Reexame do Processo Administrativo

AutorÁtila J. Gonzalez/Ernomar Octaviano
Páginas261-291

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1. Jurisdição Administrativa

Importante é analisar-se o aspecto relativo à preponderância das jurisdições civil, penal e administrativa, uma sobre as outras, segundo as ordenações legais e nos casos específicos.

A propósito, é fora de dúvida que a jurisdição penal prepondera, geralmente, sobre a jurisdição civil e a administrativa.

O insigne mestre Francisco Campos, sobre tal hierarquização, preleciona que, “se entre duas autoridades, em igualdade de condições, quanto ao caráter técnico e formal do seu poder jurisdicional, se reconhece a preponderância do Juízo Penal sobre o Civil, sobradas razões existem para que, no caso de coincidência de exercício

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de ambos sobre a mesma questão, o Juízo Penal tenha supremacia sobre a jurisdição administrativa. Esta, com efeito, particularmente nos países como o nosso, que não instituíram o contencioso administrativo; o que se chama jurisdição administrativa só o é lato sensu, ou não reúne os caracteres formais e técnicos que configuram o poder jurisdicional propriamente dito, ou stricto sensu. Embora a administração adote essa pseudomorfose do poder jurisdicional, um processo semelhante ao processo judicial, ou um processo que se poderia denominar de quase judicial, por semelhantes na forma, mas sem equivalência quanto aos efeitos, o que se exerce é uma atividade administrativa pura e simples, apesar de revestir-se o seu desenvolvimento de formalidades tomadas de empréstimo ao processo judicial propriamente dito ou de caráter tecnicamente ou formalmente judicial.

Quando a administração pratica essa atividade de aparência jurisdicional, ela está exercendo efetivamente o mesmo poder administrativo que ordinariamente costuma exercitar por outras formas, métodos ou processos. E seja qual for a forma de que se revista a ação administrativa, ou a comum ou ordinária, ou a pseudojurisdicional, o ato em que ela se traduz é simplesmente um ato administrativo, sujeito não só à censura da jurisdição penal, como à da jurisdição civil” (Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1958, vol. II, pág. 367).

Eis por que todas as formalidades legais próprias ao processo administrativo devem ser rigorosamente observadas quando da apuração de fatos graves ocorrentes no campo do serviço público.

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É que as averiguações, normalmente exercidas pelas comissões de processo, acabam, muitas vezes, por se decidir no Judiciário, que, não raro, faz por anular todo o trabalho do Executivo, em franco desprestígio à Administração e aos seus serviços, estimulando, ademais, a provocação de novas controvérsias.

2. Instância Administrativa

Existem, também, no Poder Executivo e, consequentemente, na Administração, várias instâncias, ou seja, autoridades que, obedecendo a uma hierarquia e segundo atribuições da lei, se acham incumbidas de receber os pedidos, atendendo aos administrados, dando guarida ao seu direito legal de petição.

Assim, cada um dos diferentes graus de hierarquia, ao qual o interessado encaminha o seu petitório, consubstancia uma instância administrativa. Destarte, sempre que se encaminha um pedido à autoridade hierarquicamente imediata, diz-se que este foi dirigido à instância administrativa superior.

Não há necessidade, segundo têm entendido os Tribunais, de exaurimento da instância administrativa para se ingressar na via judicial.

Acrescenta-se finalmente que “a instância administrativa se inicia pelo exercício em primeiro grau, para reexame do ato anterior, ou em segundo grau, para reexame de despacho, quando havido este, pelo administrado, como insatisfatório. Finda-se no último grau que, por lei ou

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regulamento, se defina” (Fernando H. Mendes de Almeida, Noções de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 1956, pág. 210).

3. Recurso Administrativo

O servidor punido em processo administrativo disciplinar poderá valer-se do instituto legal do recurso para provocar o reexame dos autos, buscando, assim, a atenuação ou mesmo a anulação da pena que lhe foi oficialmente imposta.

Com efeito, a legislação confere-lhe esse importante direito e a Administração é competente para reformar, por meio dos atos próprios, todas as decisões eventualmente proferidas, inclusive as de natureza processual.

O recurso, que deverá ser feito sempre por meio de petição escrita, tanto poderá ser dirigido diretamente à autoridade superior àquela que julgou o processo, como a esta mesma autoridade, caso em que toma o nome especial de pedido de reconsideração.

O pedido de reconsideração, porque dirigido à própria autoridade que decidiu o processo, há de fundar-se, obrigatoriamente, na apresentação de argumentos novos, no intuito de formar no julgador uma convicção diversa da anterior, em que se fundou para proferir o decisório final.

Os pedidos de reconsideração que não contenham esses novos elementos deverão ser arquivados sumariamente. Claro está que à falta deles a autoridade iria manter

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a decisão firmada no julgamento anterior, importando o pedido numa absoluta perda de tempo administrativo.

Há, por isso, legislações reguladoras do direito de recorrer que não preveem a possibilidade do pedido de reconsideração por parte do servidor punido, definindo que o primeiro meio legal a ser utilizado pelo interessado para intentar a reforma da decisão proferida em processo administrativo é, desde logo, o recurso.

O recurso hierárquico será sempre encaminhado à autoridade imediatamente superior àquela que julgou o processo, não necessitando, por isso, conter argumentos novos, já que essa autoridade, por desconhecer os fatos constantes dos autos, poderá ter a respeito deles uma opinião diversa da que teve quem os julgou em primeira instância administrativa.

Observa Hely que, no recurso hierárquico, “a Administração tem ampla liberdade decisória, podendo reformar o ato recorrido além do pedido ou, mesmo, agravar a situação do recorrente (reformatio in pejus). Esse poder deflui dos próprios caracteres da hierarquia e de sua finalidade corretiva dos atos inferiores ilegítimos ou inconvenientes, que cheguem por qualquer via ao conhecimento da autoridade superior, antes de se tornarem definitivos e imodificáveis segundo as regras pertinentes do direito público, ou seja, antes da preclusão administrativa” (op. cit., pág. 678).

Ensina, ainda, o saudoso mestre que, em razão dos princípios constitucionais da ampla defesa, é conveniente que, antes da adoção de uma decisão mais rigorosa, a

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autoridade, além de apontar seus motivos para adotá-la, conceda ao recorrente condições de se manifestar sobre elas, no caso específico.

Enfim, a reforma do julgamento em prejuízo do recorrente só pode acontecer caso a autoridade, julgadora tenha subestimado manifestamente a pena ante a gravidade da falta, beneficiando, por assim dizer, o infrator, via decisão com conotações injurídicas.

Na hipótese, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade justificariam a medida, vez que fazer justiça é aplicar a pena com o maior equilíbrio possível em relação ao fato disciplinar devidamente apurado em processo.

Os recursos administrativos podem suceder-se, em todas as instâncias administrativas, até a última delas, onde se exaure a possibilidade de reexame da decisão, que passa a ser definitiva. Ocorreu, no caso, a chamada coisa julgada administrativa, expressão tecnicamente questionada, mas extremamente didática, para fins de compreensão.

O recurso hierárquico (repita-se) será sempre encaminhado à autoridade imediatamente superior àquela que julgou o processo, não necessitando, por isso, conter argumentos novos, já que essa autoridade, por desconhecer os fatos constantes dos autos, poderá ter a respeito deles uma opinião diversa da que teve quem os julgou em primeira instância administrativa.

Observe-se que não é necessário o exercício do pedido de reconsideração para a interposição do recurso hierárquico. Ambos são remédios legais absolutamente independentes, salvo se a lei dispuser em contrário.

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“O pedido de reconsideração e o recurso, quando cabíveis, determinam o reexame dos autos e o pronunciamento circunstanciado das autoridades competentes sobre cada um dos argumentos expedidos na petição. Nessa fase do processo não é cabível a repetição de feito com reinquirições ou diligências, pois não é caso que requeira o trabalho de uma comissão; tão somente se procede ao reestudo dos autos, com especial atenção aos pontos focalizados pelo recorrente” (Alberto Bonfim, op. cit., pág. 31).

Ao decidir o pedido de reconsideração ou o recurso hierárquico, a autoridade poderá provê-los total ou parcialmente, justificando devidamente as razões da anulação ou a atenuação da pena imposta ao servidor recorrente, ao mesmo tempo em que determinará as medidas administrativas a serem tomadas após essa nova decisão. O agravamento da pena só poderá ocorrer excepcionalmente.

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MODELO DE PETIÇÃO SOLICITANDO RECONSIDERAÇÃO DO JULGAMENTO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Exmo. Sr. (nome do cargo da autoridade que julgou o processo).

(Nome do recorrente, cargo que exerce ou exercia), tendo sofrido o processo administrativo disciplinar nº _______ / _______ da (repartição) e havendo sido punido com a pena de (indicar a pena imposta), conforme publicação de _______ de _______ de _______ inserta no
(indicar o órgão da publicação), à pág. _______, em decisão proferida
por V. Exa., mui respeitosamente e nos termos do (indicar legislação que autoriza o pedido) requer a V. Exa. a competente reconsideração daquele julgamento, à vista dos seguintes novos argumentos ora aduzidos:

1 – (fundamentar os novos motivos que justificam o pedido)

Espera o recorrente que os elementos novos...

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