a melhorar a qualidade de vida do ser humano, sob o ponto de vista da sustentabilidade5.

Diversos autores já vêm incorporando e desenvolvendo em seus discursos não só a relação saúde-ambiente, em suas mais diversas expressões, mas também a temática da sustentabilidade ambiental e sua relação com as condições de saúde da população, colaborando para que a base científica e pragmática desta área se desenvolva ao longo do tempo, o que fornece uma base mais sólida para a efetividade de políticas e programas de saúde coletiva6. Entretanto, ainda há um longo caminho a percorrer.

No campo da formulação teórico-conceitual, vem se aproximando os grupos acadêmicos, de pesquisa, com os profissionais da saúde ambiental, no sentido de "desconstruir", "decodificar", "reconstruir" e problematizando a interface entre saúde e ambiente. Entretanto, é possível observar que grande parte desta produção se destina a discutir questões voltadas para o impacto de poluentes/substâncias químicas sobre a saúde ou a desenvolver os conceitos relativos à relação saúde/ambiente7.

Uma área de pesquisa que, no Brasil, ainda se encontra em fase embrionária, é a Educação em saúde, em sua articulação com o ambiente, o que pode ser verificado pela pouca expressiva produção científica nesta área do conhecimento8.

No questionamento do diretor da Agência Europeia de Meio Ambiente, ressaltado por Rigotto9, "quanto conhecimento será suficiente para desencadear a AÇÃO preventiva?", nota-se que ainda há uma grande distância

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entre os dados gerados pelas pesquisas e a incorporação das novas práticas educativas propostas a partir do desenvolvimento científico10.

Neste sentido, é imprescindível ter em mente que a saúde ambiental é mais ampla. Além de se pesquisar, por exemplo, poluição da água, ar ou solo e seus efeitos sobre as populações, é fundamental que se considere o ambiente como um todo, do natural ao social, buscando-se trabalhar de forma a ultrapassar as considerações conceituais ou metodológicas baseadas nos métodos epidemiológicos e desenvolver uma metodologia que permita o trabalho nas comunidades.

A educação em saúde e meio ambiente nesse cenário é o instrumento de promoção da saúde que colaboraria na conquista da tão almejada melhoria da qualidade de vida de grupos sociais em situação de risco e da população em geral11.

A partir do exposto, objetivou-se neste artigo realizar uma reflexão sobre a importância da educação em saúde ambiental e da pesquisa nesta área. Para tal, primeiramente, serão apresentadas algumas das principais discussões internacionais no campo ambiental e no setor da saúde que abordam os vínculos existentes entre saúde e meio ambiente, juntamente com alguns dos avanços em nas políticas públicas e na legislação brasileira relacionada ao tema.

Posteriormente, será realizada uma discussão acerca da Educação em Saúde Ambiental como uma importante ferramenta para o empoderamento dos cidadãos. E, em seguida, apresentado e discutido o panorama das pesquisas nacionais sobre a temática.

2 Saúde, meio ambiente e educação: história, políticas públicas e legislação

No começo do século XX, o conceito de saúde era baseado no modelo biomédico, com uma concepção reducionista, estritamente biológica, mecanicista, medicalizadora, hospitalocêntrica, individualista, biologicista e centrado na figura do médico. Realizavam-se ações de disciplinamento das classes populares com difusão de regras de higiene e de condutas morais, adotando o Modelo Tradicional de Educação no campo da saúde, a chamada Educação Sanitária.

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O movimento ambientalista, que passou a ganhar força nos anos 1960 e 1970, contribuiu sobremaneira para a ampliação da compreensão dos problemas ambientais, antes restritos aos aspectos de saneamento e controle de vetores, bem como para a recuperação da dimensão política e social relacionadas a estes.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, teve como um de seus produtos a proposição do conceito de desenvolvimento sustentável, definido como uma modalidade de desenvolvimento sem degradação do meio ambiente, o qual deve suprir as necessidades das gerações atuais, sem comprometer as gerações futuras. Esta Conferência foi o marco inicial da Educação ambiental no âmbito internacional. Nela enfatizou-se a urgente necessidade de se criar novos instrumentos para tratar de problemas ambientais, dentre eles, a Educação Ambiental que passou a receber atenção especial em praticamente todos os fóruns relacionados com a temática do desenvolvimento e meio ambiente.

A Resolução 96 da Conferência de Estocolmo recomendou a Educação Ambiental de caráter interdisciplinar com o objetivo de preparar o ser humano para viver em harmonia com o meio ambiente. Para implementar essa Resolução, a UNESCO e o PNUMA realizaram o Seminário Internacional sobre Educação Ambiental em 1975, na qual foi aprovada a Carta de Belgrado, em que se encontram os elementos básicos para estruturar os programas de educação ambiental em diferentes níveis, nacional, regional ou local.

A caracterização do ambiente como um componente do processo saúde-doença foi apontada pelo Relatório Lalonde, em 1974, publicado pelo Ministério de Bem-Estar e Saúde do Canadá, que aponta o ambiente como um dos grupos explicativos do fenômeno saúde/doença, sendo até hoje um documento de referência para a promoção da saúde. A partir de então, iniciou-se a formação, entre os profissionais de saúde, de uma nova mentalidade, integrando uma abordagem mais holística e a consciência ecológica no trato das questões afeitas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde da população.

As práticas educativas no campo da saúde começaram a realizar-se no sentido de apontar novos rumos, apresentando um deslocamento do paradigma das mudanças comportamentais por meio da informação para o paradigma das ações educativas participativas, interagindo os saberes científico e popular. Sob esse ângulo, a educação para saúde refletiu-se no bojo da promoção da saúde com novas concepções. Dentre os movimentos que tiveram início em 1970, que buscavam romper com a tradição

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autoritária e normalizadora da relação entre os serviços de saúde e a população, destacou-se o movimento da Educação Popular em Saúde.

A Declaração de Alma-Ata para os...

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