Redistribuição ou reconhecimento 15 anos depois. Um balanço do debate entre Nancy Fraser e Axel Honneth e de sua repercussão no Brasil

AutorLuiz Gustavo da Cunha de Souza
CargoProfessor de Sociologia e Teoria Sociológica no Departameto de Sociologia e Ciência Política na UFSC
Páginas118-155
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p118/
118118 – 155
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Redistribuição ou reconhecimento
15 anos depois. Um balanço do debate
entre Nancy Fraser e Axel Honneth e
de sua repercussão no Brasil1
Luiz Gustavo da Cunha de Souza2
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir como os projetos intelectuais de Fraser e Honneth seguiram vias
diversas após o debate que ambos publicaram em 2003 e como estas vias podem ser apropriadas
pela teoria social feita no Brasil. Se no momento da discussão, tanto Fraser quanto Honneth pro-
curaram demonstrar a maior adequação de suas respectivas teorias para a análise das lutas sociais
e a possibilidade de uma apropriação deu seus modelos pelos movimentos sociais, de modo que
o caráter político do debate fosse expresso na forma como movimentos sociais, remeteriam aos
termos redistribuição e/ou reconhecimento (I); e, ao longo dos últimos, ambos mudaram o foco
de suas análises para um entendimento do próprio sistema capitalista, chegando a concepções
alteradas da dinâmica de conitos sociais (II). Na medida em que este potencial analítico mediou
sua recepção no Brasil, isso implica, anal, novas formas de apropriação e diálogo com as ideias
de Fraser e Honneth (III).
Palavras-chave: Redistribuição. Reconhecimento. Conitos Sociais. Capitalismo. Recepção no
Brasil.
1 Agradeço à ou ao parecerista anônimo pelos apontamentos críticos e correções. Além disso, trechos desse
artigo foram apresentados no 18° Congresso Brasileiro de Sociologia e no XIV Encontro da BRASA, de modo
que agradeço aos comentários e sugestões feitos por colegas nessas ocasiões. Por fim, mas talvez mais
importante, muitas das ideias da seção final do artigo puderam ser discutidas com as e os colegas do Grupo
de Estudos de Teoria Crítica da UFSC, a quem também agradeço, e particularmente com Franciele Petry, a
quem agradeço especialmente.
2 Professor de Sociologia e Teoria Sociológica no Departameto de Sociologia e Ciência Política na UFSC.
Contato: gustavo.cunha.s@ufsc.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018
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Introdução
Passados 15 anos do debate entre Nancy Fraser e Axel Honneth, um
balanço de seus efeitos sobre o desdobramento da obra de cada um deles
parece, à primeira vista, resultar negativo. Isso porque, a despeito de terem
modicado seus modelos de teoria após o debate, essas mudanças não fo-
ram na direção de uma aproximação à posição oposta, e sim em direção à
correção de outras fraquezas apontadas em seus respectivos modelos3. Tan-
to uma quanto o outro não incorporaram de modo substancial as críticas
recebidas e, de modo mais geral, desenvolveram seus respectivos modelos
em direções que devem pouco àquilo que discutiram em conjunto (FRA-
SER; HONNETH, 2003). Assim, Fraser não parece ter se importado em
responder à crítica de que seu modelo de teoria não conecta propriamen-
te a crítica transcendente a um momento de investigação imanente das
normas sociais (HONNETH, 2003b, p. 244), mas sim em apresentar o
capitalismo como uma ordem social institucional (FRASER; JAEGGI,
2018, p. 2). Do mesmo modo, Honneth não parece ter se abalado com a
acusação de que sua teoria possuiria pouco apelo crítico (FRASER, 2003b,
p. 211) e preferiu continuar com a formulação de uma teoria da justiça ba-
seada na reconstrução dos valores e ideais socialmente institucionalizados
na interação (HONNETH, 2011, p. 17).
No entanto, quando se observa o debate a partir de seus aspectos me-
nos dialógicos, ao menos três dimensões parecem lhe ser constitutivas. Em
primeiro lugar, a mencionada avaliação dos respectivos modelos de Fraser
e Honneth (2003, p. 4) serve ao propósito de cada um deles de construir
uma teoria normativa do capitalismo na qual losoa moral, teoria social e
análise política se conectem. Em segundo lugar, e como uma consequência
do primeiro ponto, ambos aspiram a que seus modelos teóricos não ape-
nas ofereçam uma melhor caracterização do capitalismo, mas também se
prestem a uma melhor tradução ou apropriação por parte das lutas sociais
(FRASER, 2003a, p. 11; HONNETH, 2003a, p. 113). Em terceiro lugar,
ambos pretendem desenvolver seus respectivos modelos como herdeiros
da tradição de pensamento da Teoria Crítica da sociedade – ainda que
3 Um bom exemplo destas mudanças é a discussão realizada por Honneth a respeito da esfera do amor. Ver a
este respeito o texto de Patrícia Mattos (2018), neste dossiê.
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seus respectivos entendimentos acerca dessa tradição sejam ligeiramen-
te diferentes (FRASER, 2003b, p. 199; HONNETH, 2003a, p. 111).
O que se pretende argumentar aqui é que, a despeito da pouca inuência
que recíproca exercida, os desdobramentos dos modelos de Fraser e Hon-
neth se dirigem, cada um à sua maneira, à tentativa de caracterizar mais
profundamente o capitalismo contemporâneo. Nesse sentido, as críticas
recebidas por uma e por outro parecem, ao menos, ter despertado a inten-
ção de complementar aquela intenção original de apresentar uma teoria
normativa do capitalismo a partir das lutas sociais com a adição de uma
dimensão sistêmica à caracterização deste modo de produção. Assim ca
claro, também, que a referência central de ambos os autores à Teoria Críti-
ca da sociedade é menos interessada em resguardar semelhanças analíticas
com esta tradição de pensamento do que em realizar um empreendimento,
em linhas gerais, crítico da sociedade presente. Por isso, então, este artigo
irá focar majoritariamente nos dois primeiros pontos do debate, isto é, na
construção de uma teoria normativa do capitalismo contemporâneo e nos
modelos de crítica interna construídos por Fraser e por Honneth.
Isso não signica que tratar da Teoria Crítica seja desimportante, mas
que uma discussão adequada sobre sua reconstrução por Fraser e Honneth
demandaria uma análise desta corrente de pensamento que ultrapassa a
pretensão deste artigo. Além disso, a reivindicação de uma herança da Te-
oria Crítica parece tão somente um pano de fundo ao qual Fraser e Hon-
neth remetem de modo abstrato e descontínuo. A este respeito, cabe notar,
ambos dão muito menos atenção à herança da e ao diálogo com a Teoria
Crítica da sociedade do que as leituras exegéticas tendem a considerar im-
portante (FREYENHAGEN, 2017). A exegese – ou reatualização – a par-
tir dos elementos legados pelo modelo de uma Teoria Crítica da sociedade
exposto por Max Horkheimer nos anos 1930 parece, de fato, desempenhar
um papel puramente nominal nos esforços de Fraser e Honneth, já que a
primeira adota uma denição ampla de Teoria Crítica como “o autoes-
clarecimento acerca das lutas e desejos de uma época” (FRASER, 1985,
p. 97), enquanto o alemão aborda essa tradição a partir da herança do he-
gelianismo de esquerda. O que ambos compartilham, de fato, é a ideia de
que o projeto de reatualização da Teoria Crítica se desdobra em três outros
eixos que se ligam àquelas duas dimensões mencionadas anteriormente, a

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