Algumas reflexões a respeito da formação de litisconsórcios anômalos

AutorJúlio César Ballerini Silva
CargoMagistrado, mestre em processo civil e professor universitário

Paradigmas processuais de complexidade num ambiente de sincretismo e tempestividade da jurisdição. A evolução doutrinária em relação à formação de litisconsórcios. O instituto litisconsorcial – conceito e classificações – Litisconsórcios anômalos (eventuais) – A questão nas ações de despejo e cobrança, nos alimentos entre pais e avós (avoenga) e sob a perspectiva da desconsideração da personalidade ( disregard act theory ).

INTRODUÇÃO AO TEMA PROPOSTO

Grande tem sido a preocupação dos operadores do ordenamento jurídico, com a questão da efetividade da prestação da atividade jurisdicional, tanto que se dedicou um dos tópicos da Emenda Constitucional nº 45/04, ao chamado tempo razoável de duração do processo, como se observa pela atual redação da norma contida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, criada por tal emenda (pelo óbvio que qualquer Estado moderno somente poderá ser tido como tal, se for capaz de resolver o desafio de solucionar os conflitos intersubjetivos de interesses, que se verificam em número cada vez maior, de modo a conseguir alcançar o carneluttiano escopo de pacificação social inerente ao processo).

E, muito antes da busca por um número cabalístico (com emprego de fórmulas mágicas ou matemáticas(1) para a sua aferição, o que restaria como praticamente impossível ante as peculiaridades e o grande número de incidentes que poderia, de forma hipotética, ocorrer no processo civil) de dias pré-determinados para a realização de atos processuais, o escopo preconizado pela norma em comento não parece ter sido lançar uma regra específica a respeito do tempo processual, mas, como convém a uma liberdade pública (ou fundamental right, na acepção empregada por J. J. Canotilho, em seu conhecido Curso de Direito Constitucional Português), se buscou estabelecer um princípio norteador da mudança de mentalidade que se espera de magistrados, promotores, advogados e, sobretudo, de legisladores.

Isso porque, como parece despontar com singular obviedade franciscana, se uma lei vier a aumentar ou dificultar o trâmite processual, tornando-o mais longo, sem um fator adequado a justificar tal medida (por exemplo, criando-se uma antinomia(2)), a inovação legislativa será reputada como inconstitucional, justamente por colidir com tal orientação programática.

Do mesmo modo, por exemplo, se houver perda injustificável de prazos, ou demora indevida na realização do impulso oficial ou do sentenciamento de processos, poder-se-á invocar o referido princípio constitucional da tempestividade para embasar, por exemplo, a impetração de um mandado de segurança contra tais espécies de atos coatores(3), sem prejuízo, inclusive, das providências inerentes ao cumprimento das obrigações de fazer, inclusive, as do artigo 461 e seus consectários do Código de Processo Civil (até mesmo com imposição de astreintes em face do Poder Público – o que depois deverá ser resolvido em sede de execução por regras próprias do artigo 100 e seus consectários da Constituição Federal).

Mas, fundamentalmente, o que parece estar a ocorrer é uma busca pela ruptura com dogmas formais do processo em geral, como modo de galgar modos mais céleres e práticos de se conseguir a tutela invocada, o que leva a releituras de postulados teóricos até então cristalizados, como forma de se atingir uma interpretação mais consentânea com essas aspirações de efetividade (o propósito sincretista do processo, tem despontado de forma manifesta pelo poder legiferante, como se observa, por exemplo, pela inserção de um parágrafo 7º, no artigo 273 do Código de Processo Civil, passando a admitir a propositura de medidas cautelares no bojo da própria ação em que se busca a tutela que seria tida como principal, restringindo, sobremaneira, a condição da ação interesse de agir, pela falta de necessidade, num grande número de demandas, tornando obsoletas ações cautelares incidentais(4) e em grande parte, ações cautelares preparatórias(5); ou, por exemplo, com as introduções recentes trazidas pela Lei nº 11.232/05, que retiraram o status de ação, da execução de título judicial, tornando-a em fase do processo de conhecimento, ou seja, fase de cumprimento de sentença como se tem pela atual redação do artigo 475 e seus inúmeros consectários do Código de Processo Civil).

Tal sincretismo, aliás, se revela de todo adequado num universo de grande número de demandas, eis que implica em situação de redução sensível do número de demandas, para uma mesma finalidade, com racionalização do uso dos serviços forenses (ao invés de se autuar duas demandas, uma cautelar e outra principal, com duas autuações e dois despachos, duas citações etc., seria de se concluir pela desnecessidade de tal expediente, diante da clareza solar da orientação do artigo 273, par. 7º, CPC, com desnecessidade de propor-se ações cautelares indevidamente, neste contexto, com o que se terá a prática de um número reduzido de atos, o mesmo se dando em relação à execução, em que se poderá intimar eletronicamente(6) o advogado, sem a necessidade de confecção de mandado de citação ou de utilização de Oficial de Justiça para tal mister, liberando os serventuários e juízes para a análise de outros feitos – ou, ainda, através de se instar o Ministério Público e outros entes legitimados, para a propositura de ações coletivas – as class action, correntes no direito anglo-saxâo, no sistema jurídico da Common Law), em situação, ademais, que obedece aos próprios princípios da legalidade e da moralidade dos atos do Poder Público lato sensu (e, aí, obviamente se pode inserir o Poder Judiciário), como decorre da redação da norma contida no artigo 37, caput, da Constituição Federal, o que, obviamente, deve ser sopesado em conjunto com a nova garantia da tempestividade da jurisdição, mencionada linhas atrás (ou seja, o aludido tempo razoável de duração do processo, estabelecido pela norma contida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).

Isso porque, como é cediço, a noção em questão (racionalização do tempo no processo) não chega a ser uma novidade total, posto que, como desponta com clareza solar do advento da norma contida no artigo 125, inciso II do Código de Processo Civil, todo Magistrado cível, por exemplo, já estava adstrito ao dever de velar pela rápida solução do litígio (dogma normativo lastreador, por exemplo, dos princípios da celeridade e economia processuais), não parecendo, ademais, em afinamento com tal perspectiva, que o constituinte apenas tenha pretendido repetir o que já estava definido como um dever legal.

Assim, a idéia de constitucionalizar-se uma tempestividade de jurisdição parece visar justamente uma mudança paradigmática na forma de pensar o processo civil como um todo, deixando-se de analisá-lo como um objeto científico, nas demandas judiciais, para, revendo conceitos já previstos, por essa nova perspectiva, se possa alcançar as supramencionadas aspirações de efetividade do processo enquanto instrumento do direito de ação (nos anseios e auspícios de se alcançar o vem sendo entendido como acesso a uma ordem jurídica justa).

E o tema proposto acima, vem de encontro com tais aspirações, na medida em que, não obstante, no passado, se tenha buscado impor alguns limites à cumulação subjetiva em determinados tipos de demandas, em nome de um tecnicismo processual, tal possibilidade se tem demonstrado como entendimento a ser revisto em consonância com a nova ordem constitucional vigente a esse respeito (como sabido, se litisconsórcios forem estimulados o número de demandas cairá na mesma proporção, permitindo ao Magistrado resolver um número maior de relações jurídicas de modo mais rápido e concentrado, eis que, além de menor o número de atos isso tenderá a se verificar nm menor lapso de tempo, por razões de singular obviedade franciscana).

Como exemplo disso, pode-se destacar que, por exemplo, na metade da década de 1.990, entendimentos doutrinários de relevo, no cenário jurídico pátrio, recomendavam a impossibilidade de formação de alguns tipos de litisconsórcios que se revelariam de grande praticidade nos dias atuais (sob a perspectiva da concentração e aproveitamento de atos processuais).

E, com relação à demonstração do que se alega no que concerne aos entendimentos desta época (pouco mais de uma década), seria de se pedir vênia para transcrever a então opinião do Magistrado Francisco Carlos Rocha de Barros, sobre o tema (afinada, então, com a jurisprudência da época):

"Outra questão interessante diz respeito à possibilidade de incluir-se o fiador no polo passivo da demanda em que se cumula pedido de despejo, com cobrança de aluguel. Em princípio, somos pela resposta negativa, mesmo desconsiderando a dificuldade acima apontada quando se tratar de locação ajustada por escrito. Acontece que o fiador, por não integrar a relação jurídica da locação, é parte francamente ilegítima para figurar com réu na ação de despejo. Admite-se que o fiador integre o pólo passivo da ação de execução ou de cobrança de aluguéis, como co-réu, ou, até mesmo, seja solidariamente acionado pelo locador. Todavia, cumulado o pedido de despejo com cobrança, a regra do artigo 292 do Código de Processo Civil impediria sua inclusão como co-réu, pois só se permite a cumulação num único processo de vários pedidos contra o mesmo réu. Ora, se o fiador não pode ser o réu no pedido de despejo, não poderia figurar como réu na cumulação daquele pedido com o de cobrança. Em favor desse entendimento vale colecionar o Enunuciado n° 13 do Centro de Estudos do 2° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: "Somente contra o locatário é admissível a cumulação do pedido de rescisão da locação com o de cobrança de aluguéis e acessórios"(7). (grifos deste autor).

No entanto, guardadas certas proporções, ou seja, com estrita obediência à técnica processual, parece ser o caso de se começar a rever tais posicionamentos, exigindo-se dos operadores do direito, que admitam tais formações subjetivas nas relações jurídicas...

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