Recursos no Processo do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas827-993

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1a Parte - Teoria Geral dos Recursos Trabalhistas
1.1. Dos recursos — conceito, fundamentos e natureza jurídica

O Código de Processo Civil brasileiro não nos dá o conceito de recurso, apenas no art. 496 diz quais são as espécies de recursos cabíveis no âmbito do Processo Civil1. Tampouco a Consolidação das Leis do Trabalho define o conceito de recurso (art. 893 da CLT2).

Como a Lei não define o conceito de recurso, esta árdua tarefa cabe à doutrina.

O termo recurso vem do latim recursus, que significa andar para trás, retorno, reapreciação.

Para José Carlos Barbosa Moreira3, “pode-se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial a que se impugna. Atente-se bem: dentro do mesmo processo, não necessariamente dentro dos mesmos autos”.

Ensina Nelson Nery Junior4: “Recurso é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”.

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Conforme as definições dos mestres Barbosa Moreira e Nery Júnior, os recursos se destinam, dentro da mesma relação jurídica processual, à anulação, nos casos em que a decisão contém um vício processual, à reforma, quando visa à alteração do mérito da decisão, ou à integração ou aclaramento, quando a prestação jurisdicional não foi completa, ou está obscura ou contraditória.

Existem duas correntes sobre a natureza jurídica dos recursos. Uma que assevera ser o recurso ação autônoma de impugnação da decisão, e outra, como um meio de impugnação dentro da própria relação jurídica processual.

Diante da sistemática do Direito Processual Civil brasileiro, os recursos não constituem meio de impugnação autônomo, mas sim instrumento de impugnação da decisão dentro da mesma relação jurídico-processual em que foi prolatada a decisão, pois pressupõe a lide pendente na qual ainda não se formou a coisa julgada.

Nesse sentido, relevante destacar as conclusões de Carlos Henrique Bezerra Leite5:

  1. recurso constitui corolário, prolongamento, do exercício do direito de ação; b) essa concepção é aplicável tanto no processo comum quanto no trabalhista.

No mesmo diapasão, argumenta Manoel Antonio Teixeira Filho6:

“O recurso, enfim, não é uma ação autônoma; é um direito subjetivo, que se encontra implícito no direito público, também subjetivo e constitucional, que é o de ação. Está certa a doutrina quando, sob outro ângulo óptico, vê no recurso um ônus processual, visto que, em verdade, para que a parte obtenha a desejada reforma ou anulação de decisão desfavorável, há necessidade de que tome a iniciativa de exercer a pretensão recursória; se não o fizer, a sua sujeição à coisa julgada, como qualidade da sentença, será inevitável, ressalvada a hipótese de remessa obrigatória, quando for o caso (Decreto-lei n. 779/69).”

De outro lado, os recursos constituem também uma forma de controle dos atos jurisdicionais pelas instâncias superiores.

A doutrina costuma apontar como fundamentos dos recursos: a) aprimoramento das decisões judiciais; b) inconformismo da parte vencida; e c) falibilidade humana.

Como bem adverte Wagner D. Giglio7, “o juiz, como todo ser humano, está sujeito a falhas: pode errar, enganar-se, julgar mal. E de fato erra, por vezes. A sociedade não o ignora, e por isso ninguém se satisfaz, psicologicamente, com um único julgamento, preferindo acreditar num erro judiciário, em vez de admitir que não tinha razão, para preservar o próprio amor”.

Com a possibilidade dos recursos, principalmente os juízes de primeiro grau e os mais novos irão se esmerar e cada vez mais aprimorar suas decisões. Além disso, os recur-sos serão apreciados por juízes mais experientes e também em composição colegiada.

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Por outro lado, nem sempre as decisões de segunda instância têm maior justiça que as decisões de primeiro grau. Para alguns, a justiça de primeiro grau é mais justa, pois o juiz de primeira instância teve contato com as partes, viveu na pele o problema. O juiz de segunda instância está mais distante.

O inconformismo, colocado pela doutrina como fundamento dos recursos, talvez seja um dos argumentos mais contundentes para justificar a existência dos recursos, pois dificilmente alguém se conforma com uma decisão desfavorável. É da própria condição humana buscar impor os próprios argumentos e tentar reverter uma decisão desfavorável.

Por derradeiro, acreditamos que o argumento mais forte a justificar a existência dos recursos é a falibilidade humana, pois os juízes, como homens, estão sujeitos a erros, que podem ser corrigidos pelo recurso, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a quantidade de serviços muitas vezes impede que o juiz proceda a uma refiexão mais detalhada sobre o processo.

Não obstante, a possibilidade de falhas também acontece nas instâncias superiores, e muitas vezes estes erros são mais nocivos ao jurisdicionado, pois as chances de correção são reduzidas.

Como bem adverte Manoel Antonio Teixeira Filho8:

“[...] Recorre-se, porque a lei reconhece à parte esse direito; logo, aquela é o fundamento deste. Já os motivos que aconselharam o legislador instituir leis assecuratórias desse direito compreendem um amalgamado de fatores, cujas raízes remotas, como dissemos, são de ordem política”.

A doutrina também sustenta que a existência dos recursos propicia maior equilíbrio e justiça do processo, oferecendo às partes maiores oportunidades, buscando uma decisão com a menor incidência de falhas possíveis.

Não obstante todas as vicissitudes que enfrenta o sistema recursal brasileiro, inclusive tem sido apontado pelos estudiosos como um dos vilões que emperram a máquina judiciária, pensamos que os recursos são necessários e constituem um instrumento democrático do Estado de Direito e uma forma democrática de se propiciar o acesso real do cidadão à Justiça.

1.1.1. Classificação dos recursos

A doutrina tem classificado os recursos, quanto à...

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