Recusa abusiva dos Naming Rights: tríplice dimensionalidade dos conflitos de interesses

AutorLeonardo Fernandes dos Anjos - André Cavalcanti Cabral - Igor de Lucena Mascarenhas
Páginas37-52
Recusa abusiva dos Naming Rights: tríplice
dimensionalidade dos conflitos de interesses
Leonardo Fernandes dos Anjos
1
André Cavalcanti Cabral
2
Igor de Lucena Mascarenhas
3
1. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal, em cotutela com a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre
em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba. Investigador da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal – FCT/MCT.
Pesquisador do Public Procurement Research Group (PPRG) na University of Nottingham School of Law. Professor de Direito, Advogado.
2. Doutor em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Paraíba, Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal
da Paraíba, Professor da Universidade Federal da Paraíba, Professor do Centro Universitário de João Pessoa.
3. Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia Flósculo da Nóbrega – ESAPB, Mestrando em Direito Econômico
pela Universidade Federal da Paraíba.
4. MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stephane. Análise Econômica do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 332.
5. Neste conceito estamos trabalhando a regra geral do Mercado capitalista, excluindo empresas públicas e sociedades de economia mista
que podem buscar objetivos outros que não o lucro, como a maximização da utilidade social ou ser utilizado como instrumento de política
pública ou de governo, como ocorre com os bancos públicos que subsidiam empréstimos para pequenos empreendedores, por exemplo.
6. GASTOS COM PUBLICIDADE NO BRASIL CRESCEM 8% EM 2014, PARA R$ 121 BI. Disponível em: -
dia-e-marketing/noticia/2015/03/gastos-com-publicidade-no-brasil-crescem-8-em-2014-para-r-121-bi.html>. Acesso em: 27 jun. 2015.
7. Extraídos do sítio institucional do IPEA. Disponível em: .ipea.gov.br/portal/>. Acesso em: 27 jun. 2015.
8. Ian Blackshaw aponta para o caso de uma empresa do ramo bancário que poderá deter a exclusividade de caixas automáticos na arena,
enquanto que uma empresa do ramo de bebidas poderia deter a exclusividade no seu setor de atuação. Cf. BLACKSHAW, Ian. Corporate
Naming Rights. The international Sports Law Journal. n. 1-5, p.36, 2002 e PEARSON, Geoff. Dirty Trix at Euro 2008: Brand Protection,
Ambush Marketing and Intellectual Property Theft at the European Football Championships. ESLJ, v. 10, p. 1, 2012.
1. PROLEGÔMENOS ACERCA DA QUESTÃO DOS
NAMING RIGHTS
A princípio, a pessoa jurídica é uma ficção criada pe-
lo homem como forma de possibilitar a dinâmica troca de
bens e serviços. Em que pese ser uma ficção jurídica e ins-
trumento para promover a circulação de riquezas, como
forma de viabilizar a sua atuação, o ordenamento garantiu
a proteção de direitos à pessoa jurídica. Neste sentido, a
proteção à marca, por ser um dos maiores aspectos de exte-
riorização da pessoa jurídica, merece especial tutela legal.
A marca é uma forma de sinalização empresarial, incutindo
a noção de qualidade ao produto transacionado4.
Resta claro que o reconhecimento de direitos à pessoa ju-
rídica não pode obedecer a um viés jusnaturalista, uma vez
que é imprescindível o reconhecimento legal de tais direitos.
No âmbito da legislação brasileira, o art. 52 do Código Civil é
categórico neste sentido, ao dispor que “Aplica-se às pessoas
jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personali-
dade”. Logo, o ordenamento brasileiro reconhece que a pessoa
jurídica tem direitos da personalidade, ressalvada a sua pecu-
liar condição. Deste modo, direitos como vida, liberdade de
ir e vir ou de ordem familiar são excluídos do rol de direitos
da pessoa jurídica em razão da flagrante impossibilidade de
ordem técnica.
O objetivo principal da pessoa jurídica5 que empreen-
de no mercado é maximização do lucro, decorrente do
crescimento das vendas a um menor custo de produção
possível. Com tal intuito, muitas empresas investem ma-
ciçamente em Pesquisa e Desenvolvimento, objetivando
inovar a produção e, sobretudo, reduzir os custos e/ou au-
mentar a produtividade. Ao abrigo da liberdade de inicia-
tiva inerente a essas atividades produtivas, a publicidade e
o marketing também são formas de alavancar as vendas e,
consequentemente, aumentar o lucro.
Apenas a título comparativo, segundo dados do Retros-
pectiva e Perspectivas do Ibope Media, o crescimento do
gasto com publicidade e marketing no Brasil cresceu 8% no
ano de 2014 em relação a 20136, enquanto que o PIB brasi-
leiro, segundo dados disponibilizados pelo Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada – IPEA, cresceu apenas 0,1%.7
Neste contexto, os naming rights no âmbito esportivo
apresentam-se como um promissor mercado publicitário a
ser explorado pelas entidades envolvidas no desporto como
atividade econômica, podendo representar uma verdadeira
fonte de renda para clubes e equipes esportivas, ao passo
que é uma alternativa de divulgação da marca para determi-
nado público alvo, além de viabilizar uma série de benesses
que poderão ser negociadas no contrato8.
Os naming rights poderiam ser conceituados como um
negócio de finalidade publicitária que se perfaz a partir de
um contrato de cessão onerosa ou gratuita de uso do nome,
em que a pessoa, geralmente jurídica, atribui uma de suas
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Direito econômico Desportivo
Felipe Augusto Loschi Crisafulli Leonardo Fernandes dos Anjos
marcas a determinada estrutura física (estádio, escola,
ruas, casas de espetáculo, edifícios privados) ou agrega uma
marca a outra já consolidada, como ocorre com campeonatos
esportivos. Trata-se de um mecanismo que pode servir como
relevantes mecanismos de fomento para as atividades econô-
micas realizadas por entidades desportivas.
Todavia, diferentemente do que ocorre em outros países,
como Estados Unidos, Alemanha, Portugal e Itália, o Bra-
sil vive uma verdadeira restrição desse direito, uma vez que
determinada empresa detentora de posição dominante no
mercado de comunicação tem reiteradamente se recusado a
citar os naming rights e ainda manipulado a informação, re-
nomeando marcas e equipes esportivas.
Essa conduta pode resultar em conflitos de interesses de
três dimensões: a) um, no âmbito dos interesses privados,
qual seja, entre a liberdade de informar, inerente aos conglo-
merados de informação, e o direito à proteção da marca, a ser
tratado na primeira parte deste estudo; b) outro, no âmbito
do interesse social, uma vez que a veracidade da informação
narrada e sua continência constituem requisitos indispensá-
veis para a realização e o desenvolvimento de negócios ju-
rídicos não eivados por erros que prejudicariam e trariam
insegurança para toda a sociedade, a ser tratado na segunda
parte do estudo; e c) outro, no âmbito dos interesses difusos
da coletivididade, uma vez que pode afetar a livre concor-
rência do mercado publicitário relacionado ao desporto, que
será tratado na última parte desse trabalho.
2. PARTE I: O CONFLITO ENTRE OS INTERESSES
INDIVIDUAIS DOS AGENTES ECONÔMICOS
2.1. A Violação à Autodenominação
9. CIFUENTES, C. A. et al. Construcción de marcas, una forma de competir. Innovar, v. 16, n. 27, ene.-jun. 2006.
10. Coluna que busca indicar qual a área de atuação da equipe ou uso dominante do espaço.
11. DICIONÁRIO DA GLOBO. VEJA COMO FICAM NOMES DE TIMES E ESTÁDIOS MODIFICADOS. Disponível em:
blogosfera.uol.com.br/2015/05/12/dicionario-da-globo-veja-como-ficam-nomes-de-times-e-estadios-modificados/>. Acesso em: 25 set. 2015.
Diferentemente do que ocorre com as pessoas naturais,
um dos principais atributos da pessoa jurídica é a possibi-
lidade de criar marcas que busquem garantir uma visibili-
dade social. A marca possui um papel de protagonista, pois
viabiliza a conquista de mercado e representa um valoroso
ativo intangível9.
Logo, é direito do empresário criar e registrar marcas,
ressalvadas as impossibilidades técnicas e/ou legais, de
acordo com a sua imaginação. Uma vez registrada, cria-se
uma identidade entre a marca e o produto, ligação esta que
não pode ser quebrada pela mídia.
Ora, uma das principais vantagens da pessoa jurídica
e das marcas é a possibilidade de autonominação, dife-
rentemente do que ocorre com a pessoa física, que é he-
teronominada. As novas “marcas” criadas e novos nomes
apresentados não possuem correspondência no mundo
real, sobretudo os nomes apresentados no quadro 2, uma
vez que eles não existem. Não há nenhuma Arena Palmei-
ras ou Equipe RBR. Deste modo, a atuação da mídia re-
presenta um cerceamento dessa liberdade, pois imputa um
nome a quem não se vê reconhecido como tal.
Se atualmente já se admite que a pessoa física seja reconhe-
cida pelo nome social, ainda que outro nome conste oficial-
mente, mais danosa é a conduta de quem possui o nome oficial
e se vê como tal, porém este não é respeitado. O nome retratado
pela mídia não representa o nome da marca, de forma que a
informação veiculada pode ser considerada uma farsa.
Sob esse prisma marcário, a situação enfrentada no âm-
bito brasileiro é temerária. A partir da análise do quadro
abaixo, é possível verificar como os naming rights são en-
carados no Brasil, sobretudo na Televisão Aberta:
Quadro 1 – Exemplos de Supressão de naming rights e sua exposição no Brasil
NOME OFICIAL NOME VEICULADO ESPORTE10
Itaipava Arena Pernambuco Arena Pernambuco Futebol
Itaipava Arena Fonte Nova Arena Fonte Nova Futebol
Camponesa/Minas Minas Voleibol
Copa Santander Libertadores
(2008-2012) Copa Libertadores da América Futebol
Copa Bridgestone Libertadores
(2013-2015) Copa Libertadores da América Futebol
Copa Toyota Libertadores
(1998-2007) Copa Libertadores da América Futebol
Fonte: Sítio do UOL11

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