A lei dos recursos repetitivos e os princípios do direito processual civil brasileiro

AutorCristiana Hamdar Ribeiro
CargoBacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Advogada no Rio de Janeiro.
Páginas616-700

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Introdução

No dia 09 de maio de 2008, foi Publicada a Lei 11.672/08, que introduziu o artigo 543-C, e parágrafos, no Código de Processo Civil, que versam sobre o julgamento dos recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cuja vigência se deu a partir do dia 08/08/2008, sendo esta Lei aplicada aos processos já em trâmite quando de sua entrada em vigor.

A referida Lei foi, inicialmente, regulamentada pela Resolução de nº 07 do STJ, a qual, por sua vez, foi substituída, antes mesmo de entrar em vigor, pela Resolução de nº 08 do STJ, esta em vigência atualmente.

Busca a Lei dos Recursos Repetitivos implementar maior celeridade na tramitação dos Recursos Especiais que versem sobre a mesma questão de direito, objetivo este efetivado pela análise de alguns Recursos Especiais, escolhidos como paradigmas, nos quais, após a verificação da questão de direito, será proferida decisão com o intuito de uniformizar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, sendo este entendimento aplicado aos demais processos os quais restaram sobrestados nos Tribunais, aguardando o julgamento do 'Recurso Piloto'.

A inspiração para a elaboração da Lei 11.672/08 adveio da Lei que regulamentou a Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários (Lei 11.418/06), visando, da mesma forma que esta, a redução da quantidade de Recursos a serem julgados pelo STJ, por meio da introdução de um sistema seletivo de Recursos Especiais que versem sobre a mesma questão de direito.

Não se pode olvidar, contudo, que a Lei dos Recursos Repetitivos foi fortemente influenciada pelo Direito Alienígena, em especial no Direito Alemão (Musterverfahren), o qual instituiu o julgamento de processos que versassem sobre problemas no que diz respeito ao Mercado de Capitais, processos estes repetitivos, visando uma maior celeridade na resolução de tais demandas. Page 617

O que se infere pela análise da Lei dos Recursos Repetitivos, é que a mesma foi elaborada durante a terceira fase de reforma do CPC, na qual visa-se reduzir o número de processos em trâmite nos tribunais, especialmente no que diz respeito ao Superior Tribunal de Justiça, cuja apreciação e julgamento estão cada vez mais longe de serem realizados em virtude da grande, e crescente, demanda, existente no Poder Judiciário Brasileiro, agravada pelo costume e simpatia pela prática de recorrer de todas as decisões proferidas, o eterno inconformismo, que é notoriamente conhecido.

Resta saber, contudo, qual o alcance prático da referida Lei, se a mesma concretizou os objetivos visados em sua exposição de motivos, ou se não logrou êxito em suas pretensões, não apenas em virtude da implementação pura da Lei, mas também pela instabilidade das decisões do STJ, cujo entendimento jurisprudencial é modificado constantemente, principalmente pela alteração dos próprios membros da Corte.

A análise, e o estudo crítico, da Lei 11.672/08, e das conseqüências de sua implementação em nosso sistema, é o que se pretende com o presente estudo, que se baseará na pesquisa doutrinária e jurisprudencial, bem como na análise da prática forense e das inovações legislativas que surgirem durante o curso da elaboração deste estudo, contrastado tais aspectos com os princípios informadores do Direito Processual Civil Brasileiro.

1. O processo de reforma do código de processo civil

Para que se entenda o intuito do legislador quando da edição da Lei 11.672/08, objeto deste estudo, necessária se faz a análise do contexto no qual a mesma restou inserida, qual seja, a terceira, e atual, fase da reforma do Código de Processo Civil, e, para tanto, é imperioso que se faça um breve relato sobre a edição do Código, bem como acerca das fases reformistas anteriores à presente.

O Código de Processo Civil atual, Lei 5.869 de 11/01/1973, foi editado, seguindo fielmente a visão da doutrina tradicional brasileira de sua época, para substituir o CPC de Page 618 1939, mantendo, contudo, os mesmos princípios previstos neste. Ainda assim, mesmo durante a vacatio legis do referido Digesto Processual, que somente entrou em vigor em 01/01/1974, o mesmo começou a ser remodelado pela edição de Leis (Lei 6.014/73 e Lei 6.071/74), que visavam alterar seu texto legal recém escrito e já em discrepância com a realidade prático-jurídica da época.

Entretanto, foi com a edição da Constituição Federal em 1988 que, efetivamente, as reformas do CPC tiveram verdadeiro início, vez que os alicerces constitucionais eram outros, baseados no Estado Democrático de Direito, nas garantias dos direitos fundamentais e nos princípios constitucionais que, indubitavelmente, romperam com a conjuntura política e jurídica anterior, eis que absolutamente diferentes dos fundamentos do CPC, quando de sua edição em 1973.

Dúvidas não haviam quanto à distância entre as regras processuais existentes e a realidade da prática forense, bem como dos anseios sociais, urgindo, desta forma, que fossem revistos certas normas e conceitos, sendo feita uma reforma do sistema processual brasileiro no sentido de tornar mais próximo e efetivo o ideal de uma ordem jurídica justa, base do Estado Democrático de Direito que passou a vigorar no Brasil com a Carta Magna de 1988, extirpando os óbices à celeridade e eficiência na produção de resultados.

Diante disto, na medida em que a crise na credibilidade do Poder Judiciário era gritante, principalmente em virtude do "enferrujado e liberal sistema processual de 1973" 1, o novo modelo de Estado, o Estado Social, Intervencionista, cujas ações são consubstanciadas em prol da realização da igualdade material e da efetivação dos direitos e garantias fundamentais, previstos no texto constitucional, não lograria êxito em manter a paz social sem que fosse feita a reforma no texto processual.

1.1. A primeira fase da reforma

A primeira fase da reforma não pretendeu implementar um novo Código de Processo Civil, mas promover pequenas reformas pontuais. Teve, desta forma, como escopo, a facilitação do acesso à justiça, à ordem jurídica justa, e a implementação da Page 619 adequada e tempestiva tutela dos direitos, preocupada com a concretude da prestação jurisdicional, reflexos estes não apenas trazidos pela vida moderna, mas principalmente pela repressão sofrida pela sociedade nos anos anteriores, durante o Regime Militar.

São exemplos da elaboração legislativa desta fase, as seguintes Leis: 8.455/92, que simplificou a produção da prova pericial, separando os prazos do perito e do assistente técnico para a apresentação do laudo e do parecer, sendo dispensada a intimação deste para tanto, visando implementar a celeridade processual; 8.710/93, que dispôs sobre a prioridade da utilização da via postal para a citação do Réu; 8.898/94, que permitiu que a liquidação de sentença fosse feita por cálculo do próprio advogado da parte credora, extirpando de nosso ordenamento jurídico a liquidação de sentença por cálculo do contador; 8.950/94, referente aos recursos especial e extraordinário; 8.038/90, que alterou o sistema recursal de diversas formas; 8.951/94, que simplificou o procedimento nas ações de usucapião e de consignação em pagamento; 8.952/94, que ampliou os poderes do juiz e diversos aspectos; 8.953/94, que ampliou o rol dos títulos executivos extrajudiciais, visando a transação das partes quanto a objeto mais amplo do que a lide, ampliando, desta forma, o objeto do processo; 9.139/95, que modificou as regras concernentes ao Agravo 2.

A despeito de algumas alterações ocorridas neste período, é afirmado que esta fase constituiu uma etapa de inovações revolucionárias, em certos pontos, isto...

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